Conversas de Ontem... e de Hoje
1. O valor dos projetos tem que diminuir para que mais grupos possam ser atendidos.
2. Tem que abrir espaço para novos, o que significa não aprovar grupos que já ganharam
muitas vezes.
3. O Fomento não é para a produção de espetáculo.
4. O Fomento é para projetos de pesquisa.
5. Um teatro político, que é ruim e não é teatro, tem roubado espaço do teatro de pesquisa.
6. A periferia é outra desculpa a roubar recursos do bom teatro.
7. Todo o dinheiro vai para o Fomento, que tira, assim, recursos dos pequenos produtores e
dos artistas independentes (que produzem seus próprios espetáculos).
8. Auto-sustentabilidade: o Fomento é para estruturar grupos; uma vez estruturados, eles
devem caminhar com suas próprias pernas; se não o fizerem, é porque são incompetentes. Ou: querem o quê!? Viver eternamente às custas do Estado!?
9. Com isso, ficamos a nos estapear e ainda acusamos a Prefeitura de estar destruindo o Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.
Escolhas Políticas X Discursos Ideológicos
Retomo, abaixo, premissas do Programa de Fomento que discutimos e aprovamos no passado e que vão, radicalmente, contra as colocações acima. Obviamente, elas podem ser mudadas se assim o decidirmos num processo amplo de discussão.
10. O teatro não pode ser reduzido a uma visão mercantilista, principalmente um teatro de pesquisa e de negação dos valores hegemônicos. Isto é: o mercado não dá conta do teatro que realmente interessa.
11. Em outras palavras: não existe auto-sustentabilidade. À exceção da Broadway 'londres-noviorque', a bilheteria não paga nem mesmo o teatro dito comercial, nem aqui nem em nenhum lugar do mundo, o que dirá um teatro de pesquisa e de negação dos valores hegemônicos.
12. Evidências: os grupos, os produtores, os artistas independentes e até mesmo a Broadway tupiniquim não fazem outra coisa a não ser brigar pelos cofres públicos; ninguém se propõe a viver do mercado. Na Europa, a parte considerada significativa do teatro foi estatizada. Exceções e exemplos pontuais ou descontínuos não mudam a regra.
13. Evidências históricas na terrinha. Falência do TBC (considerado marco da eficiência e do moderno teatro brasileiro) na virada dos anos 50 para os 60; repeteco mesmo sob o controle do Estado no início dos 60. Desaparecimento de seus filhos prediletos ainda nos anos 60: companhias de Sandro Polônio/Maria Della Costa, Sérgio Cardoso/Nydia Licia, Tonia Carrero/Adolfo Celi/Paulo Autran, Walmor Chagas/Cacilda Becker... Tentativas frustradas de produções por cotas de capital de artistas produtores no iníco dos anos 70. Surgimento e desaparecimento de produtores como Maurício Segall, Othon Bastos, Henrique Suster, Lenine Tavares... Revitalização do SNT na mesma década para criar um mercado teatral e gerar empregos através, por exemplo, de financiamentos a juros subsidiados pela Caixa Econômica Federal. Surgimento da Cooperativa Paulista de Teatro em 1979 como indicador de um mercado que "não funciona", isto é, não absorve a mão-de-obra disponível, o que leva artistas a se juntarem em grupos para assumir o controle de suas produções. Criação da renúncia fiscal nos 90 para incentivar o mercado, indicando que o financiamento aos produtores não havia dado conta do recado e que, agora, não se tratava mais de apoiar o produtor, mas de dar dinheiro público para que as grandes corporações (bancos, indústrias, etc.) aprendessem a investir no mercado teatral. A manutenção desse incentivo e sua defesa intransigente pelas grandes corporações até hoje (mais de 20 anos após sua criação) mostra que eles não aprenderam nem querem aprender a lição: por que colocar dinheirinho do próprio bolso se eles podem usar o dinheiro público no seu marketing privado? No meio do caminho, como exemplo simbólico, fechamento da CER – Cia. Estável de Repertório, do ator Antonio Fagundes, ex-presidente da Apetesp, talvez a última tentativa significativa (projeto sério e digno, como os outros citados, ressalte-se) de viver da própria bilheteria.
14. Negando o incentivo fiscal, a auto-sustentabilidade e a mercantilização como solução para a precariedade teatral, no final do milênio passado o Arte Contra a Barbárie gritava: teatro é direito e necessidade; teatro é obrigação do Estado. Ainda carregamos essa bandeira?
15. E desafiava: que os defensores intransigentes do mercado, isto é, da auto-sustentabilidade, deixem os cofres públicos e vivam do mercado.
16. Surge um novo paradigma: o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.
17. Mas atenção: ele nunca se propôs como programa único. Sempre defendemos e cobramos, como fundamental, a criação de outros programas.
18. No próprio nome, o Programa de Fomento já se define: é "para a Cidade", não "para o teatro", não para uma corporação de ofício ou para um segmento dela. Política pública de cultura, não política corporativa de distribuição de renda (o que também seria legítimo, registre-se).
19. Faz outras escolhas políticas. Uma delas: visa o desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da população ao mesmo.
20. Escolha política: os núcleos artísticos com trabalho continuado são os sujeitos históricos com maior possibilidade de desenvolver o teatro e permitir o melhor acesso da população ao mesmo. Atenção: núcleo artístico não é sinônimo de grupo. Assim, é legítimo que empresas como o Tapa, por exemplo, concorram ao Fomento desde que elas apresentem um núcleo artístico com trabalho continuado.
21. Escolha política decorrente: criar e manter projetos de trabalho continuado.
22. Escolha política, isto é, o que discutimos, o que decidimos: ao escrever que o Programa tem o objetivo de "criar e manter projetos de trabalho continuado de pesquisa" afirmamos que o projeto pode não ter um espetáculo, um evento, um produto final, o que valoriza o processo, a busca. Mas, atenção: ao contrário do que se afirma, o Programa não é para projetos de pesquisa, é para projetos de trabalho continuado. A pesquisa é um complemento ou uma possibilidade, e não é a única, que o projeto de trabalho continuado pode apresentar.
23. Ao contrário do que temos dito, também não é verdade que o Programa não se destina à mera produção de um espetáculo. A produção de um espetáculo é outra possibilidade que o projeto de trabalho continuado pode apresentar: "criar e manter projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral"; foi isso que decidimos e colocamos na lei. Assim, um projeto de trabalho continuado pode propor, num dado momento, apenas a produção de um espetáculo, e não pode ser descartado por isso, como muitas comissões estão fazendo, apoiadas, inclusive, em nossos discursos.
24. De qualquer forma, aprovar uma proposta de pesquisa ou rejeitar a produção de um espetáculo é se ater apenas ao Plano de Trabalho (exigido na lei) sem considerar o projeto de trabalho continuado, como exige a mesma lei. Esse desvio – fatal para o Programa – é responsabilidade apenas das Comissões ou foram os próprios grupos – centrados em Planos de Trabalho provisórios – que nunca compreenderam o principal fundamento do programa?
25. Também se sabia e se alertava que seria fatal:
25.a. se os grupos contemplados não conseguissem uma relevância que lhes desse o reconhecimento e o apoio dos moradores desta cidade (coisa que o teatro, todo o teatro, não tem);
25.b. se, com isso, o Fomento não se ampliasse para mais grupos e avançasse na demarcação das desigualdades existentes (por exemplo: como julgar, em pé de igualdade, um trabalho continuado de 20 anos e outro de apenas 1 ano?);
25.c. se o Fomento continuasse sozinho, isolado, e outros programas não fossem criados, obrigando o Estado a avançar na construção de uma política pública de cultura.
26. Então, a sobrevivência falaria mais alto, deixaríamos o Estado e a formulação de programas públicos de lado para brigar uns contra os outros na disputa pelo dinheiro curto.
27. Desde então, perdemos em todas essas frentes e os exemplos mais contundentes são: não tivemos espaço nem forças para ampliar e avançar com o Fomento; não criamos outros programas no Município nem no Estado; perdemos o Fundo Estadual de Arte e Cultura de São Paulo; perdemos o Prêmio Teatro Brasileiro na esfera federal.
E agora, o que fazer?
28. Não tenho condições para apresentar, nem cabe nesse curto documento, uma análise histórica, de conjuntura ou mesmo das derrotas ou da luta abandonada, por mais necessária que ela seja.
29. Então, nas escolhas/propostas abaixo, parto de uma conclusão: não temos outra saída.
Sei que isso não está demonstrado mas apenas sugerido nos itens anteriores.
Imediatismo: Para a Escolha da Próxima Comissão Julgadora
30. Antes de apontar e de votar nomes para a Comissão, definir o que esses nomes devem defender, além, é claro, dos critérios estabelecidos na lei. Só então, buscar os nomes mais adequados para essa defesa.
31. A seguir, apresento propostas nesse sentido, mas elas só fazem sentido se forem acompanhadas de duas outras, elencadas mais abaixo, sob o título Propostas Para Este Ano.
32. Que o julgamento não se restrinja ao Plano de Trabalho, mas dê prioridade a projetos de trabalho continuado: uma pesquisa, um espetáculo ou outras atividades não devem ser analisados em si mas na relação com o projeto de trabalho continuado que os contém.
33. Que os cortes orçamentários nos projetos selecionados não ultrapassem 10%, a não ser como exceção justificada e não como norma generalizada.
34. Que os orçamentos sejam analisados a partir das necessidades dos projetos: o critério de seleção a partir de projetos mais baratos deve ser rigorosamente negado.
35. Também não será critério para seleção ou desempate o fato de um núcleo já ter sido
selecionado ou não.
Propostas Para Este Ano
36. Discutir e apoiar o encaminhamento do projeto de lei municipal que cria o Prêmio José Renato para a produção de espetáculos (segundo documento veiculado neste final de semana). Desde já, sugiro que, além da produção, o programa contemple apresentações ou temporadas de espetáculos.
37. Formar uma Comissão de Redação com, no máximo, 5 componentes, para coletar dados, redigir um pré-projeto de mudanças no Programa de Fomento a ser discutido para
encaminhamento ainda neste ano.
Últimas Considerações
As propostas acima são escolhas políticas que podemos ou não fazer. Podemos, obviamente, fazer outras escolhas. Mas temos que tomar decisões concretas não só em relação à próxima Comissão do Fomento, mas em relação ao futuro próximo. Posições diferentes e até mesmo opostas não nos torna inimigos. Pelo contrário, temos que respeitar a decisão tomada pela maioria e ter unidade na ação.
luiz carlos moreira
autor e diretor teatral
sp/03/06/13
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