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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Oigalê - duas décadas de teatro popular


Adailtom Alves Teixeira[1]

Fazer arte no Brasil não é algo fácil, nunca foi. Fazer teatro de rua, mais difícil ainda. Seja pela ausência de políticas públicas específicas, seja pelas perseguições (atualmente Curitiba no Paraná os artistas vêm sofrendo perseguições devido a um Decreto Municipal que interdita o principal espaço, onde já é tradição a arte de rua dialogar com seu público), seja devido ao preconceito, dentre outras tantas coisas. Por isso quando um coletivo teatral, como o Oigalê, chega a duas décadas de existência e com um repertório ativo, temos muito o que comemorar e parabenizar. Existir fazendo arte em nossos tempos, já é um ato de resistência.

O Negrinho do Pastoreio. Foto Thiago Alves
Criado na virada do milênio, em 1999, o grupo Oigalê chega a duas décadas realizando duas circulações em seu estado, Rio Grande do Sul, uma pelo interior e outra na capital, Porto Alegre, totalizando 20 apresentações. No repertório, espetáculos que participaram de diversos festivais, projetos e percorreram o Brasil: O Negrinho do Pastoreio e Circo de Horrores e Maravilhas. O primeiro é uma história popular dos pampas e que dispensa apresentação, levada à cena com uma leitura toda especial e que dialoga com o nosso tempo, afinal crueldade e preconceito parece ser uma marca que não conseguimos abandonar na história da sociedade brasileira. Destaque para a utilização das pernas de pau, em que os integrantes apresentam uma técnica apuradíssima. Aliás, no meu ponto de vista, apenas três grupos utilizam as pernas de pau em cena não apenas para chamar atenção do público ou como forma de agigantar os atores, mas sim como elemento que faz parte do corpo dos atores, permitindo criações inventivas em cena. Os grupos, todos são do teatro de rua são: Cia de Mystérios e Novidade do Rio de Janeiro, Ás de Paus do Paraná e os gaúchos da Oigalê. No espetáculo O Negrinho do Pastoreio, o apuro técnico faz com que vejamos outros seres em cena, criando uma plasticidade toda especial.

O segundo espetáculo, Circo de Horrores, revisita alguns números bastante utilizados no início do século passado, em que o diferente era motivo da diversão, propõe, portanto, uma reflexão sobre o tema, mas de forma lúdica e para todos os públicos. Um dos destaques do espetáculo, fica por conta da interpretação das duas atrizes, que não só fazem todas as personagens, como ainda realizam a tradução em libras, criando toda uma expressividade belíssima, ao mesmo tempo em que permitem acessibilidade à comunidade surda. Este é o último espetáculo criado por essa trupe, que, ao velho modo de seus ancestrais, irá mambembar por ruas, parques e praças do
Circo de Horrores. Foto divulgação
Rio Grande do Sul, graças a um projeto contemplado no Fundo de Apoio à Cultura.

Além das apresentações gratuitas, a cada apresentação o grupo realizará conversas sobre o fazer artístico, uma possibilidade de ampliar a troca com seu público e com outros artistas. Em nosso tempo histórico, toda possibilidade de diálogo deve ser enaltecido e incentivado, e como as apresentações, é certo que despertarão questionamentos e reflexões, uma conversa após, pode representar mais uma brecha para romper com preconceitos, encurtar distâncias e estreitar laços afetivos. A rua, ao longo da história, tem servido a isso e não apenas como espaço de deslocamento, por isso deve ser vista também como local de fruição das artes, do encontro com o outro, de construção e do respeito às diferenças. Respeito que, é certo, os dois espetáculos do Oigalê levarão a todos que os encontrarem nessa circulação.

Maiores informações sobre o grupo e o projeto poderá ser obtido no sítio eletrônico oigale.com.br. Vida longa ao Oigalê. Evoé!



[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Mestre em Artes pela Universidade Estadual Paulista-UNESP; articulador da RBTR; integrante do Teatro Ruante de Porto Velho/RO.

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