No próximo dia 15 de setembro, o dramaturgo e diretor Chico de Assis
terá lançada grande parte de sua obra dramatúrgica em livros editados pela
Funarte, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, em São Paulo. Portanto é um bom
momento para se escrever um pouco sobre esse homem que participou e participa
ativamente da vida cultural e política desse país há 60 anos. Apesar de ter
trabalhado com destaque em diversas atividades (rádio, TV e cinema) acredito
que a melhor definição para Chico de Assis é que ele é um homem de teatro (um termo que há muito não ouço, mas que cabe
resgatar para falar dele). Sob a ribalta, exerceu as funções de ator, compositor,
diretor e dramaturgo com brilhantismo. É um dos mais destacados de um a geração
brilhante e continua a ser hoje um autor produtivo, além de um grande mestre de
dramaturgia.
Nascido Francisco de Assis Pereira, começou sua carreira como ator de
rádio em 1953 (aos 19 anos) e depois de dois anos foi para TV, com a intenção
de conhecer esse novo meio de comunicação, tornando-se cameraman. Logo passou a
trabalhar como ator e assistente de direção; na Tupi teve sua primeira peça
montada, uma adaptação de Machado de Assis: “Os Óculos de Pedro Antão”. Na
mesma Tupi, escreve seu primeiro texto original: “Na Beira da Várzea”.
Em 1958 entrou para o Teatro de Arena, atuando em A Mulher do Outro, de Sydney Howard, com direção de Augusto Boal, e
Eles Não Usam Black-Tie, de
Gianfrancesco Guarnieri, dirigido por José Renato, em 1958. Em 1959, atua em Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo
Vianna Filho e Gente como a Gente, de
Roberto Freire. Neste período é um dos fundadores do 1º Seminário de
Dramaturgia do Teatro de Arena, que leva à cena textos escritos pelos membros
da companhia, num expressivo movimento de nacionalizar o palco, difundir os
textos e politizar a discussão da realidade nacional. Surge no seminário uma
grande geração de autores que, nos anos seguintes, tiveram destaque em teatro e
na teledramaturgia.
Em 1960 Chico e Vianinha, que eram militantes marxistas, resolveram
aprofundar o debate com um texto que trouxesse o debate ideológico para a cena
de forma mais direta. Assim, durante a temporada das peças do Teatro de Arena no
Rio de Janeiro, eles montam A Mais-Valia
Vai Acabar, seu Edgar (texto de Vianinha e direção de Chico de Assis, com
música de Carlos Lyra). A peça, de forte
caráter didático, foi encenada no Teatro da Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio. Os debates ocorridos entre
os artistas e o público deu origem ao Centro Popular de Cultura (CPC), grupo de
militância política e cultural que teve grande importância nacional nos anos
que antecederam a ditadura.
Em 1961 surge “O Testamento do Cangaceiro”, de sua autoria, dirigida por
Boal, tendo Flávio Império como cenógrafo e figurinista. Em 1963 escreve A Aventura de Ripió Lacraia, que é
dirigida por José Renato para o Teatro Nacional de Comédia (TNC); e Farsa com Cangaceiro, Truco e Padre, que
é montado pelo Núcleo 2 do Arena, em 1967, fechando uma trilogia sobre a
literatura popular de cordel do Brasil. Nesta trilogia, Chico une a tradição
popular brasileira com o teatro épico de Brecht, um trabalho de grande
relevância que ainda precisa debatido com mais profundidade.
Volta a trabalhar como ator em Tom
Paine, de Paul Foster, dirigido por Ademar Guerra, em 1970. No mesmo ano,
sua peça O Auto do Burrinho de Belém
é interditada pela censura. Escreve Missa
Leiga, peça polêmica dirigida por Ademar Guerra, com produção de Ruth
Escobar, que é proibida de ser apresentada na Igreja da Consolação. Acaba por
apresentar-se numa fábrica abandonada, em 1972, fazendo enorme sucesso e
viajando para Portugal e África.
Durante os anos 1970, escreveu várias novelas para Globo e para Tupi,
fazendo parte do grupo de militantes de esquerda que para sobreviver à ditadura
foram trabalhar na TV (juntamente com Dias Gomes, Vianna Filho e outros). Para
os que cresceram nos anos 1970, é curioso saber que Chico de Assis era um dos
responsáveis pela edição brasileira de Vila Sésamo, primeiro na TV Cultura
depois na Globo. Em 1983, Antônio Fagundes, que havia participado da primeira
montagem de Farsa com Cangaceiro, Truco e
Padre, remonta o texto – mudando o título para Xandú Quaresma – com grande sucesso, ficando muitos meses em cartaz
com casa cheia.
É convidado, em 1989, pelo diretor e autor Fauzi Arap, para montar um
curso de dramaturgia no Teatro de Arena, no Projeto Tarô dos Ventos. Terminado
o projeto, Chico de Assis conserva o seminário, então denominado Projeto Semda
– Seminário de Dramaturgia do Arena. Desde então, com seu método formou
inúmeros novos dramaturgos.
Este histórico é parcial; Chico tem dezenas de peças de teatro, escritas
em diversos estilos e formas. Sua atuação é ampla.
Conheci Chico de Assis em 2000, quando ele assistiu uma montagem nossa (da
Cia. Ocamorana). A partir de então nos aproximamos dele e logo decidimos montar
uma peça de sua autoria. Ficamos muito felizes quando ele aceitou a direção. Montamos
uma peça sua escrita em 1966, que havia sido censurada pouco antes de sua estreia
e era, portanto, inédita até aquele momento: As Aventuras e Desventuras de Maria Malazartes durante a construção da
Grande Pirâmide. Por meio de uma fabula épica (a construção da pirâmide),
Chico descreve como o capital cria próteses para se desenvolver. A peça serve
ainda como uma alegoria sobre a construção de Brasília, permanecendo atual
ainda hoje, 48 anos após ter sido escrito. Fizemos duas temporadas da peça no
Teatro de Arena Eugênio Kusnet. Tive o prazer de fazer assistência de direção
para ele, além de ter participado por anos do Semda.
Chico escreveu para a companhia um texto infantil que ainda é inédito,
mas que está nos nosso planos: Quebra-vento
e Dorminhoco ou o Triunfo da Amizade.
Chico de Assis tem uma vida dedicada ao desenvolvimento da cultura
brasileira. Seu companheiro de oficio Brecht dizia que “os homens que lutam por
toda vida são imprescindíveis” – tenho certeza que ele admiraria o trabalho de
Chico de Assis.
Márcio Boaro - Diretor do Ocamorana
Publicado originalmente no Brasil de Fato
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