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domingo, 16 de agosto de 2009

O teatro de rua em São Paulo e sua organização política


Por Adailtom Alves Teixeira[1]

Este artigo tem por objetivo abordar a organização política dos fazedores de teatro de rua em São Paulo e da relação dos mesmos com outros movimentos espalhados pelo Brasil.
A década de 90 do século passado foi um momento importante para a afirmação do trabalho em grupo, sendo também um momento de muitas experimentações técnicas e estéticas. Nesse período diversos grupos romperam com a cena à italiana ganhando espaços alternativos, muitos ganharam o espaço aberto e fizeram da rua o seu espaço cênico. Rua aqui tem um sentido amplo: são espaços abertos como ruas, parques, praças, entre outros.

Se o trabalho em grupo afirmou-se como uma oposição ao mercado, o teatro de rua é a face mais crítica dessa oposição, pois ao colocar-se no espaço aberto, numa relação direta com espectador, rompe com o sistema hegemônico vigente. Este rompimento dar-se pela não cobrança de ingressos e pela re-significação do espaço ocupado, tornando-o um local de fruição. A rua deixa de ser um escoadouro de mercadorias e um local de passagem para ser um ambiente de trocas simbólicas entre os homens.

Pelas agruras e pelos problemas enfrentados por aqueles que fazem arte no Brasil, o país torna-se um solo fértil para a organização política, já que a ausência do Estado marginaliza estes trabalhadores, exigindo dos mesmos uma tomada de consciência para que, juntos, possam fazer frente ao descaso. Assim, em São Paulo, ao mesmo tempo em que os grupos de teatro de rua buscavam afirmar-se através de seus trabalhos, houve a necessidade dos mesmos organizarem-se politicamente em um coletivo maior.

Muitos dos jovens grupos de teatro de rua atuavam e atuam ainda hoje na periferia, fazendo com que, naquele momento, fossem desconhecidos fora de sua região de atuação, isso fez com que fossem rejeitados pelo poder público, afinal “não havia teatro de rua em São Paulo.”[2] Desmerecidos por seus trabalhos, os grupos se uniram buscando o mútuo fortalecimento. Primeiro criaram a Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha, união de sete grupos: Abacirco, Bonecos Urbanos, Buraco d`Oráculo, Circo Navegador, Farândola Troupe, Monocirco e Pavanelli. Cada grupo se propunha a ocupar um bairro da cidade e desenvolver seus projetos, para futuramente estabelecer um circuito de teatro de rua pela mesma. Na prática, era o que alguns já vinham fazendo, mas agora objetivavam dar visibilidade as suas ações. A Ação começou em 2002 e naquele mesmo ano agonizou, mesmo assim tiveram conquistas: mostraram ao poder público que havia uma nova geração de teatro de rua na cidade que merecia ser ouvida.

Todas as ações desses grupos eram amplamente divulgadas pela mídia. A estratégia de levar o debate para a esfera pública cumpria um duplo papel: divulgava seus trabalhos e escreviam um novo capitulo na história do teatro paulistano. Os sete grupos, através de seus trabalhos e da mídia, chamavam a atenção do poder público para a necessidade das políticas públicas de cultura que contemplassem esse seguimento, ao mesmo tempo em que lançavam um novo olhar sobre o espaço público aberto, mostrando que é possível pensá-lo como local de convívio, lazer e fruição do teatro.
No ano seguinte, 2003, um seminário sobre teatro de rua no Barracão Cultural Pavanelli, com a presença de doze grupos, impulsionou a criação do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP). No seminário surgiu a idéia da realização da Overdose de Teatro de Rua, uma grande mostra teatral em tom de manifestação política. Até 2008 já foram realizadas cinco Overdoses. Se no I Seminário de Teatro de Rua eram doze grupos, a I Overdose conseguiu reunir quinze grupos. Era nítida a vontade de troca e a necessidade de estarem juntos. Os artistas passaram a reunir-se continuamente e travaram contatos com outros movimentos mais antigos como o de Pernambuco (MTP-PE), da Bahia (MTR/BA) e o Escambo Livre, presente no Ceará e Rio Grande do Norte. Essa troca influenciou o surgimento da Rede de Teatro de Rua do Rio de Janeiro e do Movimento de Teatro de Rua de Minas Gerais.

Em 2008 foi dado o pontapé inicial para uma organização nacional, a Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR). Os encontros realizados em Salvador, Recife e São Paulo, fez com que surgissem novos movimentos estaduais no Espírito Santo, Santa Catarina, Paraná, Maranhão, além da retomada do movimento no Rio Grande do Sul e a discussão da criação de uma Rede Amazônica de Teatro de Rua. Os artistas da RBTR já realizaram cinco encontros nacionais, sendo que o quarto ocorreu em São Paulo e contou com a presença de quase cem artistas, vindos de dezenove estados. O quinto encontro ocorreu nos dias 20 e 21 de abril de 2009 em Arcozelo, Rio de Janeiro e está programado um sexto encontro em outubro desse ano na capital do Acre, Rio Branco.

A RBTR organiza-se de forma horizontal, não há hierarquia, todos os participantes são articuladores e tem como objetivo pensar o nacional e agir no local, daí a importância dos movimentos estaduais, bem como de cada participante. A Rede, através de seus articuladores, está presente em vinte e um estados, discutem permanentemente de forma virtual e reúnem-se presencialmente duas vezes por ano. São nos encontros presenciais que as principais decisões são tomadas e os documentos são escritos.

Mas, por que uma organização de teatro de rua? Afinal, tudo não é teatro? Muitas poderiam ser as respostas, o fato é que a prática tem demonstrado o caráter marginal do teatro de rua, revelando um pensamento e uma forma de produção diferenciada dos espaços fechados, ainda que todos padeçam da ausência de políticas públicas de cultura. E foi justamente a relação diferenciada de produção e o não reconhecimento, inclusive entre seus “pares”, além da negligência do poder público, que levou seus fazedores a se unirem politicamente, tendo como objetivo discutir as especificidades já apontadas e a cobrar do poder público o dever que lhe cabe: fomentar a arte e a cultura. É importante ressaltar que a luta pela diferença, foi e é, na verdade, uma luta por direitos, para igualar-se nas conquistas, para que o teatro de rua seja visto como as demais artes. Os fazedores não querem privilégios, querem igualdade de tratamento, principalmente por parte do Estado. O alerta é importante porque sabemos que
“no campo da direita, a diferença sempre emerge como afirmação do privilégio e portanto como defesa da desigualdade. No campo da esquerda, no campo da cidadania, a diferença emerge enquanto reivindicação precisamente na medida em que ela determina desigualdade. A afirmação da diferença está sempre ligada à reivindicação de que ela possa simplesmente existir como tal, o direito de que ela possa ser vivida sem que isso signifique, sem que tenha como conseqüência, o tratamento desigual, a discriminação. Não fora a desigualdade construída enquanto discriminação à diferença, ela não existiria como reivindicação de direito. Concebido nessa perspectiva, me parece que o direito à diferença, especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade” (DAGNINO, 1994, p. 114).

Foi pela busca da igualdade e de direitos que os fazedores de teatro de rua se uniram e tem se unido pelo Brasil, com o objetivo maior de construir políticas públicas de cultura com investimentos direto do Estado, para que, assim, esta arte chegue a todos os cidadãos de forma indistinta. Cabe ao Estado cumprir o seu papel, já que o teatro de rua não se enquadra – e nem quer – nos mecanismos mercadológicos, pelo contrário, é uma arte que se contrapõe a hegemonia, enquanto organiza o espaço cênico, desorganiza o espaço da rua que, de escoadouro de mercadorias e local de passagem, transforma-se em local de fruição, ao mesmo tempo em que a vida acontece. Assim, é uma arte que organiza enquanto desorganiza.

Bibliografia citada
DAGNINO, Evelina. “Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania.” In: ______. (Org.) Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Notas
[1] Historiador, ator, diretor teatral e um dos fundadores do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo.
[2] Esta foi mais ou menos o sentido da fala de Celso Frateschi, então diretor do Departamento de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura, aos fazedores de teatro de rua em reunião na Cooperativa Paulista de Teatro em 2001.

Este texto é parte de um artigo publicado originalmente na Revista Camarim nº 43, 1º semestre de 2009, p.50-53. Foi revisto para esta publicação em 16/08/09.

Um comentário:

JAdieL LimA disse...

Olá, sou Jadiel Lima. Andei dando uam olhada nesse blog e me interessou muito uma parte desse texto:
"[...]Os artistas passaram a reunir-se continuamente e travaram contatos com outros movimentos mais antigos como o de Pernambuco (MTP-PE), da Bahia (MTR/BA) e o Escambo Livre, presente no Ceará e Rio Grande do Norte."

É que de qualquer forma eu também faço parte do Escambo Livre de Rua. Atuo em Fortaleza (CE) junto a vários outros grupos.

Aproveito para divulgar também meu blog: http://porjadiellima.blogspot.com/

Já estou seguindo o seu blog...
Obrigado.