Pesquisar este blog

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Idibal de Almeida Pivetta/César Vieira: um homem comprometido com sua gente e seu tempo histórico*

 

Adailtom Alves Teixeira[1]

 

As chamadas práticas de liberdade de que falam tantos artistas, intelectuais, políticos, materializam-se tão organicamente na vida de Idibal Pivetta/César Vieira que não é possível separar um sujeito do outro e é impossível concebê-los dissociados do ético alimentando a existência humana, jurídica, estética.

Alexandre mate

 

          O advogado Idibal de Almeida Pivetta, nascido na cidade de Jundiaí em 1931, tornou-se desde muito cedo um apaixonado por samba e futebol; chegou, inclusive, a integrar o time do Paulista em sua cidade e quando passou a escrever peças teatrais, por meio do pseudônimo de César Vieira – devido à censura e repressão que imperava no Brasil –, ambas as manifestações estavam sempre presentes em sua dramaturgia. Tais gostos, é certo, levou-o a interessar-se por outras expressões populares, por isso gostava de afirmar que em seus espetáculos sempre havia alguma coisa de futebol, samba e religião.

Idibal Piveta/Cesár Vieira. Foto disponível em: 
https://memorialdaresistenciasp.org.br/pessoas/idibal-matto-pivetta/

A política também entrou cedo em sua vida, pois seu pai foi prefeito da cidade, porém, o administrador foi cassado pela ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), período conhecido como Estado Novo. Desde cedo escutava as conversas em sua casa, quando outros políticos se reunia com seu pai. Depois, na juventude, militou no movimento estudantil, foi presidente de Centro Acadêmico e também da União Nacional dos Estudantes (UNE); mais tarde, formado em direito, se viu advogando para presos políticos no tempo da ditadura civil-militar (1964-1985). Como advogado conseguiu liberdade, dentre outros, para Augusto Boal, isso fez com que o criador do teatro do oprimido conseguisse sair do Brasil e pudesse se exilar na Argentina. O próprio César Vieira também chegou a ser preso em 1973, auge da repressão no Brasil, passando por alguns presídios ao longo de três meses.

Por este rápido preâmbulo, nota-se como a vida conduziu Idibal Pivetta à uma aproximação com as manifestações da gente brasileira e suas agruras; nele foi cultivado o gosto pela liberdade e pelo entendimento político. Por isso mesmo, tornou-se um dramaturgo que buscou realizar uma arte que se aproximasse da consigna benjaminiana de uma história a contrapelo; seu teatro calcado em estruturas populares e absolutamente comprometido com as lutas da gente brasileira. Sua arte sempre foi um meio, não um fim. Apesar de ter iniciado pela escrita de novelas, é como dramaturgo e diretor teatral que realizou uma produção absolutamente significativa. E César Vieira como sempre foi um sujeito do bando, foi ao lado dos parceiros do Teatro Popular União e Olho Vivo (TUOV) – criado em 1966 no Centro Acadêmico 11 de Agosto da Faculdade de Direito do Largo São Francisco/USP – que pôde expressar sua poética épico-popular.

O TUOV iniciou o processo de produção e criação artística, como César Vieira sempre lembrava em suas falas, com “elementos dos extratos médios”, a turma do 11 de Agosto, mas a mistura com os integrantes do Teatro Casarão, ainda nos idos dos anos 1960, o predestinou a uma popularização, radicalizada a partir da década de 1970, quando foi ao encontro do público nas periferias, pois tinham ciência de que o artista deve ir aonde o povo está, como canta Milton Nascimento. Ou seja, à medida que foi se aproximando das comunidades, sempre era procurado por algumas pessoas que se interessavam em fazer teatro e assim, o coletivo que já carregava uma bandeira popular, passou a ter integrantes também vindos dos bairros periféricos. De acordo com Alexandre Mate (2008), popular para o coletivo concerne tanto ao direito de acesso à arte, como à produção de bens simbólicos.

O teatro praticado pelo TUOV escarafunchou a história brasileira, fugindo dos lugares comuns e devolvendo à sua gente a história de importantes lideranças. Para manterem sua isenção crítica, o coletivo fez uma opção radical pelo “amadorismo”, no sentido daquele que ama seu ofício e não vive dele profissionalmente, já que todos/as os/as integrantes tinham (têm) outras profissões, retirando seu sustento de outros trabalhos para não dependerem economicamente de sua arte e, desse modo, não fazerem concessões em suas criações. Além disso, em seu percurso histórico, adotaram o que chamam de tática Robin Hood, isto é, vendem seus espetáculos para determinado público e/ou instituições que podem pagar, para poderem levar os espetáculos às comunidades que não dispõem de recursos de modo gratuito. Para César Vieira, a citada tática

[...] permitia, com a venda de um número limitado de espetáculos, para a classe média, prosseguir na experiência e cobrir as despesas que eram muitas: condução para ir aos bairros; manutenção do material de cena; aquisição de gravadores, fitas, filmes; gastos com a sede etc.

A subvenção oficial foi motivo de infindáveis discussões e afinal resolveu-se aceitá-la desde que não houvesse qualquer cerceamento às nossas atividades. Subvenção é uma forma de aplicação de imposto, imposto é pago pelo povo, e o nosso trabalho fazia com que esse imposto revertesse ao próprio povo (2007, p. 109).

 

À medida que dois coletivos se fundiram ainda nos idos dos anos 1960 para originar um terceiro, o TUOV, isto é, quando a turma do 11 de Agosto – que havia montado O evangelho segundo Zebedeu – e o Teatro Casarão – que havia montado Corinthians, meu amor – após muitas discussões resolveram se juntar, tinham em mente continuar a produzir novos espetáculos, um teatro popular que chegasse às camadas menos favorecidas. Para tanto, precisavam ir até eles e precisavam de estruturas que dialogassem com tal público. Deixemos que o próprio César Vieira narre este processo:

Duas coisas estavam bastante claras para eles: a certeza de que um espetáculo só chegaria a um público verdadeiramente popular se fosse apresentado nas proximidades da residência ou do local de trabalho dessa plateia e a crença de que o preço de ingresso deveria estar ao alcance do poder aquisitivo dessa faixa de população. Firmara-se também a convicção de que só um desvinculamento dos padrões estéticos convencionais, ditados pelo lucro e pelas técnicas estrangeiras, delinearia um caminho para uma nova criatividade, longe dos cânones da moda teatral, mas certamente mais perto do povo (2007, p. 91).

 

Desse modo, estrutura-se o coletivo em novos rumos à busca de um teatro verdadeiramente popular, bem como o terceiro espetáculo do TUOV, Rei Momo, que “[...] deveria conter obrigatoriamente: samba, carnaval, futebol, televisão e história do Brasil. Tudo isso a serviço de um motivo central: a luta pela liberdade” (VIEIRA, 2007, p. 92), afinal vivia-se sob o signo da ditadura civil-militar. Tal processo verticalizou também a dinâmica de organização, de pesquisa e a poética, dentro de uma metodologia rigorosamente coletiva, que vigora até os dias de hoje.

[...] o uso obrigatório da palavra por todos os integrantes acerca de todos os assuntos que digam respeito à vida do Grupo. Nessa prática, todos têm de fazer uso da palavra e de se posicionar quanto àqueles assuntos, necessidades e propostas em pauta. Nessa perspectiva, as deliberações que organizam a convivência estético-social do Grupo, de modo bastante diferenciado de outras formas e agrupamentos, busca o consenso, isto é, a unanimidade. Assim, o poder de decisão é responsabilidade absoluta do coletivo (MATE, 2008, p. 205).

 

Do ponto de vista da organização e criação dos espetáculos dentro da metodologia coletiva, César Vieira em seu livro Em busca do teatro popular (2007, p. 118) apresenta um organograma no qual é possível identificar o processo a partir de quatro comissões: a artística, a administrativa, a de espetáculos e a cultural. Por sua vez, cada comissão se subdivide em outras comissões. Acerca da criação de espetáculos, que nos interessa mais diretamente, o processo é composto de dez etapas e que já resumi em outro momento do seguinte modo:

1)     É eleito um tema; 2) escolhe-se a estrutura popular para a montagem (bumba-meu-boi, marujada etc.); 3) pesquisa do tema e da estrutura; 4) com base nos dados coletados, organizam as fichas dramáticas com sugestões de conflitos e de personagens; 5) criação do quadro dramático ou do roteiro geral, que será entregue à comissão de dramaturgia; 6) criação do texto-base; 7) submissão do texto-base ao coletivo que, após os debates, realizarão cortes, proporão modificações e aprovarão o texto a ser montado; 8) produção do espetáculo; 9) apresentação do espetáculo ao público, seguido de debate com vistas a possíveis propostas de mudanças; 10) mudanças apontadas pelo público são acrescentadas. Dessa forma, o TUOV chega ao espetáculo final, criado coletivamente (TEIXEIRA, 2020, p. 98).

 

Acerca das estruturas populares nos espetáculos, cabe mencionar algumas peças, seus textos estão quase todos publicados. Assim, em O evangelho segundo Zebedeu, escrita em 1970 (após a decretação do Ato Institucional nº 5, chamado golpe dentro do golpe, devido ao recrudescimento da repressão e outras arbitrariedades), a história de Canudos é revisitada, porém a partir do olhar de um artista de circo mambembe; outra característica popular presente é a religiosidade. Logo, o coletivo se valeu da história de uma comunidade do século XIX, que foi esmagada pelo Estado, na recém-nascida República, para dialogar com o seu tempo histórico, no qual viviam sufocados pela repressão do Estado brasileiro.

Quando estava se organizando o chamado novo trabalhismo no Brasil, em 1978, foi escrito Bumba, meu queixada, que pelo título já se percebe a estrutura popular utilizada e que aborda os processos grevistas que vinham ocorrendo, em especial em Osasco e na região chamada ABCD paulista. Mais uma vez, sem medo, o TUOV enfrentava o arbítrio por meio do espetáculo (e César Vieira, além da arte, por meio de sua prática jurídica).

Em Barbosinha Futebó Crubi, uma das paixões de César Vieira ganha corpo: o futebol, mas não só, posto que a dramaturgia é composta com muitos sambas. Com estrutura e ritmo do teatro de revista, o espetáculo homenageia o paulista Adoniran Barbosa. No repertório musical, dentre outros, consta músicas de Geraldo Filme, Adoniran Barbosa e do próprio César Vieira.

Na virada do milênio o TUOV revisitou com seus espetáculos dois momentos históricos importantes e pouco conhecido dos/as brasileiros/as, trata-se da Revolta da Chibata ocorrida em 1910 no Rio de Janeiro (uma insurreição de marinheiros)  e a participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na segunda guerra mundial. O primeiro foi abordado em João Cândido do Brasil: a revolta da chibata, utilizando a estrutura popular da marujada, narra a história dos marinheiros que enfrentaram os maus-tratos que sofriam e que eram vigentes desde a escravidão e que não foram abolidos nem mesmo com a proclamação da República, afinal suas infrações eram “pagas” com chicotadas. A segunda temática está em A cobra vai fumar, que se valendo fortemente do carnaval, apresenta os pracinhas brasileiros que foram lutar pela democracia em solo europeu, enquanto no Brasil vigia a ditadura do Estado Novo. Contradições da história brasileira, via de regra escondida pela versão “oficial” e aqui escovada a contrapelo, para questionar o sentido de nossa formação.

A Cobra Vai Fumar - Apresentação no Festival Nacional de Teatro,
Vitória/ES.  Foto disponível em: 
https://www.flickr.com/photos/tatianapzzn/10945985784/in/photostream/

Sem dúvida o cidadão, o advogado e o artista IdibalPivetta/César Vieira, foram e são inseparáveis, sendo uma daquelas pessoas a quem Brecht chamou de imprescindíveis, posto ter lutado a vida inteira.  Acerca de seu trabalho e de sua luta por todas as maneiras já aludidas aqui na construção de um mundo mais justo e melhor para a maioria, bem como na compreensão de que o seu teatro não é um fim, mas meio, o próprio César Vieira em entrevista a Alexandre Mate, afirma sobre si e sua práxis:

Se eu tivesse buscando uma gratificação seria quando se vai ao bairro e apresenta-se um espetáculo. Apresenta-se uma, duas, três vezes o mesmo espetáculo. Realiza-se um debate. Na semana seguinte, quando se está encostando o material de luz, som e figurino, ouve-se as crianças, que assistiram ao espetáculo, cantando uma música apresentada nele. Muitas vezes, elas mudam a letra e apresentam uma solução estética nova, colocam uma nova letra. O que a gente mostrou, elas transformaram, mostrando suas verdades, suas criações. Não se trata da mesma música, não se trata da mesma letra, mas de algo novo. De algo estimulado pelo nosso trabalho. Algo que foi significativo para elas. Algo que as marcará (VIEIRA apud MATE, 2008, p. 216-7).

 

          A reflexão do artista, mas que gratificação aponta em muitas direções, como a própria criação coletiva que continua a se desdobrar no público; do ponto de vista temático, é possível fazer com que os populares tomem conhecimento de sua própria história para poderem recriar; mas também aponta para o inacabado  de todo/a sujeito/a na arte e na vida; por fim, para a continuidade de nossa existência no/a outro/a. É certo que César Vieira continua e continuará em muitos/as de nós, pois sua permanência por aqui foi repleta de sonhos, afetos e lutas que merecem ser continuados (e é certo que serão).

Evoé!

 

Referências

MATE, Alexandre L. A produção teatral paulistana dos anos 80 – R(ab)iscando com faca o chão da história: tempo de contar os (pré)juízos em percursos de andança. 340f (vol. I). Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

TEIXEIRA, Adailtom Alves. Teatro de rua: identidade, território. São Paulo: Giostri, 2020.

VIEIRA, César. A cobra vai fumar. São Paulo: s.e., 2014.

_______. Barbosinha Futebó Crubi; Us Juãos i os Magalis. Guarulhos, SP: Secretaria de Cultura, 2008.

_______. Bumba, meu queixada; Morte aos brancos. Guarulhos, SP: Secretaria de Cultura, 2008.

_______. Corinthians, meu amor; Rei Momo. Guarulhos, SP: Secretaria de Cultura, 2008.

_______. Em busca de um teatro popular. 4ª ed. Rio de Janeiro: Funarte, 2007.

_______. João Cândido do Brasil. Guarulhos, SP: Secretaria de Cultura, 2008.

_______. O evangelho segundo Zebedeu. Guarulhos, SP: Secretaria de Cultura, 2008.



O texto foi escrito a pedido de uma escola de teatro de São Paulo, isso no início de 2024, mas como não foi publicado em sua revista, coloco à disposição nesse canal.

[1] Professor Adjunto do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Doutor em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista; mestre em Artes pela mesma instituição; graduado em História pela Unicsul; integrante do Teatro Ruante; articulador e um dos fundadores da Rede Brasileira de Teatro de Rua; autor do livro Teatro de Rua – Identidade, Território (Giostri, 2020) e co-organizador de Paky`Op: experiências, travessias, práxis cênica e docência em teatro (Edufro, 2022).

domingo, 17 de novembro de 2024

Coletivo Inflamável faz circulação de espetáculo movi trabalho no Grande Bom Jardim

Provocados por uma matéria jornalística dos anos 1990, que falava sobre a desnutrição e a fome no nordeste, o Coletivo Inflamável, grupo de artistas do bairro Bom Jardim em Fortaleza, criou a peça Homem-Guabiru, termo atribuído às pessoas marginalizadas e expulsas dos manguezais pela gentrificação e que se proliferaram pelas cidades.

Foto divulgação

A comparação metafórica do homem com um rato vem de Josué de Castro, sanitarista e escritor pernambucano. E foi muito abraçada pelo movimento manguebeat.

O Coletivo foi criado por ex-estudantes de teatro e tem por finalidade fazer teatro de rua, para que possa levar os espetáculos para as regiões periféricas, onde não existem palcos tradicionais.

O espetáculo HOMEM-GUABIRU narra a rotina de indivíduos que subsistem à margem da sociedade. São homens e mulheres que, expulsos pela gentrificação, resistem teimosamente à precarização da vida e à concentração de riquezas. São miseravelmente invisibilizados, sem nome e sobrenome, se equilibrando no fino fio que divide a fé e a descrença. O que resta para as pessoas que nada lhes restam?


Foto divulgação

FICHA TÉCNICA:

DIREÇÃO E COORDENAÇÃO: Kelly Enne Saldanha

ELENCO: Aurianderson Amaro, Brena Canto, Luana Barbosa, Kárita Gardem e Kelly Enne Saldanha

CENOGRAFIA: Coletivo Inflamável

PRODUÇÃO: Ítalo Leite Saldanha

ASSISTÊNCIA DE PRODUÇÃO: Lindete Ferreira

DRAMATURGIA: Ítalo Leite Saldanha

PREPARAÇÃO CORPORAL: Aurianderson Amaro

CONCEPÇÃO DE FIGURINO: Kelly Enne Saldanha

CONFECÇÃO DE FIGURINO: Lindete Ferreira, Brena Canto e Aurianderson Amaro

DESIGN GRÁFICO: Silvelena Gomes



Fonte: Ítalo Leite Saldanha. Contato (13) 9 8226-4865 italosaldescrita@gmail.com

inflamavelcoletivo@gmail.com

domingo, 10 de novembro de 2024

A cultura de um tempo fluido

 

Adailtom Alves Teixeira[1]

Se como seres humanos somos o resultado cultural de onde fomos socializados (Laraia, 2005), em um mundo globalizado, integrado por um único modo de produção que regula nossas vidas, somos todos/as afetados e formados (postos na forma) por esse tempo e sistema do qual não temos como nos desvincularmos. Mesmo a crítica ou oposição, é feita a partir de um ponto de vista de dentro. Como alerta Terry Eagleton: “Cultura é uma dessas raras ideias que têm sido tão essenciais para a esquerda política quantos são vitais para a direita [...]” (2005, p. 11). Mas nosso ponto aqui será as mudanças profundas realizadas pelo capitalismo tardio.    

Tanto Zygmunt Bauman em Vidas Desperdiçadas (2005), como Richard Sennett em A Cultura do Novo Capitalismo (2006), apresentam uma crítica contundente à forma como a sociedade contemporânea foi moldada pelo capitalismo tardio. Ao abordar a fluidez e a volatilidade que caracterizam a modernidade atual, eles destacam como as mudanças no trabalho, no chamado “talento” e no consumo afetaram profundamente a vida humana. Essa transformação cultural, segundo ambos os autores, não trouxe a tão prometida e propagandeada liberdade, mas, ao contrário, aprisionou os indivíduos em novas formas de insegurança, precariedade e alienação.

Sennett descreve como a aceleração do tempo se tornou uma característica central da vida moderna. Na cultura capitalista contemporânea, o tempo não é apenas um recurso, mas um campo de batalha onde todos lutam para não ficarem para trás. A lógica de mercado demanda que os trabalhadores migrem constantemente de uma tarefa para outra, de um emprego para outro, de um lugar para outro. O "ideal do artesanato", que valorizava a dedicação e o aprofundamento em uma habilidade específica, foi relegado ao passado. Para Bauman, esse deslocamento contínuo reflete a liquidez da modernidade, pois nesse nosso tempo tudo é transitório e descartável, inclusive as pessoas.

O tempo, que antes oferecia um senso de continuidade e planejamento (como nas carreiras lineares do passado), tornou-se uma série de momentos fragmentados, em que a acumulação de experiência ou conhecimento a longo prazo é desvalorizada. O trabalhador deve ser flexível, capaz de se adaptar rapidamente a novas demandas. Nesse cenário, a estabilidade e a profundidade dão lugar à superficialidade e ao imediatismo.

A Crise do Artesanal

Para Sennett, o novo capitalismo destrói o ideal do trabalho artesanal. Fazer algo bem feito, simplesmente pelo prazer de fazê-lo, perdeu sentido em um contexto onde o que importa é a capacidade de executar múltiplas tarefas, muitas vezes desconectadas entre si. “A especialização profunda é substituída pela "portabilidade de habilidades”, valorizando-se profissionais que podem ser deslocados para diferentes funções sem muita preparação.

Bauman complementa essa análise ao mostrar que, em um mundo governado pela lógica do consumo, o valor do trabalho está atrelado à sua utilidade imediata e descartabilidade. Se no passado havia um vínculo entre a identidade do trabalhador e o seu ofício, hoje, essa relação é fragmentada. Os trabalhadores tornaram-se meras engrenagens, peças substituíveis, sempre à mercê das demandas do mercado.

Daí a chamada modernidade líquida de Bauman, enfatizar o conceito de "vidas desperdiçadas" ou refugos humanos. A aceleração do tempo e a superficialidade no trabalho levam a um aumento no número de indivíduos considerados descartáveis, ou como chamou Fernando Henrique Cardoso, "inimpregáveis" – pessoas que, devido à sua idade, falta de qualificação ou até mesmo obsolescência tecnológica, são descartadas pelo sistema. Sennett reforça essa ideia ao observar que a lógica do capital privilegia o jovem, flexível e barato, enquanto os mais velhos, com suas habilidades que se tornam obsoletas rapidamente, são deixados de lado.

O medo de se tornar supérfluo, redundante, isto é, refugo humano, assombra os trabalhadores, que precisam constantemente requalificar-se para se manterem relevantes. A incerteza e o medo se tornam os novos motores de uma economia que demanda eficiência e lucratividade instantâneas. Desse modo, a criação de espantalhos é outro aspecto desse problema, isto é, o outro, sobretudo o imigrante para as economias desenvolvidas, passa a ser o inimigo de plantão.

Uma política para ser consumida

Sennett também explora como o consumo permeia não apenas o mercado, mas todas as esferas da vida, incluindo a política. Os cidadãos são tratados como consumidores, cuja insatisfação é capitalizada para gerar lucros e manipular o mercado político. Bauman identifica esse fenômeno como uma alienação extrema, onde até mesmo os desejos e as aspirações das pessoas são moldados por uma lógica consumista. A política torna-se um produto, com plataformas que mais se assemelham a estratégias de marketing do que a ideais de transformação social. Conforme salienta Sennett, cinco aspectos afastam o consumidor-espectador-cidadão da política progressista: ele é

[...] (1) convidado a aprovar plataformas políticas que mais parecem plataformas de produtos e (2) diferenças laminadas a ouro; (3) convidado a esquecer a “retorcida madeira humana” (como se referia a nós Immanuel Kant) e (4) dar crédito a políticas de mais fácil utilização; (5) aceitar constantemente novos produtos políticos em oferta (2006, p. 148).

 

Nesse contexto, o engajamento político autêntico é corroído, pois os cidadãos-consumidores tornam-se passivos, movidos mais pelo desejo de satisfação imediata do que pela reflexão crítica. A democracia, assim, é simplificada e diluída, transformando-se em um espetáculo onde a participação se resume a um "comprar" simbólico de ideias políticas, muitas vezes já mastigadas e pré-formatadas para fácil digestão.

Uma falsa liberdade para consumo

Os defensores do novo capitalismo argumentam que ele oferece maior liberdade, mas tanto Bauman quanto Sennett discordam. A liberdade prometida é ilusória: em vez de promover uma autonomia real, ela aprisiona os indivíduos em um ciclo constante de consumo e atualização. A liberdade de escolha, evidentemente, é superficial, pois, na prática, as opções são limitadas às mercadorias e às experiências oferecidas pelo mercado, seja ele de um novo governo, seja de um novo mundo.

A "paixão consumptiva", como Sennett descreve, reflete a necessidade constante de buscar algo novo, mesmo que esse algo não satisfaça plenamente. No entanto, essa busca constante é, paradoxalmente, uma fonte de alienação e solidão. A frustração gerada pela insaciabilidade do consumo é frequentemente canalizada para o campo político, criando um ambiente onde o populismo e as respostas simplistas ganham força.

Considerações finais

A reflexão sobre a cultura no capitalismo contemporâneo, a partir de Bauman e Sennett, revela um cenário sombrio: um mundo onde o tempo é acelerado, o talento é descartável, e o consumo se tornou o único paradigma válido. A promessa de liberdade e progresso se desfaz diante de uma realidade em que os indivíduos são constantemente substituídos, descartados e manipulados. Assim, o capitalismo tardio não trouxe a liberdade que prometia, mas sim uma sociedade mais fragmentada, onde as vidas são desperdiçadas em nome de um progresso que serve apenas a uma elite cada vez mais rica. Kohei Saito em O capital no antropoceno afirma que “[...] que os 26 capitalistas mais ricos do mundo controlam tanta riqueza quanto os 3,8 bilhões mais pobres (aproximadamente metade da população mundial)” (2024, p. 143).

Medo, por rumarmos ao desconhecido e por estarmos pressionados pelo iminente descarte, nos sobra a ânsia de mergulhar cada vez mais fundo no mundo das mercadorias, seja ela reais ou simbólicas:

Em suma, as mercadorias encarnam a derradeira falta de razão e a capacidade que as escolhas têm de serem revogáveis, assim como a extrema descartabilidade dos objetos escolhidos. Mais importante ainda, parecem colocar-nos no controle. Somos nós, os consumidores, que traçamos a linha divisória entre o útil e o refugo. Tendo por parceiras as mercadorias, podemos deixar de nos preocuparmos em terminar na lata de lixo (Bauman, 2005, p. 161).

 

Ao final, se temos todos/as nos tornado meros consumidores/as, resta-nos a pergunta: é possível resgatar um sentido de pertencimento e propósito em um mundo que valoriza mais o efêmero do que o duradouro? Teremos capacidade de realizarmos as mudanças necessárias? Fato é que é mais que necessário repensar radicalmente as estruturas que regem nossas vidas, antes que nos tornemos, todos, meros consumidores em um espetáculo sem fim.

 

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Trad.: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Trad.: Sandra Castello Branco. São Paulo: EdUnesp, 2005.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 18ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

SAITO, Kohei. O capital no antropoceno. Trad.: Caroline M. Gomes. São Paulo: Boitempo, 2024.

SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Trad.: Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2006.



[1] Professor adjunto da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Doutor e Mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp); graduado em História; autor dos livros Circo Teatro Palombar: somos periferia; potência criativa (Fala, 2024), Teatro de rua: identidade, território (Giostri, 2020) e coorganizador de Paky`op: experiência, travessias, práxis cênica e docência em teatro (Edufro, 2022).

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Arte pública e direitos culturais

 

Adailtom Alves Teixeira

Arte é obra pública feita por particular, pressupõe a entrega do melhor de nós mesmos para consumo da coletividade. Só podemos fazer isso com nossos melhores sentimentos, mesmo que seja para falarmos dos piores sentimentos humanos e suas contradições.

Amir Haddad – Amir Haddad de todos os teatros

 

O texto que se segue decorre do roteiro de uma fala em um seminário dentro da programação do Festival Matias de Teatro de Rua, que ocorreu no dia 21 de setembro de 2024 no Cine Teatro Recreio, em Rio Branco/AC. O Festival é uma realização da Cia Visse & Versa de Ação Cênica com uma programação que se deu entre 18 e 24 de setembro de 2024, além de Rio Branco, se estendeu pelas cidades de Senador Guiomar, Bujari e Plácido de Castro. Apresentado o contexto passemos aos pontos apresentados em minha fala naquele encontro.

O primeiro ponto defendido é que foi Amir Haddad, ator, diretor e professor de teatro com mais de 60 anos de carreira, quem recuperou a ideia de arte pública para o teatro, especialmente na modalidade praticada na rua. Afinal, tal conceito era amplamente conhecido apenas no campo das artes visuais. Amir tem vasta experiências com vários teatros e são mais de quatro décadas dedicadas à prática do teatro de rua, com seu coletivo Tá na Rua. Tal “recuperação” da arte pública puxada por Haddad logo se difundiu por todo o Brasil por meio dos articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR) – criada em 2007 e único coletivo teatral ativo nacionalmente, embora esteja fragilizado no pós pandemia.

Em recente livro Haddad define o que considera arte pública:

Uma arte que se faz e se produz para todos, sem distinção de classe ou nenhuma outra forma de discriminação, podendo ocupar todo e qualquer espaço, e com plena função social de organizar o mundo, ainda que por instantes, fazendo renascer na população a esperança (Haddad, 2022, p. 146-7).

 

Mais do que a esperança, eu diria que é preciso cada vez mais fazer (re)nascer a revolta, na medida em que vivemos tempos difíceis, no qual o capitalismo já mostrou todos os seus limites, e arte de maneira geral, precisa disputar subjetividades, especialmente dos mais pobres. O teatro de rua, por ser uma arte que não distingue seu público, cumpre papel significativo. Amir não deixa dúvida acerca do nosso papel, pois como afirma mais a frente, “[...] arte pública é a arte que não está submetida ao mercado, que é consumida por todos igualmente, em qualquer lugar; não precisa lugar certo, não precisa de uma plateia certa, e não depende da bilheteria” (Haddad, 2022, p. 159). Logo, é vista como direito e se é direito, deve ser atendida por políticas públicas.

Porém, é importante que se diga que, embora muito difundido entre os fazedores de teatro de rua e alguns espaços importantes de cultura, a batalha pelo conceito de arte pública não está ganha, ainda está em disputa, basta vermos a definição do verbete dado pela Enciclopédia Itaú Cultural, no qual se destaca uma concepção mais voltada às artes visuais:

Em sentido literal, seriam as obras que pertencem aos museus e acervos, ou os monumentos nas ruas e praças, que são de acesso livre. Nessa direção, é possível acompanhar a vocação pública da arte desde a Antigüidade, lembrando de obras integradas à cena cotidiana - por exemplo, O Pensador, de Auguste Rodin (1840-1917), instalado em frente do Panteão em Paris, 1906 - e de outras mais diretamente envolvidas com o debate político. O projeto de Vladimir Tatlin (1885-1953) para um monumento à Terceira Internacional (1920) e o Memorial de Constantin Brancusi (1876-1957), 1937-1938, dedicado aos civis romenos que enfrentaram o Exército alemão em 1916, são exemplos disso. O muralismo mexicano de Diego Rivera (1886-1957) e David Alfaro Siqueiros (1896-1974) pode ser considerado um dos precursores da arte pública em função de seu compromisso político e de seu apelo visual[1].

 

A disputa do conceito é importante, na medida em que no capitalismo tudo tende a virar mercadoria e ser apropriado por uma determinada classe, a burguesia, até mesmo as políticas públicas – na medida em que se trata de fundos públicos – tende a contemplar aquilo que é determinado pelo mercado. Desse modo, inserir o teatro de rua como arte pública significa também a disputa pelos recursos para os artistas. Nesse sentido, desde seu início a RBTR tem lutado por políticas públicas de cultura que de fato cheguem às bases da sociedade, ao mesmo tempo que em vários de seus documentos tem se colocado contra leis de renúncia fiscal, que são, quase sempre, apropriadas por pequenos grupos da sociedade. Desse modo, pode-se afirmar que Amir Haddad e os demais teatreiros de rua estão na disputa do conceito e dos fundos públicas para que sua arte sobreviva.

Um segundo ponto apresentado no seminário, em diálogo com o primeiro, foi o de teatro de rua e do direito à cidade, ressalvando as especificidades da região amazônica. Tal observação, isto é, ter um olhar diferenciado para essa parte do Brasil é importante por que o substantivo “rua” colocado ao lado da palavra teatro, portanto, adjetivado, pode levar a interpretações errôneas de que teatro de rua seja praticado apenas em centros urbanos. Porém, é importante frisar, o teatro de rua deve ser visto de modo amplo, como um teatro que chega a todos os lugares e, mais importante, sem perder os seus pressupostos poéticos e estéticos. Assim, embora tenham também grandes cidades na Amazônia, por aqui, as ruas são rios e só o teatro de rua pode chegar nos mais inusitados lugares. Talvez por isso mesmo, o teatro de rua carregue a condição de “marginal”, de uma arte à margem, mas é justamente por isso, na sua condição marginal, que reside a sua liberdade. Liberdade para dialogar com todos/as/es; liberdade para tratar de qualquer temática; liberdade criativa, na condição de obra em processo, nunca pronta e acabada. Nesse aspecto, os pressupostos fundantes dessa modalidade são acessibilidade (geográfica, temática, estética etc.) e porosidade (sempre incorporando as intervenções do público e dos espaços), daí nunca serem obras definitivas, “acabadas”. O teatro de rua, onde quer que ele chegue, onde quer que ele se coloque, ressignifica o lugar – que torna-se espaço de fruição – e transforma o transeunte em espectador. Por todos esses aspectos, e outros não abordados, o teatro de rua não consegue ser totalmente apropriado pelo capitalismo – ainda que não possa impedir que se apropriem de seus expedientes, mas como ouvi certa vez de um artista popular: “deixem que eles copiem, a gente cria mais” –, trata-se de uma arte artesanal em seu sentido mais profundo.

Mas apesar de, enquanto potência, poder chegar em todos os lugares, as cidades são um ponto importante para os praticantes de teatro de rua, não só porque a maioria da população brasileira resida nas cidades, mas porque o teatro que vai às ruas, está disputando também um modelo de cidade para cidadãos e cidadãs. O direito à cidade é o ponto zero dessa nossa disputa e na medida em que o teatro de rua desorganiza a ordem do capital, pode auxiliar na recuperação do tecido social desgastado, pode se tornar aquilo que Amir Haddad chama de “a utopia representada”. Ainda que não se chegue ao utópico propriamente, a busca é incessante, para lembrar um grande escritor uruguaio, nos faz caminhar.

Desse modo, ocupar as ruas com o teatro, no sentido que estamos dando, torna (ou cria-se) espaços de lazer e mobilização social, ainda que temporários. O neoliberalismo praticamente implodiu o sentimento de coletividade, o EU foi exacerbado a enésima potência, nesse sentido, o teatro de rua pode auxiliar na reconstituição/reconstrução dos afetos. Pois como nos ensinou Nego Bispo: “A arte é conversa das almas porque vai do indivíduo para o comunitarismo, pois ela é compartilhada” (Santos, 2023, p. 23).

Por isso mesmo, um outro autor, Henri Lefebvre, insiste que a cidade é um diagnóstico de nosso tempo. Portanto, uma ideia chave para a transformação radical da sociedade: “[...] a cidade é um pedaço do conjunto social; revela porque as contêm e incorpora na matéria sensível, as instituições, as ideologias” (Lefebvre, 2008, p. 66). O autor está fazendo uma crítica ao ideário da modernidade, isto é, às concepções de ordem e progresso, que implica, evidentemente, a concepção de desenvolvimento a qualquer custo e do qual até mesmo a esquerda tem dificuldades de se livrar. E quanto às cidades amazônicas? Ora a crítica é ainda mais pertinente, pois a “integração” dessa parte do Brasil ao restante do país deu-se por meio de projetos coordenados sobretudo por duas ditaduras, Vargas e a civil-militar – embebidos de positivismo e seu lema de ordem e progresso até a medula. E aonde tem nos levado tal ideal de progresso e desenvolvimento encampados por tais projetos? A uma destruição permanente das florestas, a implantação de uma monocultura e a continuidade do genocídio dos povos originários.

Aqui faz-se necessário uma pequena reflexão, pois pode parecer que estou apresentando o teatro de rua como elemento salvacionista e não é disso que se trata. O teatro – ou qualquer arte – não muda realidades, mas pode mudar pessoas e elas, se engajadas e organizadas, poderão mudar a realidade à sua volta. O teatro de rua, por não está calcando na troca mercantil, realiza a troca de experiência no sentido benjaminiano. Walter Benjamin (20120 trata de dois tipos de trocas, erfahrung (experiência) X erlebnis (vivência). No primeiro somos atravessados, afetados e isso pode nos modificar; já o segundo o que temos é uma mera vivência, sem profundidade. Ora, o nosso tempo vive o império da vivência, do particular, da ligeireza, do não aprofundamento. Ao mesmo tempo uma radicalização de todo o ideário da modernidade, mas para onde caminhamos? Nas palavras de Zygmunt Bauman (2005, p.13), a globalização se tornou uma “linha de produção de refugo humano ou de pessoas refugadas”. A história da modernidade nos trouxe até aqui. É tarefa dos artistas e das artes por eles praticadas, incluso o teatro de rua, uma disputa na mudança de rumos, isto é, um rompimento com o projeto da modernidade. Afinal, estamos no quadrante histórico no qual a espécie humana terá o grande desafio de qual mundo construirá para as futuras gerações ou se haverá um “mundo” para a nossa espécie. Disputar as subjetividades e ocupar as ruas, os rios, as comunidades em geral com uma arte que seja de diversão e mobilização, no sentido de uma mudança radical.

 

Referências

ARTE Pública. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo356/arte-publica. Acesso em: 30 de outubro de 2024. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. (Obras Escolhidas v. 1)

HADDAD, Amir. Amir Haddad de todos os teatros. Rio de Janeiro: Cobogó, 2022.

SANTOS, Antônio Bispo dos. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu, 2023.


[1] ARTE Pública. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo356/arte-publica. Acesso em: 30 de outubro de 2024. Verbete da Enciclopédia.

 

quinta-feira, 6 de junho de 2024

XV Festival Amazônia Encena na Rua

                                                                                                                           Adailtom Alves Teixeira




O XV Festival Amazônia Encena na Rua, um dos maiores festivais de teatro de rua do Brasil, ocorrerá nos dias 07, 08 e 09 de junho de 2024. No entanto, apesar de sua importância, enfrentou novamente desafios significativos para assegurar os recursos necessários para sua realização. Este festival é um significativo evento cultural que celebra a arte pública de rua e reúne diversos grupos teatrais, oferecendo ao público uma experiência única e envolvente.



Este ano, o festival será realizado na Arena do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), retomando o local de edições anteriores, espaço que simboliza a rica história e o marco zero de Rondônia. O local, patrimônio histórico, é um símbolo também da região amazônica.



O XV Festival Amazônia Encena na Rua é uma celebração da resistência e da criatividade artística, mesmo enfrentando desafios financeiros para continuar trazendo cultura e entretenimento de qualidade para o público, mantém-se como um dos mais longevos do país nessa modalidade. Por isso, já que o poder público ainda não se deu conta de tal importância, a participação da comunidade e o apoio ao festival são fundamentais para a continuidade deste evento que já se consolidou como um dos mais importantes do calendário cultural brasileiro.


A programação totalmente gratuita reúne espetáculos teatrais e de dança bem diversificados e para todos os públicos e idades. Confira abaixo.



Programação:

Data: 07/06/2024 - a partir das 19h

Espetáculo: Leno Queria Nascer Flor

Grupo: Núcleo Ás de Paus (PR)



Espetáculo: Índigenas da Amazônia

Grupo: Cia Yaporanga (RO)



Data: 08/06/2024 - a partir das 18h

Espetáculo: Cabaré Ruante

Grupo: Teatro Ruante (RO)


Espetáculo: Encontro de Gigantes

Grupo: Núcleo Ás de Paus (PR)



Data: 09/06/2024 - a partir das 18h

Espetáculo: Que Palhaçada é Essa?

Grupo: O Imaginário (RO)



Espetáculo: Fagulha

Grupo: Núcleo Ás de Paus (PR)


terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Fórum de Cultura da Cidade de São Caetano do Sul pede cancelamento de edital

 São Caetano do Sul, 30 de janeiro de 2024.


 

Carta ao Excelentíssimo Secretário de Cultura e à Excelentíssima Secretária de Educação de São Caetano do Sul 



"A arte ajuda a criar um ensino ativo"

                                        Ana Mae Barbosa




O Fórum de Cultura da Cidade de São Caetano do Sul, agregador de trabalhadoras e trabalhadores da cultura, artistas e arte educadoras(es) da cidade, fundado em 22 de janeiro, de 2024, vem por meio desta, manifestar sua indignação perante o EDITAL Nº 30/2023-SECULT/SEEDUC - DE CHAMAMENTO PÚBLICO PARA CREDENCIAMENTO DE PROFISSIONAIS PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS JUNTO À SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO CAETANO DO SUL NO PROGRAMA SÃO CAETANO INTEGRAL. (Lei n.º 6.170 de 14 de dezembro de 2023).


O referido edital, apresentado pela Secretaria de Educação em parceria da Secretaria de Cultura, cria um programa que a exime de chamar os professores de arte aprovados no último concurso de 2023 e que já estão no aguardo de suas vagas. Ao contrário, ao se contratar temporariamente oficineiros para substituírem os professores de Arte, a Secretaria de Educação cria um posto de trabalho precarizado, sem nenhuma seguridade trabalhista, com um salário abaixo do piso salarial e  abrindo a possibilidade de contratação de um profissional com “até” 3 anos de experiência, sem a necessidade de formação em Licenciatura na área. 

Segue abaixo os detalhes pelos quais consideramos esse Programa um desrespeito ao profissional de Arte e/ ou estudantes, bem como uma ação de precarização do ensino público.

Segundo o edital, os profissionais receberão por uma carga horária de 25 horas semanais nas seguintes funções:

  • Coordenadores: dois salários-mínimos nacional vigente R$2.824,00 (dois mil, oitocentos e vinte e quatro reais) mensais.

  • Arte-educadores: um salário-mínimo nacional vigente R$1.412,00 (mil e quatrocentos e doze reais) mensais. 

Essa oferta salarial é pelo menos 3 vezes menor quando comparado com o professor de arte devidamente concursado na rede. Nesse contexto, esse profissional não participará das reuniões de HTPC (Horário de Trabalho Coletivo) e diminui a possibilidade de realizar trabalho pedagógico vinculado ao currículo da cidade, pois não haverá tempo remunerado de estudo e diálogo no espaço escolar. Além disso, não terão férias, nem 13° salário, nem mesmo gratificações.
No dia 22.01.2024, o Secretário de Cultura, Erike Busoni, publicou em suas redes sociais um discurso defendendo que o EDITAL Nº 30/2023, da SECULT e SEEDUC possui o intuito de contribuir com empregos para estudantes de cursos técnicos em  linguagens artísticas, como os da Instituição Fundação das Artes. Como se realizasse uma benfeitoria, no caso, o primeiro emprego de um(a) jovem artista, submete esta(e) trabalhadora em período de formação à hora aula no valor de 7 reais. A afirmação do Secretário gerou na categoria da cidade três reflexões: 1) Um curso técnico de teatro, artes visuais, música ou dança possui disciplinas direcionadas aos estudos de metodologias, didáticas, possíveis pedagogias e ou estudos voltados à relação professora(o) aluna(o), conhecimento cognitivo a partir da faixa etária e questões sócio-educativas - estudos esses que fariam tratar a educação de uma crianças com total responsabilidade? 2) Este curso, voltado à profissionalização técnica de atrizes/atores e/ou musicistas, prepara um jovem artista para a Arte Educação e capacita-o para atender sozinho por volta de 25 a 30 crianças em uma sala de aula? Seria o curso técnico um ensino direcionado à carreira profissional de atriz/ator, artista visual, dançarina/o ou de arte-educador? Pelo fato de não solicitar licenciatura para trabalhar com crianças em processo de aprendizagem, o referido edital descaracteriza a profissionalização de professora(e)s de artes e também de arte educadoras(es) e pesquisadora(e)s da área Arte Educação. Estes últimos profissionais citados também costumam exercer funções em oficinas de cunho não formal, complementar à escola, como é o caso de programas modelos e/ou parecidos com o novo edital Credenciamento de Profissionais junto à Secretaria de Educação e Cultura de São Caetano do Sul, como o Programa Tempo de Escola, em São Bernardo do Campo (realizado entre os anos de 2015 e 2016) e PIÁ e PIAPI, em São Paulo, que seguem vigentes, cada vez mais qualificados e em busca de aperfeiçoamentos, em diálogo com os artistas-educadores e orientadores.

Em 2023 foi aberto o concurso público com pouquíssimas vagas para as Artes, o que parecia incoerente diante de tantas necessidades e das novas vagas que se abriram, uma vez que todas as escolas da cidade iriam se tornar escola de tempo integral no ano de 2024. No entanto, com o lançamento deste edital fica explícito o movimento que aponta para uma redução de verba destinada à educação injustificável, tendo em vista o repasse de recursos públicos oriundos do governo federal para a implantação das escolas em tempo integral nos municípios que firmaram esse convênio, como é o caso de São Caetano do Sul. Em síntese, é possível identificar que os recursos chegaram à prefeitura, mas a aplicação não foi realizada plenamente, tendo em vista o não chamamento das professoras e dos professores aprovados em concurso e o lançamento do referido edital que lança profissionais em um cenário de evidente precarização. Além disso, aponta para um entendimento do componente Arte como uma disciplina acessória, de valor menor, que pode ter profissionais mal remunerados, em condições trabalhistas precárias e sem nenhuma participação do tão falado “plano de carreira”.

Esta tentativa de economia de dinheiro às custas da precarização dos direitos trabalhistas da professora(or) de Arte nos leva a entender o programa com “ilegal”, pois fere os direitos trabalhistas, concebe as disciplinas de arte como acessórias e de menor importância e ainda admite um profissional para ministrar aulas na escola sem a necessidade de ter um curso de licenciatura como formação. 

Sabemos inclusive que este edital não é uma ação isolada na cidade no que diz respeito aos desmontes na área da arte educação realizados pela Secretaria de Educação. Infelizmente, desde o ano passado foi reduzida drasticamente a carga horária das linguagens artísticas na matriz curricular das escolas de tempo integral. Esse ano mais uma nova redução ocorreu. Essas ações já estavam apontando para o desfecho atual.

São muitos retrocessos para a Arte educação da cidade, que colaboram para uma queda na qualidade de ensino, pois quando oferecemos atividades com profissionais em condições precárias de contratação e de vínculo institucional, não temos educadoras(es) amparados e estruturados para realizar amplamente suas propostas pedagógicas.

Diante dos absurdos que  relatamos acima, pedimos pela revogação deste edital, e que sua problematização seja devidamente dialogada, em reunião a combinar, com a categoria artística, arte educadores, sociedade civil, mães, pais e comunidade escolar. Pedimos também a revogação das alterações na matriz curricular das escolas de tempo integral do ano passado e retrasado, para que a arte tenha seu lugar garantido no desenvolvimento de nossos estudantes.

Por fim, também requeremos que os programas e políticas públicas voltadas aos artistas da cidade sejam realizados de forma a de fato fomentar e valorizar a arte e a cultura no  município e que isso seja feito a partir de remunerações justas e relações de trabalho não precarizadas.




Sem mais,

 

Assinam esta carta:


 Fórum de Cultura da Cidade de São Caetano do Sul

Coletivo Tear - Coletivo de arte educadores do município de São Caetano do Sul

Rede Brasileira de Teatro de Rua e seus 140 grupos de teatro, sediados em todo território nacional.

                                                      OPAE - Organização Paulista de Arte Educação

Integrantes e Participantes da OPAE:

Ana Carmen Nogueira

Mirian Celeste Martins

Roberta Jorge Luz

Rosa Iavelberg

José Minerini Neto

Lucimar Bello Pereira Frange

Edson Elidio Adão

Luciana Andréa Nunes de Magalhães

Maria Edite Horta

Isac dos Santos Pereira

César Augusto dos Santos Carvalho - Guto Carvalho

Bruna Fernanda Gomes Carvalho

Ana Marcia Akaui Moreira

 Pio de Sousa Santana

Márcia Campos dos Santos

Lelê Ancona (Alessandra Ancona de Faria)

Rubens de Souza

Mirian Steinberg

Tarcila Lima da Costa

Fernanda Eiras Rubio

Eliane Aparecida Andreoli

Maria Christina de Souza Lima Rizzi

Rodrigo Andrian de Aguiar

Mirca Izabel Bonano

Elisângela de Freitas Mathias

Laura Helena Jamelli de Almeida

Maria Cristina Blanco

Eliana Angélica Peres D'Alessandro

Liciane Ketty da Silva Braz

Rita de Cássia Demarchi

Maria de Lourdes Sousa Fabro

Lilian do Amaral Nunes

Ariene Alves Dupin

Silvana Rodrigues Montemor Mollo

Renata Fantinati Corrêa

Eliana de Fátima Fernandes

Lilian Freitas Vilela

Débora Rosa da Silva

Kathya Maria Ayres de Godoy

Maria Filippa da Costa Jorge

Michelle dos Santos Lomba

 Rodrigo Gonçalves de Abreu

Drieli Caroline Gaona

Simone Leal dos Santos Abreu

Luís Gustavo Luz

Vanessa de Oliveira Silva

Sonia Leni Chamon 

Inaê Coutinho de Carvalho

Eliane Patrícia Grandini Serrano