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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Pequena reflexão em tempos de encruzilhada

Adailtom Alves Teixeira[1]

O que se pretende aqui, nesse pequeno texto, sem esgotar os pontos tratados, é fazer uma reflexão sobre os rumos do país, tomando a pauta econômica e o bojo cultural do período eleitoral, em que diversos absurdos foram veiculados pelas redes sociais, além de negar os avanços sociais, escreveram barbaridades contra homossexuais e nordestinos.

Encruzilhada

Não se tem dúvida que o Brasil e os brasileiros tiveram significativos avanços nos últimos doze anos. Por outro lado, do ponto de vista das riquezas, devemos avaliar esses avanços sempre em relação a quanto lucraram os dez por cento mais ricos, aí verificaremos que os ganhos das camadas populares são quase migalhas. Logo fica claro o quanto poderíamos ter avançado e o quanto ainda podemos avançar. Portanto, se o governo federal, capitaneado pelo PT, levou o Brasil a significativos ganhos, sobretudo no âmbito social, questões mais sérias, como a política econômica e as reformas necessárias, não foram encaradas pelo mesmo.

Por isso mesmo, hoje, estamos em uma encruzilhada: garantir os pequenos avanços, sem sabermos se continuaremos a avançar, já que a crise econômica tende a se agravar, ou caminharmos para um retrocesso, caso o PSDB venha a governar o País. Se, por um lado, o Brasil esquecido, que há décadas não foi olhado, teve vez e certa voz – basta ver o mapa de onde Dilma ganhou, Norte e Nordeste, principalmente –, por outro lado, uma onda conservadora se levantou naquela ala que não quer perder privilégios e na camada populacional que acredita que faz parte dessa mesma ala. Claro que, diante da atual crise do capitalismo, a direita vem se mostrando abertamente, como já frisou Frei Betto, em todo o mundo. Esse ponto é muito mais preocupante. Por isso mesmo os desafios do novo governo, mas principalmente dos movimentos sociais para os próximos anos: faz-se necessário a construção de uma força que modifique a sociedade de maneira estrutural. No plano econômico, é preciso um real enfrentamento e uma mudança de rumos.

Eric Hobsbawm, no artigo “Dentro e fora da história”, fruto de uma conferência na Universidade da Europa Central, em Budapeste, no ano de 1994, levantava a questão para os futuros historiadores sobre o avanço da intolerância e dos modelos de políticas econômicas seguidos pelos países ditos em desenvolvimento: todos seguiram o modelo neoliberal. O autor alertava que essa política não rendeu bons frutos, nem mesmo aos seus criadores, Reino Unido e Estados Unidos da América. E por aqui? Será que se fez o real enfrentamento da política neoliberal, como afirmam alguns? Estaríamos em um momento pós-neoliberal e sem alternativas à esquerda? Como construir uma força política que avance na direção da ampliação das conquistas? São realmente conquistas ou concessões? Questões para refletirmos.

Valores em disputa

No âmbito da cultura, a questão também pesa. Pois o que temos visto é um grande aumento do conservadorismo e uma perseguição às minorias. Por exemplo, não se conseguiu engajar os milhões de estudantes universitários, fruto de política inclusiva e/ou afirmativa, nos movimentos sociais. “A moral e os bons costumes da família burguesa” têm prevalecido e o avanço em direção a uma sedimentação cultural que inclua as novas demandas sociais, parece não ter rendido frutos. Uma das explicações é porque essas conquistas vieram, assim como outras políticas, pela via do consumo, enchendo ainda mais os bolsos dos donos de universidades privadas e fortalecendo ainda mais a privatização do ensino. Importante ressaltar que toda mudança cultural é lenta, mas o horizonte não é alentador.

Ao misturar os aspectos culturais e econômicos, temos um caldeirão de absurdos. E é aí que aparece o lado mais tenebroso, pois parte do país que nunca havia sido olhado, acabou sendo achincalhado por grande número de pessoas que entende que o Brasil é apenas Sul e Sudeste, desenterrando uma cultura protofascista. Voltando a Hosbsbawm, o que ocorre aí, é que quando há decepção com o passado (nesse caso, recente, e sem os mesmos avanços nessas regiões), projeta-se uma decepção futura. Movimentos xenófobos e intolerantes buscam um culpado. Assim, se considerarmos a eleição da Dilma, vitoriosa no primeiro pleito, os grandes responsáveis por isso seriam, por exemplo (mas não o único), os nordestinos. Uma gente “esfomeada” que, segundo a concepção preconceituosa, não saberia votar.

A história é a matéria prima para as ideologias conservadoras. Logo, segundo Hobsbawm, “Se não há nenhum passado satisfatório, sempre é possível inventá-lo. (...) O passado fornece um pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito o que comemorar”. Assim, a histórica região, onde sempre grassou a fome e os grandes índices de analfabetismo, continuaria a mesma. Cabe lembrar que a construção da ideologia perversa e preconceituosa, buscando no passado os elementos para sua construção não é sem fundamento histórico. Assim, como o Nordeste teria se caracterizado por uma história de violência do coronelismo (como se não existissem em outros lugares, inclusive no sul maravilha!), do voto de cabresto, bem como os já citados altos índices de analfabetismo e de fome, ali estaria a aberração, o erro. Que resulta em uma gente sem condições para exercer sua cidadania eleitoral. Dessa forma, se condena o território e as pessoas que nele habitam, duas vezes, como se elas não fossem capazes de reescreverem sua história, perpetua-se, assim, o passado no presente, ainda que mentiroso. O que se tem, aí, é a tentativa de substituição da história pelo mito. E mitos são essenciais na política de identidade.

A direita tem buscado construir um discurso preconceituoso, perverso e mentiroso acerca das minorias e daqueles que sempre estiveram à margem. É preciso disputar os avanços que se teve nos últimos anos também no âmbito da subjetividade, ainda que as ferramentas para tal sejam poucas. É nesse campo que atuam a arte, a educação, o sério jornalismo, entre outros. Sem avanços nos valores humanos, no entendimento de uma nova sociedade, não se pode lutar por mais avanços econômicos e sociais. Se a mudança material influencia a subjetividade, esta também modifica e impulsiona a realidade de forma dialética. Penso que a esquerda vem repetindo o erro ao não investir e trabalhar por uma mudança subjetiva efetiva em todo o corpo social, sem essa mudança abre-se espaço para que o mito se sobreponha a história.

Bibliografia
HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.

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[1] Professor da Universidade Federal de Rondônia; licenciado em história e mestre em Artes pela Unesp.

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