Adailtom Alves Teixeira[1]
Em Campo Grande-MS existe um coletivo teatral bastante jovem,
mas muito inventivo e produtivo no seu modo de disputar o fazer artístico e o
viver na cidade, chama-se Teatro Imaginário Maracangalha. O grupo surgiu em
2006, mas seu fundador, Fernando Cruz, faz teatro desde o final da década de
1970, anos de chumbo, não apenas para a arte teatral. Dentre os espetáculos
criados pelo grupo cabe destacar Tekoha –
ritual de vida e morte do deus pequeno, que narra a trajetória do líder
indígena Marçal de Souza, que foi brutalmente assassina em 1983. Seus
assassinos continuam impunes até hoje. Tekoha é uma palavra que significa o
espaço de pertencimento para o povo Guarani. O coletivo tem viajado por
diversos lugares apresentando esse importante espetáculo, que desvela a luta
indígena em uma dos estados brasileiros que mais matam índios.
Tekoha - 8ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas |
Além de espetáculos o Maracangalha realiza diversas ações no
intuito de disputar e entender o viver na cidade. Ainda no campo do teatro,
realizam a Temporada do Chapéu, que ocorre no mês de outubro e já teve quatro
edições, sendo que três delas sem nenhum apoio público. A programação é sempre
diversificada e são os próprios coletivos e/ou artistas que se oferecem para
levarem seus trabalhos, sejam espetáculos, intervenções ou performances. Junto
com as apresentações tem sido realizados também debates e seminários, no
intuito de discutir a arte pública e sua inserção na cidade. Para Fernando Cruz
“a Temporada do Chapéu é um acontecimento relevante para levar o teatro de rua
à sociedade e fortalecê-lo, porque a arte tem que ser pública, acessível a
todos independentemente de condição social”. Esse nos parece ser o norte de todas
as ações do coletivo.
A produção de conhecimento por meio de debates, seminários e
outras formas de discussões são constantes em todas as atividades do Imaginário
Maracangalha. Uma das ações que extrapolou o campo do teatro e que vem sempre
acompanhada de debates públicos chama-se Sarobá, uma espécie de festa-sarau que
reúne diversas linguagens artísticas, como teatro, poesia, música, artes
plásticas, cinema, artesanato, entre outras. O nome foi tirado de uma obra do
poeta Lobivar Matos, poeta que só recentemente vem sendo valorizado como
modernista e será tema do próximo trabalho teatral do grupo.
Fernando Cruz não sabe ao certo a origem do termo Sarobá, mas
explica: “após as cheias do Pantanal, ficam as diversas galhadas, árvores,
raízes, lama, bichos, a isso se chama sarobá”. Brinca o artista: “é um lugar
perigoso de se colocar a mão.” Cruz explica ainda que é também o nome da obra
do poeta supracitado, sendo que a temática de sua poesia são todos aqueles que
estão à margem da sociedade.
O objetivo do Sarobá, que ocorre de forma itinerante, é
recuperar a história dos bairros, revelar e valorizar partes da cidade que
passa por novo momento de resistência frente a especulação imobiliária. O
próximo Sarobá ocorrerá nos dias 26 e 27 de fevereiro, sendo que o primeiro dia
haverá o seminário Arena Aberta e o segundo dia a Festa Sarau.
Apesar da predominância da produção teatral em grupo em todo
o Brasil, estes têm vivido quase que na total indigência por causa da ausência
de políticas públicas específicas para o setor; estas são fundamentais, na
medida em que a maioria dos coletivos teatrais não veem suas criações como meras
mercadorias. Ainda assim, mesmo com imensas dificuldades, tem havido, principalmente
no teatro de rua, uma significativa produção, como demonstra a história do Teatro
Imaginário Maracangalha; produção que tem se colocado de maneira
contra-hegemônica, em disputa pelo imaginário dos trabalhadores, que fazem as
cidades, mas sem direitos sobre as mesmas.
Texto escrito para o jornal Brasil de Fato.
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