Aqui na Bahia quando, em 2006, assumiu o governo os companheiros do PT, imaginávamos, na nossa inocente e incessante fé, que as coisas mudariam profundamente, afinal, instalava-se no governo estadual um partido que ao longo dos seus primeiros anos de militância e fora das hostes palacianas, pregava moralidade, justiça e ética, num ambiente onde a maioria da população vivia (e ainda vive) à margem do poder, servindo apenas como espécie de estrume para adubar as oligarquias e ampliar as desigualdades sociais, pois a corrupção, continua como hospedeira da imoralidade e dos mal costumes que grassa de norte a sul do Brasil.
Naquele ano de 2006, após décadas do chamado "carlismo", o primeiro ano do mandato de Wagner, quando tudo parecia que iria mudar, a cultura recebeu um banho de água fria, pois além da nomeação de Márcio Meirelles como Secretário de Cultura (acusado na década de 1980 – governo Waldir Pires, de desvio de recursos do TCA) , o alinhamento da política cultural com o governo federal trouxe para a cena a figura dos editais, um mecanismo de financiamento público da cultura que, segundo apregoa o governante do momento, é a melhor forma de distribuir os recursos públicos.
Está certo o poder público, afinal, relembrando o pai do existencialismo, o inferno está abarrotado de ações que, pensadas de boa-fé, tornaram-se purgatórios, porque na realidade esses novos mecanismos serviram apenas para privilegiar ainda mais àqueles que vivem mamando nas tetas públicas desde que "se amarrava cachorro com lingüiça", como diria a nossa saudosa atriz Jurema Penna.
Poderíamos citar vários produtores culturais e grupos de teatro que vivem às expensas do governo, inclusive, com o bônus de, até, ocupar cargos nas mais altas esferas do poder, para, a partir dali, engendrar mecanismos para aparelhar os seus teatros e grupos com o dinheiro público e assim manter uma falsa longevidade, utilizando-se como argumento que o sua existência deve-se a tal da auto-sustentabilidade.
Conheço muitos artistas e produtores culturais populares que nunca foram contemplados em nenhum edital, apesar de terem participado de toda e qualquer chamada pública, e, mesmo assim, continuam produzindo e mantendo acesa a chama da arte e da cultura, dentro das suas possibilidades e sacrifícios. Isto sim que é auto-sustentabilidade.
O mais absurdo, no entanto, quando questionadas às comissões desses concursos, sobre o porque do alijamento das propostas,notadamente do segmento popular, alegam que não atingiram o grau de excelência exigido pelo edital, conforme determinado no artigo tal, inciso tal...
Sem dúvida não podemos esquecer que a função do estado é fomentar a produção e fruição dos produtos culturais, exigindo apenas um retorno social, por isso quando num edital público da cultura se exige determinados requisitos de ordem meramente estética ele estará agindo como um produtor comercial que, por visar lucros e retornos financeiros, tem que exigir uma excelente qualidade técnica e estética para o seu produto comercial, afinal, do ponto de vista capitalista, ninguém irá pagar relativamente caro por produto de baixa qualidade, sem reclamar.
Não, o Estado não pode agir como produtor e, assim sendo, deve modificar imediatamente o sistema de seleção de projetos através dos editais de financiamento público da cultura, instalando uma plataforma como a de um concurso de loterias, que se utiliza do sistema de sorteios. Dessa maneira, após a fase de habilitação (análise da documentação jurídico-fiscal) seriam sorteadas as propostas a serem contempladas com o dinheiro público, porque através dos sorteios teríamos uma maneira mais democrática de distribuir os recursos públicos, o que não seria garantia de lisura nos resultados, afinal, a corrupção, esse cupim nefasto que corrói a ética, está incrustada na nossa cultura desde quando o Brasil foi achado pelos europeus.
Talvez esta nossa proposição seja utópica e cheia de "boas intenções ", mas o que se espera é que esse inferno de Sartre, no caso particular dos editais da SECULT(BA), seja transformado num paraíso platônico e os produtores da cultura possam ter um acesso mais democrático aos recursos públicos, porque já não é mais possível preencher (com boa-fé) tantos formulários, gastar-se tantos argumentos, para redundar em resultados frustrantes onde os contemplados são sempre os mesmos amigos dos palácios.
Marcos Cristiano
Caravana de Téspis - Teatro de Rua para a Cidadania
Um comentário:
Acho que este "mal" assola o Brasil todo. Sou de Curitiba e também esgoto muito da minha energia criativa lendo e tentando entender os editais, preenchendo formulários e planilhas, preparando anexos, tirando mil certidões, etc. para concorrer a verbas públicas...
Entendo que antes dos editais existirem a coisa era ainda pior, pois somente os "amigos do rei" eram agraciados com fatias do "bolo"...
Acho que esta é realmente uma questão e tanto e precisamos enfrentá-la em todas as esferas: federal, estadual e municipal.
Abraço!
Postar um comentário