Adailtom Alves Teixeira[1]
A quarta edição do Festival Matias, apesar de todas as
turbulências no campo da cultura que ocorreram no país, afirmou sua importância
para a Região Norte e para o teatro de rua de todo o Brasil. Realizado pelo Cia
Visse-Versa, com apoio do poder público e do Sesc, o Festival teve representação
das cinco regiões brasileira. Ocorreu de 21 a 26 de agosto de 2018 em quatro
cidades: Rio Branco, Bujari, Plácido de Castro e Senador Guiomard. Foram onze
espetáculos, 25 apresentações, oficinas e rodas de conversas. Os números por si
só demonstram a grandiosidade, mas quero destacar dois pontos, focados mais no
momento político em que vivemos no Brasil: uma conversa com o homenageado
Humberto Lopes e o encontro de articuladores da Rede Brasileira de Teatro de
Rua (RBTR), visando analisar o momento histórico atual.
Humberto Lopes é o criador do grupo Quem Tem Boca é Pra
Gritar, de João Pessoa/PB. A história do homem de teatro e do coletivo se confundem,
já que o grupo tem 31 anos de existência e o diretor já atua a 35 anos na área.
Marcado por uma experiência anterior do Grupo de Teatro Experimental, que montou
o texto de Brecht, A Exceção e a Regra
e por assistir o grupo de teatro de rua, Imbuaça, de Sergipe, em um festival em
Campina Grande/PB, e também embalado pela politização que se vivia no Brasil dos
anos 1980, Humberto cria, a partir de uma oficina em uma escola, o grupo Quem
Tem Boca é Pra Gritar.
Humberto destaca que a função do teatro “é tocar o coração
das pessoas” e ir onde não há teatro. Embora o teatro “não muda nada”, pode
mudar as pessoas, para que elas mudem a realidade. Então, em sua concepção, o
teatro deve construir afetos. Quando se está imbuído desses pressupostos, se
faz o teatro, seja pago para isso ou não, tenha amparo do poder público ou não.
O grupo participou do Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo
(MBTG), uma tentativa de organização teatral nacional ainda nos anos 1990. A
história do MBTG é ainda pouco debatida e pouco conhecida entre nós. Para
Humberto, “são muitos grupos de teatro, mas pouco teatro de grupo”. Essa forma de organização para trabalhar e criar é
fundamental hoje no teatro brasileiro e para o Quem Tem Boca, no grupo, as
diferenças devem unir, não separar, afinal o teatro é a questão maior.
No processo de criação do grupo, Humberto destaca alguns
elementos, como o anti-herói, que ele reputa como fundamental no teatro
nordestino. Aqui lembramos do saudoso Ariano Suassuna, quando ele dizia que “a
arma do amarelo é a esperteza”. O que se coaduna com a ideia do anti-herói
apresentado por Humberto, já que personagens como Pedro Malasartes, Cancão de
Fogo, João Grilo, entre outros, fazem parte do imaginário popular nordestino e
em que a esperteza é o que prevalece na luta pela sobrevivência.
Outro elemento influenciador é o circo, a música – Humberto destaca
que cada ator deve tocar, ao menos, um instrumento cada – e, evidentemente, a própria
cultura popular, base para o treinamento dos atores. Brincadeiras como o coco,
o cavalo marinho, o maracatu, são utilizados no treinamento e na expressividade
do Quem Tem Boca é Pra Gritar. Uma oficina de cavalo marinho foi ministrada
pelos integrantes aos participantes do Festival.
Uma clara preocupação em toda a fala do Humberto Lopes foi o
momento político pelo qual estamos passando no país. No seu questionamento: “Como
vamos atacar o problema do Brasil hoje?”. Ou seja, como vamos resistir, como
vamos expressar em nosso teatro a realidade brasileira de hoje? Como vamos reorganizar
os afetos? Muitas questões para debatermos, refletirmos e, principalmente, para
agirmos. Todo artista deve pensar e buscar algumas respostas, afinal o
horizonte que está a nossa frente é bem difícil.
Outro momento importante dentro do Festival foi o encontro de
articuladores da RBTR, prática que andava um pouco esquecida e que o
idealizador do Festival, Lenine Alencar, ao abrir a conversa fez questão de lembrar,
que “todo festival ou evento que os articuladores participavam, sempre
encontravam formas e momento para conversar”. Na conversa participaram
articuladores dos estados do Acre, Rondônia, Amazonas, Paraíba, Pernambuco,
Distrito Federal, São Paulo e Paraná.
Lenine frisa que o momento histórico pede muita reflexão,
muita articulação e luta, afinal muitas pessoas tem parado de “fazer teatro pra
fazer outra coisa para sobreviver”. Em sua avalição, estivemos muito preso às
políticas públicas na última década, todas políticas de governo e não de
Estado. Mais uma vez o teatro de grupo é lembrado como uma possibilidade de
seguir fazendo. Não há muito saída fora dos coletivos, para continuar pensando,
criando, o grupo se coloca como alternativa.
Lenine frisa que o Festival Matias terá continuidade, mas é
fundamental, sobretudo na Região Norte, a retomada do Festival Amazônia Encena
na Rua, de Porto Velho/RO, como forma de um fortalecer o outro, além de não
deixar esse corredor morrer. Para quem não é do Norte, talvez não saiba, mas
essas são as duas capitais mais próximas na Região, Rio Branco e Porto Velho.
Na conversa foi lembrado que ainda somos o único movimento
nacional do seguimento teatral e foi destacado a importância do próximo encontro
em Salvador/BA, em março de 2019, como forma de retomar os encontros e fortalecer
a RBTR. Nós, como movimento não “esfriamos”, mas o Brasil entrou em um processo
político delicado e nos afetou. Outro ponto falado foi que paramos de disputar
o Estado e agora precisamos lutar para não desaparecermos. Talvez, para não pararmos
de nos encontrarmos, os encontros precisem serem anual, e não a cada semestre,
como vem sendo desde a fundação da Rede.
Todos os presentes demonstraram grande preocupação, bem como
plena consciência do momento político que se vive, não temos mais condição
ideal – se é que um dia tivemos. Parte da luta agora é para não perder, onde
ainda há, espaços conquistados e voltar a disputá-los, ocupá-los, como os
Conselhos de Cultura, Setoriais etc., pois a direita também está se organizando
para ocupar esses espaços, como foi relatado por um articulador, que o MBL do
Paraná está disputando esses espaços de representação política.
Além disso, pensar o país, o que se entende por política e
praticá-la, produzir nossa memória, como livros e outras formas de comunicar
quem somos à sociedade e nós mesmos, enfim, disputar os rumos que tomam o Brasil.
Na sequência passou-se aos relatos de como cada lugar está, a constatação não
poderia ser diferente: precariedade da condição artística, perseguições, polarização
e fragmentação social por todo o país.
[1]
Professor no Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia;
mestre em Artes pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); articulador da
Rede Brasileira de Teatro de Rua; integrante do Teatro Ruante.
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