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domingo, 2 de agosto de 2009

São Paulo em três tempos - 1ª parte

Por Adailtom Alves Teixeira - Historiador

INTRODUÇÃO 

O que primeiro vem à cabeça quando se pensa em São Paulo? Trepidante, tentacular, vertiginosa, obstinada, perturbadora. Há nela um gigantismo, uma onipresente sensação de urgência, a inquietante consciência de se estar num labirinto urbano que se prolonga ao infinito. É ao mesmo tempo intrigante e sedutora.

Mas não foi sempre assim, na verdade, no início era um vilarejo insignificante, condição que permaneceu mesmo depois quando promovida à vila e depois cidade, cabeça de capitania. Estava distante do litoral e tinha a Serra do Mar como barreira, além disso, nada produzia que interessasse a Metrópole.

Este texto tem como objetivo contar parte da história da formação de São Paulo e de como permaneceu como província secundária durante todo o tempo que esteve na condição de colônia de Portugal, passando a se desenvolver apenas no período imperial, mais significativamente a partir da segunda metade do século XIX, já na República Velha.

Também se propõe a refletir como a ferrovia associada a grande produção do café e a mão-de-obra representada pelo imigrante, foram fundamentais para a configuração do que é a cidade hoje, ou melhor, a metrópole, além de apontar as conseqüências dessa configuração traduzidas em problemas.
Por fim, veremos como em pouco mais de cem anos expandiu-se vertiginosamente, passando a ser cidade mais importante do Brasil e a quinta maior cidade do mundo, uma cidade global.

DAS TRILHAS AOS TRILHOS 
O inicio 
A cidade de São Paulo teve um desenvolvimento lento, durante séculos foi apenas um pequeno aglomerado. Fundada pelos jesuítas no século XVI, não se esperava que tivesse o destino que teve: a maior metrópole da América Latina. O local escolhido foi uma acrópole, tornando-se estratégico para seus ocupantes em termos de defesa. Situada no planalto, o maior obstáculo era a Serra do Mar, segundo relatos deixados por Anchieta era "mui áspero e, segundo creio, o pior que há no mundo" (TOLEDO, 2003, p.17).

Este primeiro núcleo desenvolveu-se de forma espontânea. Eudes Campos – que ao longo de vinte e cinco anos estuda o núcleo central da cidade (centro histórico) –, afirma que as primeiras ruas surgiram a partir das trilhas indígenas já existentes. Futuramente essas trilhas deram origem não só as ruas e avenidas, mas também as grandes estradas. “Essas veredas poriam os irmãos da Companhia [de Jesus] em comunicação direta com o litoral vicentino, com as aldeias planaltinas dos índios aliados e com o distante Paraguai” (2006, p.13).

Pouco tempo depois, Santo André da Borda do Campo, mais velha que São Paulo de Piratininga, teve problemas e pede transferência do foral de vila para São Paulo, por ser mais seguro, isso foi em abril de 1560. Assim São Paulo tornou-se vila em 1560: a Vila de São Paulo de Piratininga.

O núcleo onde surgiu São Paulo, protegido por muros, era bem pequeno, um pouco maior do que seria hoje o Pátio do Colégio. Tinha duas portas, a mais importante em direção ao sertão, tinha uma guarita, pois, poderiam vir daí os ataques de índios inimigos.

Em 1575 foi construída a primeira Casa de Câmara, que funcionava também como cadeia pública e tinha um único cômodo, assim “quando havia alguém encarcerado nela eram os vereadores obrigados a se reunir alhures, em geral na casa do vereador mais velho” (CAMPOS, 2006, p. 23).

Quanto a população, em 1589, São Paulo de Piratininga contava com 150 moradores e as construções iam crescendo muito mais por conta dos religiosos, já que no final do século XVI, além dos jesuítas tinha mais duas ordens: frades carmelitas (1592) e monges beneditinos (1598), os franciscanos chegaram em 1639, onde hoje é a Praça do Patriarca. Foi nesse período que abriram a rua São Bento, formando o triângulo com a Rua Direita e 15 de Novembro. O triângulo do centro histórico. Márcio Pochmann, no seu livro A Metrópole do Trabalho, chama a atenção para o fato dos religiosos serem os integradores dessa população inicial. Tudo girava em torno das ordens religiosas. Lembrando que a população nesse período era majoritariamente composta de índios e portugueses (Cf. POCHMANN, 2001). O que fica claro nesse inicio de história, é que não houve planejamento urbano, tudo ocorreu espontaneamente, já que se deu a partir das trilhas indígenas.

São Paulo ficou como vila por quase dois séculos, tornando-se cidade por decreto imperial em 11 de julho de 1711. Naquela época “as povoações territoriais eram classificadas como arraial, vila e cidade, de acordo com sua prosperidade populacional” (SPOSATI, 2001, p. 22).

Mesmo assim, segundo o economista Marcio Pochmann, “até 1850, São Paulo mal conseguia caminhar com suas próprias pernas, pouco se diferenciando de cidades como Campinas e Itu” (2001, p. 11). São Paulo era apenas um entreposto comercial. Foi nessas terras que surgiu “o bandeirismo e o aventureirismo como características do homem paulistano” (2001, p.29). Já em 1560 surge o movimento das bandeiras, que no inicio buscava o ouro e visava pacificar os índios, depois “a pacificação converteu-se também na captura de indígenas e na imposição de trabalho forçado nos engenhos e lavouras do litoral” (2001, p. 33). Na segunda metade do século XVIII, decaiu o aprisionamento de indígenas, já que havia negros em grande quantidade.

Muito provavelmente por causa dessa violência provocada pelos bandeirantes, é que o termo paulista inicialmente era negativo, não era um designativo de morador de São Paulo, mas sim, “sinônimo de rudeza, brutalidade, ferocidade” (AMBIRES, s.d., p. 57).

É importante observar que desde o início as principais estradas da capitania afluíam para o centro, de maneira que as mercadorias para exportação, vindas do interior passava por São Paulo antes de se dirigir ao porto de Santos. Como este transporte era feito por animais e a viagem era muito demorada, havia necessidade de interrupções de viagem. Os pousos de tropa foram a função de vários aglomerados formados no "cinturão caipira". "(...) Comércio e aluguel de animais de carga ou de montaria, hospedagem de viajantes, compreendendo pernoite, alimentação e fornecimento de víveres, engajamento de população urbana como tropeiros, são as principais atividades correlatas à circulação, que constituem um dos meios de subsistência e, às vezes, a razão de ser de uma série de aglomerados" (LANGENBUCH, 1971, p.52).

Já os pousos que existiam no "cinturão das chácaras" propiciaram um deslocamento da função de hospedagem da cidade para essa vizinhança mais próxima.

Nota-se a cidade de São Paulo da época, ou seja, o triângulo histórico, circundado pelo "Cinturão das chácaras", que tinham a função de residência, de produção frutífera e também outros elementos ligados à cidade, como cemitério hospitais, pouso etc. Esta porção será mais afetada pela expansão urbana da capital.

E para além desse, o "cinturão caipira" que se caracterizava pela agricultura de subsistência e pela produção agrícola extrativa e artesanal, tinham, portanto, a função de abastecer São Paulo e é onde se dará a expansão suburbana no crescimento metropolitano.

O inicio de uma atitude de urbanização em São Paulo começou em 1742, com a Câmara determinando o calçamento de ruas, por causa dos estragos provocados pela passagem do gado. Só mais tarde, “no final do século XIX e no inicio do século XX se definem procedimentos legais a serem utilizados na vida pública, como os estabelecidos pelo Código de Posturas de 1886, pelo Código Sanitário de 1894 ou pelo Código Saboya de 1929, que dividiu a cidade em zonas. O uso de regras coletivas vai confirmando o caráter urbano de São Paulo” (SPOSATI, 2001, p. 24).


A cidade começa a crescer 
Na primeira metade do século XIX São Paulo já dava sinais de crescimento e, contrariamente ao que pensa Márcio Pochmann, a professora da UNESP Denise Soares de Moura, que estudou o comércio na primeira metade do século XIX, afirma que “a cidade era um núcleo urbano em efervescência socioeconômica” (s.d., p. 52). A cidade e seu centro comercial tinham fortes ligações com Santos. Na época, todo o comércio se dava na rua, a ponto de incomodar as autoridades, já que suas ruas eram estreitas, guardando ainda, seu aspecto colonial. E, justamente por isso os quitandeiros sofriam repressão. “A história da repressão ao comércio de comida nas ruas de São Paulo, denunciada explícita ou implicitamente por documentos mantidos pelo Arquivo do Estado, possibilita a reescrita da história da cidade. Antes do advento do café, o cenário urbano paulista já vivia um quadro tumultuário, em virtude do comércio, que os fiscais da Câmara e autoridades policiais teriam muito trabalho para controlar” (MOURA, s.d., p. 55).

Os fatos supracitados nos lembram a atualidade, através da repressão aos camelôs por parte da policia, a diferença é que muitos dos quitandeiros do século XIX eram negros, hoje são nordestinos.
O desdobramento do espaço urbano se deu em bairros e loteamentos isolados onde antes era o "cinturão das chácaras" e no antigo "cinturão caipira", várias atividades econômicas se formaram em benefício da capital.

Mas não há dúvida que foi na segunda metade do século XIX que São Paulo deu seu salto para o desenvolvimento urbano, isso graças ao crescimento da produção de café no Oeste Paulista. A diferença entre núcleo urbano e área rural torna-se claro nesse período. E, por conta do café, organizam-se as primeiras reformas urbanas, o centro se expande com as reformas realizadas onde hoje é o Vale do Anhangabaú. Lá estava situada a Chácara do Chá pertencente a Joaquim José dos Santos Silva, o Barão de Itapetininga. A chácara foi palco de disputa entre o proprietário e o poder público, com a vitória do último, temos a ampliação do centro da cidade, sendo essa região denominada de centro novo. “Inaugurava-se assim um novo projeto urbanístico na cidade de São Paulo. As ruas largas e retas contrastavam fortemente com as mais antigas, existentes no núcleo colonial (centro velho)” (CAMARGO, s.d., p. 17).

Até essa primeira reforma, São Paulo estava entre dois rios: o Tamanduateí e o Anhangabaú. Esses rios recebiam as sujeiras da cidade e mesmo os dejetos de um matadouro, havia, portanto, muita sujeira, um imenso fedor e era foco de epidemias, sendo a reforma uma necessidade. Ao mesmo tempo, vemos aqui uma característica do poder público paulistano, apenas tomam as medidas cabíveis, os problemas só se tornam público quando passam a incomodar a elite, os mesmos que detém o poder. Nesse caso como a epidemia poderia chegar a todos, foi necessário tomar providências. Como bem adverte Aldaíza Sposati “São Paulo sempre foi marcadamente uma cidade de cultura higienista, que por contraponto traz a discriminação e a apartação do que não é considerado ‘higiênico’ aos olhos de suas elites” (2001, p. 25).

Veremos essa política higienista ao longo da história. Pois se São Paulo começou a desenvolver-se economicamente a partir do café, essa prática vai tornando-se clara desde esse período. Com o café são criadas as linhas de trens que ligam o porto de Santos a Jundiá. O trem é importante para escoar a produção de café, mas também facilita o transporte, permitindo a vinda dos fazendeiros para a cidade de São Paulo. Ainda na segunda metade do século XIX, dois alemães, Glete e Nothman, criam os primeiros bairros nobres: Campos Elíseos (1879), Higienópolis (1890). Depois surgiu a Avenida Paulista (1891), que abrigaria os barões do café. Esses bairros nobres eram dotados de infra-estrutura com redes de água e esgoto, iluminação e piso macadamizado, diferentemente das áreas dos trabalhadores. Essa política de estruturar as áreas nobres e esquecer as regiões ocupadas pelos pobres e trabalhadores perdura até nossos dias.

Mas a apartação não está só nos bairros, mas também na mão-de-obra, já que com a libertação dos escravos, a elite paulista preferiu importar mão-de-obra branca da Europa, principalmente da Itália, em detrimento da mão-de-obra especializada dos negros. Assim, na virada do século, a cidade “já contava com uma população de 250 mil habitantes, dos quais mais de 150 mil eram estrangeiros” (ROLNIK, 2002, p. 16).

E os estrangeiros continuariam a chegar. Quando São Paulo começou a sua industrialização, nas áreas têxteis e alimentícias, também foram os estrangeiros que foram absorvidos como mão-de-obra. “(...) pelo menos até 1929, os postos de trabalho urbanos ocupados pertenciam ao trabalhador imigrante. Dessa forma, os empregadores urbanos e rurais privilegiaram a disciplina e a cultura do trabalhador assalariado do europeu, ao mesmo tempo em que induziam o branqueamento da população no país” (POCHMANN, 2001, p. 40).

O certo é que, depois do café, São Paulo não pararia mais de crescer economicamente e em termos urbanos, isto é, sua área ocupada se estenderia até o seu limite, tudo isso em pouco mais de cem anos. Em seguida vem o surto industrial que desencadeia um surto urbanístico, com a implantação de serviços de água encanada, transporte de bondes elétricos, iluminação pública e pavimentação das vias. Desta maneira São Paulo ia crescendo, sendo que entre os anos de 1875 e 1900 se observava um espetacular crescimento demográfico e um modesto crescimento dos municípios vizinhos. Após esse período há uma inversão, começa diminuir o ritmo de crescimento demográfico da Capital enquanto aumentam os outros. O quadro abaixo dá uma idéia do crescimento populacional de São Paulo.


Tabela 1: 
População de São Paulo – 1872/1996 
Anos   População
1872          31.385
1890          64.934
1900        239.820
1920        579.033
1940     1.326.261
1950     2.198.096
1960     3.666.701
1970     5.924.615
1980     8.493.226
1991     9.646.185
1996     9.839.436
Fonte: IBGE – Censos Demográficos / Sempla/Deinfo in: SPOSATI, 2001, p.27. 

Inicio do século XX – até os anos 20 
Se o café trouxe o desenvolvimento urbano para São Paulo, criando os primeiros bairros nobres. Foi também o café o responsável pela industrialização, fazendo surgir os bairros populares, onde residiam muitos imigrantes. Por sua vez, com o surto industrial São Paulo passa a receber outra leva de pessoas de fora, dessa vez não de outro país, mas sim do nordeste brasileiro e de Minas Gerais. Quando São Paulo parou de receber os imigrantes em massa, começou a receber as primeiras levas de migrantes, esse movimento interno começou a partir da década de 1920.

Os primeiros bairros populares seguiam o símbolo do desenvolvimento, isto é, a linha férrea. A ferrovia funcionou como instrumento de reorganização, primeiro porque provocou o colapso do antigo sistema de transporte (feito por animais), segundo porque não seguiu as mesmas vias de modo que os aglomerados que se beneficiavam desta atividade foram desvalorizados, enquanto que ao redor da linha férrea foi surgindo os chamados povoado-estação que cresciam em detrimento dos antigos aglomerados. Foi assim que cresceram os primeiros bairros populares como Lapa, Bom Retiro, Brás, Pari, Belém, Mooca e Ipiranga. Os trabalhadores residiam nas vilas, em sobrados de aluguel, pensões e cortiços. Havia também o pequeno comércio local com algumas oficinas, barbearias, entre outros. Se os bairros nobres se caracterizam por suas ruas largas e mansões, “nos bairros populares, a paisagem misturava as chaminés de fábrica à alta densidade das vilas e cortiços, e a infra-estrutura urbana se resumia praticamente ao bonde” (ROLNIK, 2002, p. 17). Essa é outra lógica que impera até os dias de hoje, já que os ricos ainda continuam ou tentam ficar separados dos pobres.

As reformas urbanas operadas nas duas primeiras décadas do século XX, fez do Anhangabaú o cartão de visitas da cidade, era um marco para a elite, “o espaço de maior representação simbólica dos valores daquela classe governante do início do período republicano, daqueles que haviam se enriquecido com o café e se instruído com os valores da cultura européia” (BESEN, s.d., p. 45). Ao mesmo tempo, uma forma de retirar do centro aqueles que consideravam marginais, isto é, todos “aqueles que não se adaptavam a nova ordem” (BESEN, s.d., p. 45).

Ainda naquele período, na virada do século e nas duas primeiras décadas, o transporte, a energia e telefones eram monopólio da Light, empresa anglo-canadense, que, para manter-se como única, corrompia a todos. Assim, em 1909, quando o prefeito Antônio Prado quis cancelar o monopólio, não assinando o parecer de renovação do contrato, então, a câmara dos vereadores derrubou o veto. Como os serviços já não conseguiam atender a todos, principalmente os populares, houve motim.

Nesse período o povo ficava de mãos amarradas, já que quem votava era apenas a elite: homens maiores de 21 anos, alfabetizados. Portanto não havia relação de exercício político com os populares; quem estava no poder não estava interessado em ouvir as demandas populares, estava a serviço de uma elite que detinha o poder econômico. Por isso surgem as primeiras medidas para que não se desvalorize o centro: a proibição de construção de cortiços no centro da cidade. Os pobres viam-se obrigados a se distanciarem cada vez mais. “Dessa maneira se demarcava uma área ‘regulada’ da cidade, onde a habitação popular não poderia acontecer, ao mesmo tempo que se configurava, fora do perímetro urbano, uma zona de obscuridade, sobre a qual o olhar do poder municipal não vigorava” (ROLNIK, 2002, p. 23).

Vemos aqui outra característica que também perdurou: se expulsa, através de leis, os pobres para longe dos ricos, mas não se resolve a situação dos mesmos. Assim, se vimos na virada do milênio, as reformas do parque da luz, expulsando os habitantes da cracolândia, sem resolver o problema dos mesmos, essa atitude era antiga, já que Washigton Luís, que governou de 1914 a 1919, fez o mesmo com a Várzea do Carmo, hoje parque Dom Pedro II. Os argumentos para a reforma eram claros: “O novo parque não pode ser adiado porque o que hoje ainda se vê, na adiantada capital do Estado, a separar brutalmente do centro comercial da cidade os seus populosos bairros industriais, é uma vasta superfície chagosa, mal cicatrizada em alguns pontos e ainda escalavrada, feia e suja, repugnante e perigosa, em quase toda a sua extensão (...). é aí que, protegida pela ausência de iluminação se reúne e dorme, à noite, a vasa da cidade, numa promiscuidade nojosa, composta de negros vagabundos, de negras emanciadas pela embriaguez habitual, de uma mestiçagem viciosa, de restos inomináveis e vencidos de todas as nacionalidades, em todas as idades, todos perigosos (...). Tudo isso pode desaparecer sendo substituído por um parque seguro, saudável e belo. Denunciado o mal e indicado o remédio, não há lugar para hesitações, porque a isso se opõem a beleza, a higiene, a moral, a segurança, enfim, a civilização e o espírito de iniciativa de São Paulo” (apud BESEN, s.d., p. 46).

A citação é longa, mas nos mostra todo o pensamento e o preconceito da elite paulistana, e mostra claramente a atitude que tinham (e têm) em relação aos pobres. Portanto, as atitudes de reformas são, em geral, visando expulsar os pobres da proximidade da elite ou visando valorizar o seu patrimônio, foi assim desde sempre.

O saneamento e a urbanização da Várzea do Carmo ocorreu na década de 1920, época do auge da expansão cafeeira e do primeiro surto industrial. Por causa da Primeira Guerra Mundial, os barões do café viram-se obrigados a investir na indústria. A cidade entra nos circuitos culturais internacionais, a riqueza está a vista e seu poder político aflora, afinal a política do café com leite elegeu muitos presidentes brasileiros.

Mas é na década de 1920 também que temos a primeira crise desse sistema, pois com o crescimento demográfico, há também a demanda por habitação. Surgem os sindicatos nos bairros populares. Também começa a surgir a primeira classe média paulistana, composta por comerciantes, funcionários públicos, entre outros, mas sem poder de voz na política. A The São Paulo Tramway Light and Power Co., não pode mais segurar o seu monopólio e em 1924 surgem os primeiros ônibus clandestinos e seu contrato deixará de ser renovado.

Mas a grita dos populares já vinha desde o fim da primeira década. Gigi Damiani, um anarquista italiano, já denunciava essa estranha urbanização que contemplava os ricos e marginalizava ainda mais os pobres. Seus artigos em La Battaglia são raivosos e denunciam que o bando que pede as reformas, são os mesmos que votam, os mesmos que pedem indenizações e pior, os mesmos proprietários que aumentaram os aluguéis em 200% (Cf. BESEN, s.d.).

Ainda naquela década, tivemos em São Paulo a revolta dos militares, desencadeando a chamada Revolução de 1924. Esta teve amplo apóio dos operários, principalmente estrangeiros ou filhos destes. Seus bairros foram bombardeados deixando mais de mil mortos e quatro mil feridos, a maioria civis. Carlo Romani afirma que foi uma das maiores matanças urbanas, dizendo que “a matança indiscriminada de civis pobres foi praticamente ignorada, quase esquecida em todo o país, principalmente pelos próprios historiadores paulistanos” (s.d., p. 20). Embora essa revolta tenha desestabilizado a Velha República, segundo o autor, a elite paulista só considera Revolução a de 1932, por ter sido protagonizada por eles. O fato é que o bombardeio causou grandes estragos na arquitetura dos bairros populares, piorando ainda mais a situação dos moradores.

Ainda nessa década houve o aumento de carros nas ruas, destinados a uma pequena parte da população, os ônibus também começaram a surgir a crescer em quantidade, havia uma grande demanda por novas habitações, a cidade precisava ganhar novos rumos. “Ao findar a segunda década do século 20, o quadro na cidade era de escassez, especulação, inflação. Sobreveio ainda a epidemia de gripe espanhola, que matou milhares de paulistanos, aumentando a aflição e o descontentamento na cidade. Nesse contexto, acirravam-se todos os tipos de tensão e conflito: social, étnico, cultural, político e econômico” (ROLNIK, 2002, p. 27).

É nesse período que foi planejada a cidade dos anéis, embora tenha sido levada a termo na década de 1940 por Prestes Maia, seu principal pensador.

Como já vimos, os bairros se formaram ao longo da ferrovia a partir das estações, paralelamente as instalações das indústrias provocando um acentuado desenvolvimento suburbano. O que antes era 'povoado-estação', nesta época passava a ser, na mais das vezes, 'subúrbios-estação'. Nos subúrbios industriais como é o caso de São Caetano, Utinga, Santo André, São Miguel e em menor escala Osasco, os operários eram atraídos devido a proximidade da fábrica e também pelos baixos custos dos terrenos. Algumas fábricas contribuíram para este processo com a construção de vilas operárias, por exemplo: " em São Miguel, onde a Nitro Química construiu entre outras a 'Vila Americana', que hoje constitui uma das porções mais centrais do populoso subúrbio" (LANGENBUCH, 1971, p. 147). Esta tendência provoca um aumento de contingente demográfico regional onde antes não existia. "Assim os subúrbios industriais passam paulatinamente a acumular a função, secundária ainda mas expressiva, de subúrbio-dormitório" (1971, p. 147), uma vez que estes subúrbios se transformavam em fornecedores de mão-de-obra também para as indústrias mais centrais.

"Nos subúrbios-estação (...) tende a se esboçar um zoneamento funcional muito simples: junto à estação concentram-se o comércio e a prestação de serviços, na maior parte dos casos apresentando um desenvolvimento modesto e limitado. Em torno estende-se a área residencial" (LANGENBUCH, 1971, p. 151).

Embora algumas regiões mais afastadas tenham se desenvolvido muito pouco até 1940, esta característica de desdobramento em forma de colar mostra que a "ferrovia estruturara as linhas mestras do desenvolvimento suburbano" (LANGENBUCH, 1971, p. 152), o que será importante no processo de metropolitanização.

Assim, fica claro que São Paulo desenvolveu-se bem pouco no período da colônia, ganhando força com o café já na segunda metade do século XIX, começando depois o investimento na industrialização, o que acarreta um grande crescimento demográfico, primeiro com a importação de mão-de-obra da Europa, tornando-se depois um pólo atrativo interno, isto é, começam a chegar pessoas de todo o Brasil para esta cidade.

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