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terça-feira, 21 de junho de 2011

Conteúdo e forma

Conteúdo e Forma[1]
Adailtom Alves[2]
Conteúdo e forma em artes estão interligados, são inseparáveis e atuam dialeticamente um sobre o outro. Forma e conteúdo são palavras latinas, que pouco modificou seu significado ao longo da história, já que a primeira diz respeito ao modo sob a qual uma coisa existe ou se manifesta, apresentando um feitio, uma configuração, uma feição exterior; já a segunda, é aquilo que se contém nalguma coisa (CUNHA, 2010). Esses significados aparecem também no Dicionário Aurélio (1994: 304), mas desse cabe destacar o décimo significado referente a forma: "O modo de expressão que o artista plástico adota na criação de uma obra, utilizando os elementos específicos da pintura, da escultura, da gravura etc." Essa significação destacada não deixa de ser um ponto de vista idealista ou que em outros períodos chamaríamos de platônicos, escolásticos, formalistas, pois parece ser o primado da forma, pois se é a forma que dita as regras, o conteúdo não tem muito valor.
Para Patrice Pavis no Dicionário de Teatro (2003: 172-3), a forma teatral está em diversos níveis: no plano concreto, isto é, no lugar cênico e na expressão corporal; no nível abstrato, dramaturgia e fábula; e nas ações e nos elementos discursivos, como as palavras, sons, ritmos etc. Assim, a forma teatral para Pavis, é complexa, no entanto, ela só existe se há algo para ser enformado, posto na forma: "Uma forma teatral não existe em si; ela só faz sentido dentro de um projeto cênico global, isto é, quando se associa a um conteúdo transmitido ou a transmitir." Diante do exposto, fica claro que o conteúdo, se não determina, é responsável ao menos por parte da estruturação da forma, isto é, novos conteúdos necessitam de novas formas. E aqui é possível lembrarmos o rompimento do drama burguês e o surgimento do épico como já foi discutido por Peter Szondi e Anatol Rosenfeld, para citarmos apenas dois. Estaríamos vivenciando a necessidade de novas formas, ou os conteúdos ainda são os mesmos daqueles do fim do século XIX e do século passado? Ou mesmo não sendo os mesmos conteúdos daquela época, a forma épica, que surgiu naquele período, ainda daria conta de nossos conteúdos?
Ernst Fischer no livro A necessidade da arte (1973: 143) define a forma como algo que quer perdurar no tempo, enquanto o conteúdo quer sempre avançar:
O que chamamos forma é o relativo estado de equilíbrio de uma determinada organização, numa determinada disposição da matéria; é a expressão da tendência fundamental conservadora, da estabilização temporária de condições materiais. O conteúdo necessariamente se transforma: às vezes imperceptivelmente, às vezes em ação violenta. O conteúdo entra em conflito com a forma, fá-la explodir, e cria novas formas nas quais o conteúdo transformado encontra, por sua vez, nova e temporária expressão estável.
Para Fischer a forma é equilíbrio, enquanto o conteúdo é transformação, por isso a forma é conservadora, enquanto o conteúdo é revolucionário. Desse ponto de vista nos deparamos com o seguinte: se a história é o eterno devir, se tivermos uma arte que se pauta nesse devir, estará sempre se transformando, logo, necessitando de novas formas. Mas, do ponto de vista teatral, nos parece que a forma épica ainda cabe qualquer conteúdo. Em tempos de globalização, com o capitalismo em constante mutação faz-se necessário atentarmos sempre ao conteúdo do que produzimos. Quanto ao espaço cênico que ocupamos, a rua, é épica por definição, no entanto, ela é também forma/conteúdo e está contida na cidade que é também forma/conteúdo. Como aliar nossos conteúdos numa forma adequada, sendo que a mesma entrará em contato com outras formas/conteúdos que, por sua vez, modificará forma e até mesmo nosso conteúdo? Pois se vamos abertos para a rua, visando uma troca de experiência, o contato com o público nesse espaço pode até mesmo criar uma outra obra.
Nas últimas décadas temos vividos sob o primado da forma e o esvaziamento do conteúdo, ao mesmo tempo muitos foram os conceitos criados sob o signo do pós-modernismo: teatro pós-dramático (para Iná Camargo Costa uma usurpação do conceito do épico); processo colaboracionista em oposição ao teatro coletivo, ainda que seja difícil entender suas diferenças; work in progress etc. Estamos apenas criando novos conceitos ou nos encaminhando para novas formas? E as novas tecnologias, as ditas novas mídias? Estas vêm, aos poucos, apagando a ideia de artistas (no sentido da divisão social do trabalho, isto é, de um especialista) e público, já que com essas ferramentas todos podem criar e ao mesmo tempo compartilhar com todos em tempo real. A tecnologia, em sendo suporte, em que medida influencia no conteúdo e não apenas na forma de nosso fazer teatral? Por fim, cabe ressaltar que a própria materialidade das obras tem desaparecido, ocupam cada vez mais a rede mundial de computadores, por exemplo. Assim, tanto sua forma, quanto seu conteúdo, bem como sua fruição são virtuais. Desse ponto de vista, a relação direta entre o artista e o público, entre o fruidor e a obra estaria desaparecendo?
Muitas são as questões e poucas são as respostas. Mas, de certa forma, o que deve orientar o nosso conteúdo são sempre as questões que nos pauta: de onde falamos e com quem dialogamos? De que lado estamos na luta travada na sociedade capitalista?





[1]Texto provocação, criado para a abertura do Café Teatral ocorrido em 14/06/11.
[2]Ator e diretor teatral, mestrando em artes e integrante do Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua.

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