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domingo, 12 de junho de 2011

Um grito contra a barbárie ou a adaga apontada pro algoz de nós!


Em tempos de indicações teatrais, e momentos amargos e sombrios nas politicas para cultura brasileira, vou fazer uma através do texto que escrevi sobre um espetáculo que recomendo. Breve na sua cidade, mas por enquanto só em Porto Alegre.
    Na noite de 04 Junho de 2011, de um sábado extremamente frio no paralelo 30 deste país, fui no Clube de Cultura, na Ramiro Barcelos, 1853, rente ao bairro Bom Fim de Porto Alegre assistir o novo trabalho e primeiro de vivência do grupo/bando/povo/guerrilheiros, etc, da Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela... com "Margem Abandonada Medeamaterial Paisagem com Argonautas"  
    O Clube de Cultura já teve seus anos dourados, de resistência e efervescencia teatral, fora nos anos 70 e 80 referencia no RS e Brasil. Na entrada vê-se os antigos cartazes de teatro e cinema destas referidas décadas. Um saudosismo toma conta de quem chega e diante deste ambiente encontramos Paula e Gildo na bilheteria oferecendo uma cachaça com cauda de figo, com um sorriso acolhedor. São os amigos de longa luta pelas ruas com seu teatro que no ano passado teve sérios problemas com a ditadura policial da capital gaúcha que gerou uma mobilização nacional pela liberdade de expressão do artista de rua brasileiro "A Arte não vai Parar!" folheto que entregam junto com o folder do espetáculo da noite.
    Voltando a Medea Material. O espetáculo de vivência é somente para no máximo 40 pessoas, logo se vê que será em deslocamento por ambientes com atores e público juntos, próximos. No inicio o impacto da cena mostra a que vieram na ocupação de um espaço salão com palco ao fundo, onde a cada função é preciso tirar e colocar as cadeiras. O público sempre convidado a mudar de ambiente, cada local uma atmosfera tensa e nervosa. Corpos seminus, nus, e nunca gratuitos sem função, são situações críveis dentro da proposta do coletivo para um texto combativo do alemão Heiner Muller. A dramaturgia misturada/colada a outros textos e provavelmente palavras e falas vindas do grupo nos mostra a atualidade de Muller e o quanto foram felizes nesta opção.
    Medea representada por Daniele Rosa está um primor, atriz/mulher/negra de força sobrenatural incorpora uma Medea brasileira, ou seria uma Medea mundi?, representando tudo que um povo oprimido passa nestes séculos de humanidade deshumana.
    Antes de matar os dois filhos por vingança a Jasão, representante de toda opressão possível de nossa história, vemos Dani/Medea apontar a adaga contra o algoz de nós, um público hipnotizado e indignado, com repulsa e desejo de sangue. Sangue coagulando por todo corpo da atriz! Adaga mirando Jasão, interpretado por Sandro Marques num de seus melhores trabalhos como ator de entrega e decisão. É o grito contra a barbárie da natureza humana. Logo na sequencia em clima fortíssimo, entre um terreiro de santo e o quarto das crianças, tudo velado pela ama interpretada por Ana Eberhardt, surge a deusa Hécate, interpretada por Karitha Soares (a Kakau). Dilacerando em cantos e gargalhadas a deusa impulsiona Medea a realizar o desejo de vingança, a volta da barbárie. Numa de suas falas, ou próximo ao que disse, nota-se uma das sinteses do trabalho: a violência é muito antiga na natureza humana, mesmo antes da humanidade!
    Medea se vinga e com isso sofre/morre/se perde pra sempre na insanidade violenta dos atos humanos. Jasão condenado a navegar entre seus infernos divide um dos últimos ambientes com Sísifo. Robson Reinoso interpreta Sísifo com firmeza e competência, seja na repetição técnica dos movimentos ou na voz angustiante para compor o personagem do mito que nos deixa no desassossego. Não é tarefa fácil, como diz o autor: "Fazer rolar a pedra, sempre a mesma para cima do monte sempre o mesmo. O peso da pedra aumentando, a força de trabalho diminuindo com a subida" 
    Jasão jaz ali na banheira de sangue e placenta, no âmago de sua existência delira com banhos de cerveja. Medea lamenta junto a cordões umbilicais da humanidade deshumana.
    Se Corinto estava em chamas, Medea provoca/conclama as chamas nas cidades de hoje. Nosso contexto atual, de conflitos multiplos, reverbera na destreza incapaz de reagirmos com eficiência. Nos falta raiva, ira, força de reação. A necessidade latente de um levante esta aí, fermentando, pois motivos não faltam. O primitivo destes tempos medievais, a ditadura descarada que volta com força, matanças de grandes lideres na amazônia, o povo das ruas impedidos de se expressar, a falta de um diálogo real sem engodos e promessas miseráveis, nos impulsionam para o embate, para guerra que se avoluma!
    Parabéns ao Cambada..., mais conhecido como Grupo Levanta Favela, por este petardo (explosivo, portátil, para destruir obstáculos). Vocês nos alimentam na indignação em prol dos direitos humanos e da liberdade de expressão, que ninguém pode nos tirar.
 Evoé Cambada! Vida longa!
Márcio Silveira dos Santos

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