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quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Teatro de grupo*

Adailtom Alves Teixeira**
A arte teatral é coletiva por defini­ção. Ninguém faz teatro sozinho, mesmo em monólogos existe sempre uma peque­na equipe auxiliando o ator. Em sua essên­cia o teatro pressupõe o coletivo, já que es­sa manifestação artística só ocorre quan­do um ator ocupa um espaço e se relacio­na com o espectador.
Para além dessa proposição inicial, exis­te um teatro praticado Brasil afora chama­do de teatro de grupo, isto é, pessoas que se juntam para expressarem seus desejos, angústias e críticas por meio da arte, le­vando diversão, lazer e reflexão. Sem dú­vida o que tem sido produzido de mais in­teressante nos últimos 60 anos, sem exa­gero, vem sendo realizado pelo teatro de grupo, e não só em nosso país. E é possí­vel afirmar que só cresce o número de co­letivos teatrais, o que vem popularizando o teatro, ainda que esta nunca tenha sido uma arte de massas no Brasil.
Néstor García Canclini em seu livro Arte popular y sociedade em América Latina, traduzido por aqui como A socialização da arte, afirma que o teatro, durante muitos séculos, foi uma arte popular e apresen­ta algumas experiências que, mais que levar arte ao povo, possibilita que se apropriem dos meios, das téc­nicas, para que eles próprios façam teatro. Eis aí uma tarefa ainda atual e muitos são os grupos preocu­pados em permitir não só o acesso ao teatro, mas que também se preocupam em fornecer os meios para que mais pessoas possam praticar essa arte. O jogo teatral faz parte do ser humano e pode ser praticado e assistido por todos e todas, por isso foi utilizado durante a Revolução Russa, em uma sociedade de maio­ria analfabeta.
Para Canclini, “os grupos mais avançados são os que descobriram que a formação teatral inclui, além da aprendizagem técnica, a análise das condições socioeconômicas e comunicacionais do meio em que se procura operar, suas necessidades básicas e os conflitos que impedem satisfazê-las”. Esses elementos per­mitem saber qual teatro necessário para cada realidade. Dialogar com o lugar, o particular, sabendo que este reflete e refrata o universal.
Teatro é antes de tudo comunicação, daí a importância dos procedimentos, vocabulários, dentre outros. Muitos são os grupos que se apropriam de um vocabulário e de técnicas populares, visando, justamente, se tornarem mais efetivos em sua relação com o público. Dessa forma se colocam em outra disputa, pois, ao se apropriarem dos “códigos populares”, passam, muita das vezes, a sofrerem preconceitos, já que es­sas técnicas não são reconhecidas pelos centros de produção de saberes. No entanto, muito são os exem­plos bem-sucedidos. O próprio Brecht se apropriou de técnicas populares, assim como os Centros Popu­lares de Cultura, o Teatro Popular União e Olho Vivo – grupo mais antigo do Brasil, com 47 anos de exis­tência, tem como pressuposto básico as matrizes populares, como a capoeira, o bumba meu boi e outros.
No Brasil, muitos são os coletivos com mais de 30 anos, como o Tá na Rua (RJ), Oi Nóis Aqui Travéiz (RS); dezenas os que têm mais de 20 anos, como o GPT (AC), Pombas Urbanas (SP); centenas com mais de 10 anos, como Nu Escuro (GO), Teatro de Caretas (CE) e outros tantos que nascem e morrem a cada dia por diversos problemas. Entretanto, em geral, um grupo não morre, ele se multiplica, pois teatro é junção e diáspora; quando um grupo se acaba geralmente dois ou três surgem.
De qualquer forma, é importante destacar que, apesar da produção hegemônica por parte do teatro de grupo, a exceção do Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, não existem políticas públicas de cultura destinadas a essa forma de organização e de produção artística, residindo aí uma das grandes dificuldades em se perpetuarem. Ainda assim, os coletivos existem e resistem fazendo arte teatral nos mais diversos rincões do Brasil, fazendo brotar flores no asfalto.



* Texto publicado originalmente em Brasil de Fato, aqui.

** Professor na Universidade Federal de Rondônia; mestre em Artes pela UNESP; articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua.

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