Adailtom Alves Teixeira[1]
Fazer arte no Brasil não é
algo fácil, nunca foi. Fazer teatro de rua, mais difícil ainda. Seja pela
ausência de políticas públicas específicas, seja pelas perseguições (atualmente
Curitiba no Paraná os artistas vêm sofrendo perseguições devido a um Decreto
Municipal que interdita o principal espaço, onde já é tradição a arte de rua
dialogar com seu público), seja devido ao preconceito, dentre outras tantas
coisas. Por isso quando um coletivo teatral, como o Oigalê, chega a duas
décadas de existência e com um repertório ativo, temos muito o que comemorar e
parabenizar. Existir fazendo arte em nossos tempos, já é um ato de resistência.
O Negrinho do Pastoreio. Foto Thiago Alves |
Criado na virada do milênio,
em 1999, o grupo Oigalê chega a duas décadas realizando duas circulações em seu
estado, Rio Grande do Sul, uma pelo interior e outra na capital, Porto Alegre, totalizando 20 apresentações.
No repertório, espetáculos que participaram de diversos festivais, projetos e
percorreram o Brasil: O Negrinho do
Pastoreio e Circo de Horrores e
Maravilhas. O primeiro é uma história popular dos pampas e que dispensa
apresentação, levada à cena com uma leitura toda especial e que dialoga com o nosso
tempo, afinal crueldade e preconceito parece ser uma marca que não conseguimos
abandonar na história da sociedade brasileira. Destaque para a utilização das
pernas de pau, em que os integrantes apresentam uma técnica apuradíssima.
Aliás, no meu ponto de vista, apenas três grupos utilizam as pernas de pau em
cena não apenas para chamar atenção do público ou como forma de agigantar os
atores, mas sim como elemento que faz parte do corpo dos atores, permitindo
criações inventivas em cena. Os grupos, todos são do teatro de rua são: Cia de
Mystérios e Novidade do Rio de Janeiro, Ás de Paus do Paraná e os gaúchos da
Oigalê. No espetáculo O Negrinho do
Pastoreio, o apuro técnico faz com que vejamos outros seres em cena,
criando uma plasticidade toda especial.
O segundo espetáculo, Circo de Horrores, revisita alguns
números bastante utilizados no início do século passado, em que o diferente era
motivo da diversão, propõe, portanto, uma reflexão sobre o tema, mas de forma
lúdica e para todos os públicos. Um dos destaques do espetáculo, fica por conta
da interpretação das duas atrizes, que não só fazem todas as personagens, como
ainda realizam a tradução em libras, criando toda uma expressividade belíssima,
ao mesmo tempo em que permitem acessibilidade à comunidade surda. Este é o
último espetáculo criado por essa trupe, que, ao velho modo de seus ancestrais,
irá mambembar por ruas, parques e praças do
Rio Grande do Sul, graças a um
projeto contemplado no Fundo de Apoio à Cultura.
Circo de Horrores. Foto divulgação |
Além das apresentações
gratuitas, a cada apresentação o grupo realizará conversas sobre o fazer
artístico, uma possibilidade de ampliar a troca com seu público e com outros
artistas. Em nosso tempo histórico, toda possibilidade de diálogo deve ser
enaltecido e incentivado, e como as apresentações, é certo que despertarão
questionamentos e reflexões, uma conversa após, pode representar mais uma
brecha para romper com preconceitos, encurtar distâncias e estreitar laços
afetivos. A rua, ao longo da história, tem servido a isso e não apenas como
espaço de deslocamento, por isso deve ser vista também como local de fruição
das artes, do encontro com o outro, de construção e do respeito às diferenças.
Respeito que, é certo, os dois espetáculos do Oigalê levarão a todos que os
encontrarem nessa circulação.
Maiores informações sobre o
grupo e o projeto poderá ser obtido no sítio eletrônico oigale.com.br. Vida longa
ao Oigalê. Evoé!
[1] Professor do
Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Mestre em
Artes pela Universidade Estadual Paulista-UNESP; articulador da RBTR;
integrante do Teatro Ruante de Porto Velho/RO.
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