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domingo, 5 de outubro de 2014

MEMÓRIA PRESENTE IV



“Não sou quem me navega, quem me navega é o mar...”. E no embalo da canção do mestre Paulinho da Viola, nossa nau chega ao Rio de Janeiro. A delegação que foi á Londrina volta para começar os preparativos para o encontro do Rio de Janeiro, na Zona Norte da cidade, dentro do Instituto Psiquiátrico Nise da Silveira, no Hotel da Loucura.
  
Pre-Produção

Como anunciado em Londrina, o encontro da RBTR se daria dentro do movimento Ocupa Nise, que entrava por sua terceira edição e que tinha como objetivo abrigar eventos relacionados á teatro, arte e saúde. Datas confirmadas: 01 á 07 de setembro, mês místico de transformações segundo antigas crenças pagãs.

Começamos a nos encontrar e fazer reuniões para dialogar sobre o encontro em 2014. Desta vez o Ocupa Nise estaria abrigando dois movimentos: o XV encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua e o IV Encontro da Universidade Popular de Arte e Cultura. Dois movimentos com suas identidades, mas unidos pela arte como instrumento de relacionamento com a cidade e como foco de saúde para a sociedade urbana. Arte Pública e Saúde Pública.

E foi em cima de um pensamento envolvendo Arte Pública e Saúde Pública que Amir Haddad, estimado, premiado e conceituado artista dos espaços públicos junto com Vitor Pordeus, médico e ator e criador do espaço Hotel da Loucura, conceberam uma programação onde os canais se abriam para falar sobre arte e saúde com celebração e com dialogo. Apolo e Dyonisius em sintonia e harmonia. E acontecendo dentro das paredes de um hospício, onde é fácil permitir ficar doente se não encontrar forças para essa harmonia.

O espaço físico estava lá, mas não queria dizer que seria fácil. Afinal, não seria apenas a UPAC que estaria ocupando os quartos da Casa do Sol, não, teria também a RBTR e o número de hospedes seria maior. O hotel da Loucura é apenas um andar, o terceiro do prédio onde se localizam enfermarias e baias para os internos e que na sua maioria encontrasse desativada, com poucos internos. Havia necessidade de  se expandir e foi o que aconteceu. A galera que administra o centro cultural de arte e cura, conseguiu anexar mais um andar, dispondo mais quartos e mais baias para a os articuladores e participantes que já estavam se inscrevendo para o encontro, já nas primeiras semanas o número já estava em 200 pessoas. O hotel da Loucura se expandiu dentro do Instituto, o que nos deu uma tranqüilidade, esta abalada por uma noticia que nos preocupou: a saída do secretário municipal de saúde Hans Donner, médico de visão e apoiador do projeto, que por motivos partidários e convicções políticas, se demitiu do cargo, sendo a pasta assumida por um nome da qual não tinha simpatia e interesse pelo trabalho realizado no Hotel da Loucura, mesmo ciente dos avanços que os internos que praticavam ali a arte do teatro, tinham conquistado. Primeira medida, o orçamento previsto para o evento, (R$100.000,00), já apalavrado e comprometido, foi cortado. Não vale a pena nem mencionar a justificativa dada pelo novo secretário, pois é a mesma que os burocratas dos serviços públicos dão para poder justificar em não gastar com o que eles acham como supérfluo.  Acham que o melhor para os internos de uma instituição para doentes com problemas mentais são remédios tranqüilizantes, camisas de força e grades. Pincel e grafite é bobagem.

A preocupação, o que fazer? Esmorecer? Cancelar o Ocupa Nise? Faltando pouco mais de um mês? Não podíamos aceitar tal derrota, afinal o evento era mais do esperado ainda mais onde iria ser realizado. Intensificamos nossa labuta. A galera dos coletivos que tem espaço e produzem no Hotel da loucura, junto com funcionários simpatizantes do projeto, internos e administradores do espaço, arregaçaram mangas e fomos para o tudo ou nada. Com muito esforço, passando o chapéu ou conseguindo doações conseguiram material.  Munidos de pincel, rolos, vassouras, rodos, panos e tinta, cantando, dançando e poetizando, limparam e pintaram o andar.
  
Enquanto isso, Vitor voou para Brasília para conseguir verba federal para o encontro. 

A tensão reinou nas semanas anteriores ao começo do Encontro Continuamos nosso ritmo, carregando o peso dos acontecimentos nas costas, com reuniões constantes no Engenho de Dentro, organizando o espaço, organizando as equipes de trabalho, se comunicando com os inscritos, vendo a melhor maneira de acolher a todos, afinal tínhamos apenas 160 e o número de pessoas querendo participar chegou a mais de 210. O que dizer, falar para os nomes na fila de esperaram não virem? É difícil de falar não quando a vontade é imensa. E com o peito escancarado e apostando que afinal de contas, nada iria dar certo, confirmamos todos os nomes.

No dia 30 de agosto começaram a chegar e no dia 01 de setembro já se encontravam dentro do Instituto mais de 190 participantes. Sabíamos dos riscos, apostamos na liberação da verba, depositamos nossos nomes em confiança, com promessas de acertos; incentivamos as pessoas a virem para o encontro, sem medo. O resultado, todos sabemos: ninguém ficou de fora, ninguém ficou desabrigado e ninguém ficou sem comer, ninguém ficou sem participar. Total de hospedados no Hotel da loucura, 210. Total de participantes em todo o evento, 400 pessoas.

Dia 07 de setembro, encerramento, lágrimas de emoção e alegria. Desistir nunca, render-se as tempestades jamais.  Dever cumprido.

Nas próximas páginas, o desenrolar dos acontecimentos, dia após dia do Ocupa Nise 2014.


MIRIAM NÃO DESISTE

Tensão no ar com problemas para serem resolvidos. Setembro chegando e nós da produção com a cabeça a mil, sem verba e tendo tanto a fazer, começando por preparar e, limpar e organizar o quarto andar para os participantes ficarem acomodados?

No meio de tantas questões, preocupações e debates, Miriam, interna do instituto Nise da Silveira e atriz do Grupo Dyo Nises, com a maior simplicidade, chega e fala:
“Vou vender muita empadinha e ai o dinheiro que der eu dou pra comprar tinta pra pintar os quartos e ai receber todo mundo e bem...”

Silêncio. Aos poucos as vozes retornam:
“Enquanto não pinga dinheiro no chapéu, vou ver se tenho tinta sobrando!” “Eu acho que tenho branca...” “A gente pede vassoura emprestada para limpar os andares.” “Vamos fazer escala? Eu posso vir de manhã, quem pode a tarde?”, “Eu posso.” “Coloca meu nome também...” “Mutirão, eu consigo jornal para não pingar tinta.” “Vamos arrumar o chalé, dá para o pessoal se alojar lá também.” “Lembrei que tenho azul sobrando...”

Vale mais um incentivo do que demonstração de impotência e inércia. Uma frase sem comodismo, movimenta uma multidão.

Herculano Dias


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