“Não sou
quem me navega, quem me navega é o mar...”. E no embalo da canção do mestre
Paulinho da Viola, nossa nau chega ao Rio de Janeiro. A delegação que foi á
Londrina volta para começar os preparativos para o encontro do Rio de Janeiro,
na Zona Norte da cidade, dentro do Instituto Psiquiátrico Nise da Silveira, no
Hotel da Loucura.
Pre-Produção
Como
anunciado em Londrina, o encontro da RBTR se daria dentro do movimento Ocupa
Nise, que entrava por sua terceira edição e que tinha como objetivo abrigar
eventos relacionados á teatro, arte e saúde. Datas confirmadas: 01 á 07 de
setembro, mês místico de transformações segundo antigas crenças pagãs.
Começamos a
nos encontrar e fazer reuniões para dialogar sobre o encontro em 2014. Desta
vez o Ocupa Nise estaria abrigando dois movimentos: o XV encontro da Rede
Brasileira de Teatro de Rua e o IV Encontro da Universidade Popular de Arte e
Cultura. Dois movimentos com suas identidades, mas unidos pela arte como
instrumento de relacionamento com a cidade e como foco de saúde para a
sociedade urbana. Arte Pública e Saúde Pública.
E foi em
cima de um pensamento envolvendo Arte Pública e Saúde Pública que Amir Haddad,
estimado, premiado e conceituado artista dos espaços públicos junto com Vitor
Pordeus, médico e ator e criador do espaço Hotel da Loucura, conceberam uma
programação onde os canais se abriam para falar sobre arte e saúde com
celebração e com dialogo. Apolo e Dyonisius em sintonia e harmonia. E
acontecendo dentro das paredes de um hospício, onde é fácil permitir ficar
doente se não encontrar forças para essa harmonia.
O espaço
físico estava lá, mas não queria dizer que seria fácil. Afinal, não seria
apenas a UPAC que estaria ocupando os quartos da Casa do Sol, não, teria também
a RBTR e o número de hospedes seria maior. O hotel da Loucura é apenas um
andar, o terceiro do prédio onde se localizam enfermarias e baias para os
internos e que na sua maioria encontrasse desativada, com poucos internos.
Havia necessidade de se expandir e foi o
que aconteceu. A galera que administra o centro cultural de arte e cura,
conseguiu anexar mais um andar, dispondo mais quartos e mais baias para a os
articuladores e participantes que já estavam se inscrevendo para o encontro, já
nas primeiras semanas o número já estava em 200 pessoas. O hotel da Loucura se
expandiu dentro do Instituto, o que nos deu uma tranqüilidade, esta abalada por
uma noticia que nos preocupou: a saída do secretário municipal de saúde Hans
Donner, médico de visão e apoiador do projeto, que por motivos partidários e
convicções políticas, se demitiu do cargo, sendo a pasta assumida por um nome
da qual não tinha simpatia e interesse pelo trabalho realizado no Hotel da
Loucura, mesmo ciente dos avanços que os internos que praticavam ali a arte do
teatro, tinham conquistado. Primeira medida, o orçamento previsto para o
evento, (R$100.000,00), já apalavrado e comprometido, foi cortado. Não vale a
pena nem mencionar a justificativa dada pelo novo secretário, pois é a mesma
que os burocratas dos serviços públicos dão para poder justificar em não gastar
com o que eles acham como supérfluo.
Acham que o melhor para os internos de uma instituição para doentes com
problemas mentais são remédios tranqüilizantes, camisas de força e grades.
Pincel e grafite é bobagem.
A
preocupação, o que fazer? Esmorecer? Cancelar o Ocupa Nise? Faltando pouco mais
de um mês? Não podíamos aceitar tal derrota, afinal o evento era mais do
esperado ainda mais onde iria ser realizado. Intensificamos nossa labuta. A
galera dos coletivos que tem espaço e produzem no Hotel da loucura, junto com
funcionários simpatizantes do projeto, internos e administradores do espaço,
arregaçaram mangas e fomos para o tudo ou nada. Com muito esforço, passando o
chapéu ou conseguindo doações conseguiram material. Munidos de pincel, rolos, vassouras, rodos,
panos e tinta, cantando, dançando e poetizando, limparam e pintaram o andar.
Enquanto
isso, Vitor voou para Brasília para conseguir verba federal para o
encontro.
A tensão
reinou nas semanas anteriores ao começo do Encontro Continuamos nosso ritmo,
carregando o peso dos acontecimentos nas costas, com reuniões constantes no
Engenho de Dentro, organizando o espaço, organizando as equipes de trabalho, se
comunicando com os inscritos, vendo a melhor maneira de acolher a todos, afinal
tínhamos apenas 160 e o número de pessoas querendo participar chegou a mais de
210. O que dizer, falar para os nomes na fila de esperaram não virem? É difícil
de falar não quando a vontade é imensa. E com o peito escancarado e apostando
que afinal de contas, nada iria dar certo, confirmamos todos os nomes.
No dia 30 de
agosto começaram a chegar e no dia 01 de setembro já se encontravam dentro do
Instituto mais de 190 participantes. Sabíamos dos riscos, apostamos na
liberação da verba, depositamos nossos nomes em confiança, com promessas de
acertos; incentivamos as pessoas a virem para o encontro, sem medo. O resultado,
todos sabemos: ninguém ficou de fora, ninguém ficou desabrigado e ninguém ficou
sem comer, ninguém ficou sem participar. Total de hospedados no Hotel da
loucura, 210. Total de participantes em todo o evento, 400 pessoas.
Dia 07 de
setembro, encerramento, lágrimas de emoção e alegria. Desistir nunca, render-se
as tempestades jamais. Dever cumprido.
Nas próximas
páginas, o desenrolar dos acontecimentos, dia após dia do Ocupa Nise 2014.
MIRIAM NÃO DESISTE
Tensão no ar
com problemas para serem resolvidos. Setembro chegando e nós da produção com a
cabeça a mil, sem verba e tendo tanto a fazer, começando por preparar e, limpar
e organizar o quarto andar para os participantes ficarem acomodados?
No meio de
tantas questões, preocupações e debates, Miriam, interna do instituto Nise da
Silveira e atriz do Grupo Dyo Nises, com a maior simplicidade, chega e fala:
“Vou vender
muita empadinha e ai o dinheiro que der eu dou pra comprar tinta pra pintar os
quartos e ai receber todo mundo e bem...”
Silêncio.
Aos poucos as vozes retornam:
“Enquanto
não pinga dinheiro no chapéu, vou ver se tenho tinta sobrando!” “Eu acho que
tenho branca...” “A gente pede vassoura emprestada para limpar os andares.”
“Vamos fazer escala? Eu posso vir de manhã, quem pode a tarde?”, “Eu posso.”
“Coloca meu nome também...” “Mutirão, eu consigo jornal para não pingar tinta.”
“Vamos arrumar o chalé, dá para o pessoal se alojar lá também.” “Lembrei que
tenho azul sobrando...”
Vale mais um
incentivo do que demonstração de impotência e inércia. Uma frase sem comodismo,
movimenta uma multidão.
Herculano Dias
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