Pesquisar este blog

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Ocupando espaços públicos, discutindo a cidade


Adailtom Alves Teixeira[1]

Em Campo Grande-MS existe um coletivo teatral bastante jovem, mas muito inventivo e produtivo no seu modo de disputar o fazer artístico e o viver na cidade, chama-se Teatro Imaginário Maracangalha. O grupo surgiu em 2006, mas seu fundador, Fernando Cruz, faz teatro desde o final da década de 1970, anos de chumbo, não apenas para a arte teatral. Dentre os espetáculos criados pelo grupo cabe destacar Tekoha – ritual de vida e morte do deus pequeno, que narra a trajetória do líder indígena Marçal de Souza, que foi brutalmente assassina em 1983. Seus assassinos continuam impunes até hoje. Tekoha é uma palavra que significa o espaço de pertencimento para o povo Guarani. O coletivo tem viajado por diversos lugares apresentando esse importante espetáculo, que desvela a luta indígena em uma dos estados brasileiros que mais matam índios.
Tekoha - 8ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas

Além de espetáculos o Maracangalha realiza diversas ações no intuito de disputar e entender o viver na cidade. Ainda no campo do teatro, realizam a Temporada do Chapéu, que ocorre no mês de outubro e já teve quatro edições, sendo que três delas sem nenhum apoio público. A programação é sempre diversificada e são os próprios coletivos e/ou artistas que se oferecem para levarem seus trabalhos, sejam espetáculos, intervenções ou performances. Junto com as apresentações tem sido realizados também debates e seminários, no intuito de discutir a arte pública e sua inserção na cidade. Para Fernando Cruz “a Temporada do Chapéu é um acontecimento relevante para levar o teatro de rua à sociedade e fortalecê-lo, porque a arte tem que ser pública, acessível a todos independentemente de condição social”. Esse nos parece ser o norte de todas as ações do coletivo.

A produção de conhecimento por meio de debates, seminários e outras formas de discussões são constantes em todas as atividades do Imaginário Maracangalha. Uma das ações que extrapolou o campo do teatro e que vem sempre acompanhada de debates públicos chama-se Sarobá, uma espécie de festa-sarau que reúne diversas linguagens artísticas, como teatro, poesia, música, artes plásticas, cinema, artesanato, entre outras. O nome foi tirado de uma obra do poeta Lobivar Matos, poeta que só recentemente vem sendo valorizado como modernista e será tema do próximo trabalho teatral do grupo.

Fernando Cruz não sabe ao certo a origem do termo Sarobá, mas explica: “após as cheias do Pantanal, ficam as diversas galhadas, árvores, raízes, lama, bichos, a isso se chama sarobá”. Brinca o artista: “é um lugar perigoso de se colocar a mão.” Cruz explica ainda que é também o nome da obra do poeta supracitado, sendo que a temática de sua poesia são todos aqueles que estão à margem da sociedade.

O objetivo do Sarobá, que ocorre de forma itinerante, é recuperar a história dos bairros, revelar e valorizar partes da cidade que passa por novo momento de resistência frente a especulação imobiliária. O próximo Sarobá ocorrerá nos dias 26 e 27 de fevereiro, sendo que o primeiro dia haverá o seminário Arena Aberta e o segundo dia a Festa Sarau.

Apesar da predominância da produção teatral em grupo em todo o Brasil, estes têm vivido quase que na total indigência por causa da ausência de políticas públicas específicas para o setor; estas são fundamentais, na medida em que a maioria dos coletivos teatrais não veem suas criações como meras mercadorias. Ainda assim, mesmo com imensas dificuldades, tem havido, principalmente no teatro de rua, uma significativa produção, como demonstra a história do Teatro Imaginário Maracangalha; produção que tem se colocado de maneira contra-hegemônica, em disputa pelo imaginário dos trabalhadores, que fazem as cidades, mas sem direitos sobre as mesmas.

Texto escrito para o jornal Brasil de Fato.




[1] Graduado em História, Mestre em Artes; ator e diretor teatral.

Nenhum comentário: