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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Disputa do imaginário do trabalhador


Adailtom Alves Teixeira[1]

O crítico Terry Eagleton em seu livro A função da crítica (1991), afirma que a crítica moderna nasceu de uma luta contra o Estado absolutista, entre os séculos XVII e XVIII, quando a classe burguesa criou a esfera pública, um espaço de discussão situado entre o Estado e a sociedade civil. Essa mesma crítica foi se transformando ao longo dos séculos e hoje teria perdido sua relevância social, já que se incorporou à indústria cultural.
Eagleton aponta, ainda, a tarefa do crítico na atualidade: colocar-se contra a classe dominante, dirigindo-se a uma contra-esfera pública, mas que, no entanto, não existe. E aqui temos um problema que merece ser debatido. A ausência de uma contra-esfera pública, vem ocorrendo porque a classe trabalhadora, os movimentos sociais organizados, os partidos de esquerda ainda não foram capazes ou não entenderam a importância da disputa da subjetividade do trabalhador. Pois, para disputá-la, faz-se necessário a criação de instituições ou mecanismos de educação, de cultura e de comunicação para a classe trabalhadora. Se existem exceções nessas áreas, estas parecem apenas confirmar a regra: a ausência de uma contra-esfera aos valores hegemônicos. Se a luta da classe trabalhadora for apenas (o que não é pouco) econômica e política, esquecendo a luta simbólica, pouco mudará dos valores, hábitos e gostos dos trabalhadores.
Um exemplo simples, ingênuo até: imagine um grupo de trabalhadores que ainda não construíram sua identidade de classe e que lhes sobra como lazer, cultura, diversão e informação a tv brasileira. E não é justamente esse o mecanismo que tem formado, nos últimos 50 anos, o gosto cultural do trabalhador brasileiro, inclusive dos mais engajados? Em certo tom de brincadeira, poderíamos afirmar que ele próprio se disputa entre o gosto burguês, o consumismo, o individualismo, uma intensa fragmentação e a necessidade de juntar-se em grupo para superar essas “dúvidas”. Não disputar a subjetividade do trabalhador ou não apontar para outras possibilidades culturais é continuar relegando à indústria cultura essa tarefa.
Não é exagero afirmar que parte das derrotas da classe trabalhadora vem ocorrendo devido sua falta de atenção para com a disputa da subjetividade da mesma. Ou seja, sem a formação de uma contra-esfera pública muitas das lutas ficam difíceis, pois onde se poderiam popularizar as ideias mais complexas da luta? Para Raymond Willians essa ausência teria sido um dos motivos do desmonte da organização dos trabalhadores na Inglaterra. Afirma Terry Eagleton: “a verdadeira popularização política envolve mais que a produção de obras que tornem a teoria socialista inteligível a um público de massa, por mais importante que seja esse projeto; um tal público leitor não deve ser amorfo, mas institucionalizado e capaz de receber e interpretar essas obras num contexto coletivo, além de refletir sobre suas consequências em termos de ação política.” Sem esse espaço público de discussão, o que sobra aos intelectuais de esquerda – como ocorreu com Raymond Willians na Inglaterra, ainda de acordo com Eagleton – é menos a ideia de homens de letras e mais a ideia de “sábios isolados e dissidentes”. Ainda assim, a esses “sábios”, mesmo na irrelevância social da crítica na atualidade, sobra a discussão da interação das relações sociais, das instituições culturais e das formas de subjetividade, bem como continuarem a insistir que todo movimento social de esquerda pense e crie formas e maneiras de disputar o imaginário do trabalhador no campo da arte, da educação e da comunicação.
Por fim, se existem as exceções espalhadas por aí, como fazer para juntar todas de maneira a potencializar esse trabalho? É nossa tarefa pensar e articular esse projeto. Por outro lado, cada partido e cada movimento social de esquerda não deve subestimar a força da arte e da cultura na luta da classe trabalhadora.

Texto publicado no Brasil de Fato.




[1] Graduado em História e Mestre em Artes; ator e diretor teatral. 

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