Adailtom Alves Teixeira[1]
O que se pretende aqui, nesse pequeno texto, sem esgotar os
pontos tratados, é fazer uma reflexão sobre os rumos do país, tomando a pauta
econômica e o bojo cultural do período eleitoral, em que diversos absurdos
foram veiculados pelas redes sociais, além de negar os avanços sociais, escreveram
barbaridades contra homossexuais e nordestinos.
Encruzilhada
Não se tem dúvida que o Brasil e os brasileiros tiveram
significativos avanços nos últimos doze anos. Por outro lado, do ponto de vista
das riquezas, devemos avaliar esses avanços sempre em relação a quanto lucraram
os dez por cento mais ricos, aí verificaremos que os ganhos das camadas
populares são quase migalhas. Logo fica claro o quanto poderíamos ter avançado
e o quanto ainda podemos avançar. Portanto, se o governo federal, capitaneado
pelo PT, levou o Brasil a significativos ganhos, sobretudo no âmbito social,
questões mais sérias, como a política econômica e as reformas necessárias, não
foram encaradas pelo mesmo.
Por isso mesmo, hoje, estamos em uma encruzilhada: garantir
os pequenos avanços, sem sabermos se continuaremos a avançar, já que a crise econômica
tende a se agravar, ou caminharmos para um retrocesso, caso o PSDB venha a
governar o País. Se, por um lado, o Brasil esquecido,
que há décadas não foi
olhado, teve vez e certa voz – basta ver o mapa de onde Dilma ganhou, Norte e
Nordeste, principalmente –, por outro lado, uma onda conservadora se levantou naquela ala que não quer
perder privilégios e na camada populacional que acredita que faz parte dessa
mesma ala. Claro que, diante da atual crise do capitalismo, a direita vem se
mostrando abertamente, como já frisou Frei Betto, em todo o mundo. Esse ponto é muito
mais preocupante. Por isso mesmo os desafios do novo governo, mas principalmente
dos movimentos sociais para os próximos anos: faz-se necessário a construção de
uma força que modifique a sociedade de maneira estrutural. No plano econômico,
é preciso um real enfrentamento e uma mudança de rumos.
Eric Hobsbawm, no artigo “Dentro e fora da história”, fruto de uma
conferência na Universidade da Europa Central, em Budapeste, no ano de 1994,
levantava a questão para os futuros historiadores sobre o avanço da
intolerância e dos modelos de políticas econômicas seguidos pelos países ditos
em desenvolvimento: todos seguiram o modelo neoliberal. O autor alertava que
essa política não rendeu bons frutos, nem mesmo aos seus criadores, Reino Unido
e Estados Unidos da América. E por aqui? Será que se fez o real enfrentamento
da política neoliberal, como afirmam alguns? Estaríamos em um momento
pós-neoliberal e sem alternativas à esquerda? Como construir uma força política
que avance na direção da ampliação das conquistas? São realmente conquistas ou
concessões? Questões para refletirmos.
Valores em disputa
No âmbito da cultura, a questão também pesa. Pois o que temos
visto é um grande aumento do conservadorismo e uma perseguição às minorias. Por
exemplo, não se conseguiu engajar os milhões de estudantes universitários,
fruto de política inclusiva e/ou afirmativa, nos movimentos sociais. “A moral e
os bons costumes da família burguesa” têm prevalecido e o avanço em direção a
uma sedimentação cultural que inclua as novas demandas sociais, parece não ter
rendido frutos. Uma das explicações é porque essas conquistas vieram, assim
como outras políticas, pela via do consumo, enchendo ainda mais os bolsos dos
donos de universidades privadas e fortalecendo ainda mais a privatização do
ensino. Importante ressaltar que toda mudança cultural é lenta, mas o horizonte
não é alentador.
Ao misturar os aspectos culturais e econômicos, temos um
caldeirão de absurdos. E é aí que aparece o lado mais tenebroso, pois parte do
país que nunca havia sido olhado, acabou sendo achincalhado por grande número
de pessoas que entende que o Brasil é apenas Sul e Sudeste, desenterrando uma
cultura protofascista. Voltando a Hosbsbawm, o que ocorre aí, é que quando há
decepção com o passado (nesse caso, recente, e sem os mesmos avanços nessas
regiões), projeta-se uma decepção futura. Movimentos xenófobos e intolerantes
buscam um culpado. Assim, se considerarmos a eleição da Dilma, vitoriosa no
primeiro pleito, os grandes responsáveis por isso seriam, por exemplo (mas não
o único), os nordestinos. Uma gente “esfomeada” que, segundo a concepção
preconceituosa, não saberia votar.
A história é a matéria prima para as ideologias
conservadoras. Logo, segundo Hobsbawm, “Se não há nenhum passado satisfatório,
sempre é possível inventá-lo. (...) O passado fornece um pano de fundo mais
glorioso a um presente que não tem muito o que comemorar”. Assim, a histórica
região, onde sempre grassou a fome e os grandes índices de analfabetismo,
continuaria a mesma. Cabe lembrar que a construção da ideologia perversa e
preconceituosa, buscando no passado os elementos para sua construção não é sem
fundamento histórico. Assim, como o Nordeste teria se caracterizado por uma
história de violência do coronelismo (como se não existissem em outros lugares,
inclusive no sul maravilha!), do voto de cabresto, bem como os já citados altos índices de
analfabetismo e de fome, ali estaria a aberração, o erro. Que resulta em uma
gente sem condições para exercer sua cidadania eleitoral. Dessa forma, se
condena o território e as pessoas que nele habitam, duas vezes, como se elas
não fossem capazes de reescreverem sua história, perpetua-se, assim, o passado
no presente, ainda que mentiroso. O que se tem, aí, é a tentativa de
substituição da história pelo mito. E mitos são essenciais na política de identidade.
A direita tem buscado construir um discurso preconceituoso,
perverso e mentiroso acerca das minorias e daqueles que sempre estiveram à margem.
É preciso disputar os avanços que se teve nos últimos anos também no âmbito da
subjetividade, ainda que as ferramentas para tal sejam poucas. É nesse campo
que atuam a arte, a educação, o sério jornalismo, entre outros. Sem avanços nos
valores humanos, no entendimento de uma nova sociedade, não se pode lutar por
mais avanços econômicos e sociais. Se a mudança material influencia a
subjetividade, esta também modifica e impulsiona a realidade de forma
dialética. Penso que a esquerda vem repetindo o erro ao não investir e trabalhar
por uma mudança subjetiva efetiva em todo o corpo social, sem essa mudança abre-se espaço
para que o mito se sobreponha a história.
Bibliografia
HOBSBAWM, Eric. Sobre
história. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.
Sites
[1]
Professor da Universidade Federal de Rondônia; licenciado em história e mestre
em Artes pela Unesp.
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