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domingo, 2 de agosto de 2009

São Paulo em três tempos - 2ª parte

DOS TRILHOS AO MODELO RODOVIARISTA

A cidade pensada em anéis 
Na década de 1930, São Paulo atraía capital e pessoas de todo o país e já nesse período ultrapassou um milhão de habitantes. Na década anterior, 1924, um projeto havia sido criado para modificar de vez a cidade de São Paulo: trata-se do plano de avenidas criado por Francisco Prestes Maia. O projeto só seria realizado quando esse fosse prefeito na década de 40 e São Paulo entraria no modelo rodoviarista, deixava-se de investir nos trilhos para investir nas avenidas e no transporte sobre pneus. “Nove de Julho, 23 de Maio, Radial Leste: todas fazem parte do plano que acabou por definir, até os dias de hoje, a estrutura urbana básica da cidade” (ROLNIK, 2002, p. 33).

O plano ainda previa a canalização de córregos e avenidas ao lado dos rios, surgindo as marginais, avenidas como a do Estado e Aricanduva. A cidade agora podia crescer horizontalmente de forma ilimitada. Este crescimento desordenado deu-se até os anos 70, quando a cidade se espalhou vorazmente, “engolindo morros e várzeas e conurbando-se com municípios vizinhos, quase sempre por meio de loteamentos irregulares e casas autoconstruídas, sem aprovação da prefeitura” (ROLNIK, 2002, p. 35).

Até os anos 30 a indústria tentara suprir a questão da habitação por meio das vilas operárias, mas o crescimento demográfico e da própria indústria, fez com que não dessem conta, passando a questão ao Estado. Por sua vez, o Estado “liberou” a expansão horizontal ao não tomar medidas cabíveis, teve, assim, um acréscimo das moradias populares, construídas nos momentos de folga em áreas não legalizadas. Vemos, portanto, a dupla exploração do trabalhador como bem adverte Lúcio Kowarick, em seu livro A Espoliação Urbana. “Assim, a autoconstrução, enquanto uma alquimia que serve para reproduzir a força de trabalho a baixos custos para o capital, constitui-se num elemento que acirra ainda mais a dilapidação daqueles que só têm energia física para oferecer a um sistema econômico que de per si já apresenta características marcadamente selvagens. Por outro lado, esse longo processo redunda, no mais das vezes, numa moradia que, além de ser desprovida de infra-estrutura básica e de se situar em áreas distantes dos locais de emprego, apresenta padrões bastante baixos de habitabilidades” (1993, p. 65). Mas se em um primeiro momento as autoridades fecharam os olhos para esse crescimento, mais tarde teriam que reconhecer essas moradias. Que estatuto jurídico-urbanístico se embasaria este reconhecimento? O fato é que não dava para negar, já que muitas das áreas começavam a se valorizar. Quanto as autoridades, outro problema era que de 1930 a 1953, São Paulo não elegia seus prefeitos, tinha-se nessa época os interventores.

Nos anos 40 entra em jogo as Sociedades Amigos dos Bairros (SAB), visando legalizar o que havia sido deixado para trás, mas esse modelo era extremamente clientelista, pois vivia-se sob o populismo. Ou seja, as melhorias nos bairros e o reconhecimento legal davam-se em troca de votos, já que quem intervinham eram os vereadores junto aos presidentes das SABs. Mesmo no período de redemocratização, quando o prefeito era Jânio Quadros, essa prática perdurou. Na época, “as reivindicações das ‘vilas’ por asfalto, água, esgoto e outras melhorias penetram no gabinete do prefeito, intermediadas por lideranças conectadas a gabinetes de vereadores” (ROLNIK, 2002, p. 38). E não é assim até hoje? As lideranças de bairros não continuam ligando-se a vereadores para conseguirem melhorias para os bairros?

O homem que re-inventou São Paulo 
Prestes Maia foi prefeito de 1938 a 1945, quando implantou o seu plano de avenidas desenhado ainda em 1924, uma idéia inicial dele e de Ulhôa Cintra. Depois retornou a prefeitura de 1961 a 1965. Apesar de não gostar da literatura moderna que se afirmara em sua época, “foi um modernizador da cidade” (PONTES, 1996, p. 4).

Francisco Prestes Maia nasceu em Amparo, interior de São Paulo, em 19 de março de 1896. Foi engenheiro civil, arquiteto e político. Formou-se em 1917 pela Escola Politécnica de São Paulo, onde depois lecionou. Atuou por anos no DOP (Departamento de Obras Públicas). Além de São Paulo, elaborou planos urbanísticos para Santos, Campinas, Campos do Jordão e Recife.

Foi nomeado prefeito pelo interventor Adhemar de Barros em maio de 1938, governando até novembro de 1945. Foi na sua gestão que Mário de Andrade foi demitido. “Prestes Maia considerava o orçamento do Departamento de Cultura alto demais para as possibilidades do município” (PONTES, 1996, p. 7).

Como urbanista elaborou o plano circular de avenidas e o sistema Y. Era o homem das obras públicas, das grandes construções. Para se ter uma idéia, quando retornou a prefeitura em 1961, encontrou as finanças defasadas, recuperou-as e começou a realizar suas obras, entre as quais estão as pontes do Piqueri, Cruzeiro do Sul, o viaduto de Vila Matilde, entre tantas outras desse porte.

Além de homem público, Prestes Maia sempre manteve seus “negócios particulares, seja como engenheiro e arquiteto, seja como empreendedor imobiliário” (PONTES, 1996, p. 5). Podemos deduzir, daí que tinha interesses na cidade que iam além do cargo público.

Prestes Maia ao executar seu plano de avenidas entre 1938 a 1945, optou por não investir no Metrô, uma realidade já em outros países. Além disso, ao alargar as avenidas, teve que cortar muitas e muitas árvores e mesmo o historiador José Alfredo Pontes sendo seu entusiasta não pôde poupar-lhe: “Inevitavelmente, foi um grande erradicador de árvores quando alargou ruas e rasgou quarteirões e certamente cometeu exageros, como no caso do Parque Anhangabaú, também conhecido como Parque Bouvard, literalmente retalhado por pistas de tráfego apenas 30 anos depois de sua inauguração (1914-1944. No entanto, comparado a Faria Lima, pode-se dizer que Prestes Maia foi um preservacionista, pois, de modo geral procurava amenizar ao máximo a eliminação da vegetação como no caso do alargamento das ruas Vieira de Carvalho, Ipiranga e São Luís, onde conseguiu preservar parte da vegetação de pomares e jardins” (1996, p. 9).

Mesmo assim, tudo indica que Prestes Maia era um político honesto, a julgar pelos artigos a seu respeito, mesmo assim não parece ter governado para os pobres. Como urbanista e político modificou a cara de São Paulo, foi em sua gestão que São Paulo cresceu horizontalmente, nascendo os bairros populares distantes do centro, ligados por suas avenidas e por um transporte coletivo sobre rodas. Mais tarde enfrentaríamos os problemas dessa decisão: muita poluição e grandes engarrafamentos.

São Paulo torna-se o maior pólo industrial do país – 1930-1950 
A elite paulista foi derrotada na revolução de 1930, começava um processo de desmonte das velhas estruturas da Primeira República e da política do café com leite. Até 1934 São Paulo passou por instabilidades tendo sido governada por doze prefeitos de 1930 até aquele ano. Mas a elite paulista se reorganiza para fazer frente ao governo federal e em 1932, tivemos a Revolução Constitucionalista. Mais uma vez São Paulo sofre derrota e o governo federal aumenta o controle, criando inclusive um Departamento de Municipalidades, para poder controlar mais de perto os municípios. Os prefeitos eram nomeados pelos interventores, foi assim que governaram Fábio Prado e Prestes Maia, que fizeram “uma ampla redefinição, não apenas urbanística, mas também política e administrativa, da vida na cidade” (O PODER EM SÃO PAULO, 1992, p. 61).

Com Fábio Prado a cidade ganha o Departamento de Cultura a cargo de Mário de Andrade, quando são criados os primeiros parques infantis, rede de bibliotecas e o inicio da construção do Estádio Pacaembu. Na seqüência Prestes Maia pode finalmente executar seu plano de avenidas e o sistema Y, formado pela Avenida 9 de julho, Avenida 23 de Maio e Anhangabaú (hoje Avenida Prestes Maia). O prefeito realizou obras nas avenidas Ipiranga, São João, Paulista, Pacaembu e encurtou o Tietê para construir as marginais.

O trânsito já era um problema e foi Prestes Maia quem começou a negociar com a Light a municipalização dos transportes coletivos, assim nasce a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), efetivada em 1945, quando Prestes Maia já não estava mais na prefeitura. Todos os autores são unânimes em colocar Prestes Maia como a pessoa que modificou e redefiniu a feição moderna de São Paulo.

Após sair da ditadura do Estado Novo, temos um ponto fundamental desse período, trata-se da forte industrialização que atravessa o estado e a cidade de São Paulo. Esse impacto trouxe muitas mudanças sobre a vida urbana e fez com que a periferia começasse a crescer, já que começou um crescente fluxo de migrantes para a cidade. Criam-se as vilas populares, mas a principal moradia da população pobre era o cortiço.

Como já foi dito, inicialmente as indústrias, por receberem benefícios construíam as vilas operárias, mas a medida que a população crescia essa responsabilidade foi passada ao Estado. “Desse momento em diante as vilas operárias tendem a desaparecer e a questão da moradia passa a ser resolvida pelas relações econômicas no mercado imobiliário” (KOWARICK, 1993, p. 35). É assim que se expande a periferia paulistana. “Como acumulação e especulação andam juntas, (...) a ação governamental restringiu-se, tanto agora como no passado, a seguir os núcleos de ocupação criados pelo setor privado, e os investimentos públicos vieram colocar-se a serviço da dinâmica de valorização-especulação do sistema imobiliário-construtor” (KOWARICK, 1993, p. 35).

Nos anos 40, dentro do surto rodoviarista, isto é, a opção feita pelo transporte sobre pneus, surge a Dutra e a Anchieta, que, por sua vez, atrai indústrias metalúrgicas próximas a essa vias, é o momento de crescimento do ABC Paulista. Nos anos 50 esse movimento se intensifica. São Paulo cresce horizontalmente, através dos loteamentos mais distantes do centro, nem sempre reconhecidos pela prefeitura. A legalização se dá através do clientelismo e do populismo, numa negociação entre as lideranças das SABs e os políticos. Jânio Quadros foi uma das pessoas que soube aproveitar bem esse momento, tornando-se o ‘homem que dialogava com os pobres’ e canalizando para si todos os dividendos políticos, primeiro como vereador, depois como primeiro prefeito eleito após o intervencionismo, com a redemocratização em 1953.

Após a redemocratização, os populares voltaram a se manifestar, houve muitas greves pelo Brasil, mas principalmente em São Paulo, o carro-chefe da economia nacional. Na política paulistana duas forças dominaram os anos 50: Adhemar de Barros e Jânio Quadros, que investiram pouco nos serviços sociais. Mesmo assim, em 1953 haviam sido criadas as Agências Distritais, visando agilizar as obras nos bairros populares. Em 1956 o prefeito Toledo Piza havia solicitado um estudo sobre São Paulo, o estudo destacava a importância da regionalização na administração, por isso esse prefeito criou por decreto 19 subprefeituras, que vigorou apenas por dois dias.

Em 1953, quando o primeiro prefeito eleito pelo povo assumiu, após anos de intervenção, São Paulo já era a maior metrópole brasileira. Sua população tinha crescido rapidamente, se 1940 havia 1,3 milhão de pessoas, em 1950 eram 2.155.000 habitantes e no quarto centenário da cidade, em 1954 já tinha 2,5 milhões de pessoas (Cf. O PODER EM SÃO PAULO, 1992). Foi nos anos 50 que São Paulo suplantou o Rio de Janeiro, em termos populacionais, em termos industriais e econômicos.

Anos 60 e 70 – o autoritarismo 
Nessas duas décadas São Paulo teve o auge de seu crescimento horizontal, embalados por novo surto industrial, pelo crescimento e pela forte repressão. “Durante a expansão urbana dos anos 60 e 70, ocorre a conurbação com os municípios da atual região metropolitana, sobretudo Osasco e Taboão da Serra (a oeste), Guarulhos (a leste) e o ABC (a sudoeste)” ROLNIK, 2002, p. 43). É o auge da migração, que tem como destino a periferia, por sua vez a elite muda o seu centro de consumo: sai do centro histórico e vai para a região da Paulista e dos Jardins.

Em 1961 Prestes Maia voltou a governar São Paulo, tendo como prioridade os serviços urbanos, ele “representava os interesses de uma burguesia que buscava imprimir à prefeitura uma estrutura mais racional, indispensável para atender às demandas da expansão industrial da cidade” (O PODER EM SÃO PAULO, 1992, p. 81). A periferia e os serviços sociais não eram prioridades, mas uma vez o prefeito, em consonância com a indústria automobilística, investiu na expansão da rede viária. Prestes Maia conseguiu um feito, aumentou os gastos com serviços urbanos de maneira extraordinária, em 1961 foram 29,15% do orçamento, chegando a 45,6% em 1965. Enquanto isso os gastos com os serviços sociais foram praticamente nulos, realizando nessa área a criação do Centro Educacional e Esportivo do Ibirapuera, entregue em seu último dia de gestão. Outro “feito” na área social foram as remoções das favelas instaladas nas áreas por onde passariam as avenidas abertas por ele e ao lado das marginais. Para o prefeito as favelas eram “manchas da cidade” e sacos “sem fundos em matéria de despesas” (Apud O PODER EM SÃO PAULO, 1992, p. 83).

O sucessor de Prestes Maia, Faria Lima (1965-1969), prometeu inverter a ordem dos investimentos, mas já estávamos na ditadura militar. O Brasil viveria um intenso controle social. A máquina se burocratizou ainda mais. A repressão contra aqueles que lutavam por seus direitos imperava, enquanto se viveria depois a fantasia do milagre econômico (1968-1973). Mesmo assim, foi Faria Lima quem criou a Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab), que visava construir apartamentos e casas populares. São Paulo vivia intenso crescimento populacional, em 1965 já eram cinco milhões de pessoas. Objetivando uma melhor comunicação com as comunidades, foram criadas as Administrações Regionais.

Em 1968, através do Ato Institucional nº 5, a ditadura exercia um controle sem limites sobre os municípios, podendo fechar câmaras de vereadores, cassar mandatos, entre outras arbitrariedades. Finalmente, em 1969, com o Ato Institucional nº 7, suspendeu as eleições para cargos executivos ou legislativos, na União, nos estados e municípios. São Paulo passou por novo surto industrial, sendo responsável por 28% do valor de transformação industrial do país. Com esse crescimento, chegam à capital novas correntes migratórias, são os pobres do Brasil buscando melhores meios de subsistência. Quando vem a crise da segunda metade dos anos 70, São Paulo vai deixando de ser uma cidade industrial para transformar-se em grande cidade de serviços.

No período de repressão São Paulo teve como prefeitos Paulo Maluf (1969-1971), Figueiredo Ferraz (1971-1973), Miguel Colasuono (1973-1975) e Olavo Setúbal (1975-1979). Maluf era completamente ligado ao autoritarismo vigente e vai entrar para a história como o homem das grandes obras, dentre as quais o Minhocão. Era adepto da política do pão e circo, por isso incentivou as grandes festas e suas obras eram inauguradas com grande alarde, mas as obras sociais foram esquecidas e os problemas se avolumaram.

Figueiredo Ferraz foi o primeiro prefeito a alertar sobre os problemas sociais e a precariedade das condições de vida da maioria da população. Passou a combater enchentes e a poluição, investiu no transporte coletivo através do Metrô, quando ainda era municipal. Mas o Metrô trazia em si um paradoxo: para ser construído necessitava de mão-de-obra barata, provocando assim o aumento da migração. Foi esse prefeito o primeiro a criar um plano diretor, o PPDI (Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado) de 1971, que “foi muito mais de ordenação e disciplina do desenvolvimento do espaço físico da cidade do que de instrumentação da expansão da rede de serviços público” (O PODER EM SÃO PAULO, 1992, p. 101).

São Paulo crescia demograficamente em ritmo constante e multiplicava seus problemas. Quando Olavo Setúbal assumiu o poder a classe trabalhadora já demonstrava sinais de organização e a pressão começava aumentar. Este, viu-se obrigado a investir na periferia, se não resolveu todos os problemas, tentou amenizar, criando o Cadastro Geral da Cidade, a Comissão de Loteamentos Clandestinos, além de investir no transporte coletivo. Os investimentos em serviços urbanos e sociais ficaram balanceados em seu governo, ainda que pendesse mais para o primeiro. Foi esse prefeito que inaugurou a linha norte-sul do Metrô e iniciou a leste-oeste, mas foi também o responsável pela transferência do mesmo ao governo estadual. Na periferia criou os parques do Carmo, Anhangüera, construiu a avenida Aricanduva, palco de muitas enchentes. Em 1978, através da Cohab, entregou 12 mil apartamentos populares, mas nada fez pelos favelados.

Nesse período a cidade vai se re-configurar. Os investimentos nas indústrias automobilísticas favoreceram apenas àqueles com grande poder aquisitivo, já o transporte popular é precário. Mesmo quando se investe no Metrô, têm-se a construção dos grandes terminais de ônibus na região central. O centro se populariza e a elite abandona essa região sistematicamente. Verticaliza-se a região sudoeste da cidade, construindo prédios residenciais e comerciais para a elite em bairros como Higienópolis, Santa Cecília, Consolação, Pinheiros e Cerqueira César. “A ocupação cultural da Paulista-Augusta foi a vanguarda de um movimento que, nos anos 70, ali plantou, em estilo internacional, os poderosos do milagre econômico: grandes empresas, bancos e sindicatos patronais. A lei de zoneamento da cidade, aprovada em 1972, já conferia esse destino para a avenida” (ROLNIK, 2002, p. 47).

Essa re-configuração, expansão horizontal em direção a periferia, o abandono do centro e a verticalização na zona oeste, faz com que os pobres piorem ainda mais suas condições de vida, já que ficaram mais distantes do trabalho, residindo em habitações precárias. Em 1975 a capital tinha 615 mil moradores de cortiços, 1,8 milhão de pessoas moravam na periferia em casas com péssimas condições de moradia, feitas na base da autoconstrução (Cf. KOWARICK, 1993). Essa espoliação é fruto da especulação imobiliária com apóio do Estado, já que o mesmo oferece infra-estrutura para os industriários, além de crédito, favorece também a especulação imobiliária, pois qualquer benfeitoria em determinada região da cidade supervaloriza os terrenos, expulsando para mais longe aqueles que não podem arcar com a valorização.

A opção pelo transporte sobre pneus trouxe outros problemas para a cidade, como a poluição e o trânsito. “Em 1968 havia 7 milhões de deslocamentos diários, cifra que em 1974 passa para 13,9 milhões” (KOWARICK, 1993, p. 38). Esse inchaço, fez com que nos horários de pico os ônibus andassem com 130 passageiros, quando sua capacidade era de apenas metade. Um verdadeiro massacre ao trabalhador. Como havia vasta mão-de-obra e uma desorganização por parte dos trabalhadores, os salários eram diminutos. Nessa dinâmica da exploração da classe trabalhadora, cabe ainda ressaltar que desde 1965 o salário mínimo começou a cair em termos reais. Em 1973, 35% dos trabalhadores urbanos ganhavam até um salário e 67% até dois. “(...) é conveniente frisar que o ciclo de expansão recente da economia brasileira processou-se através de acentuada potenciação de produtividade do trabalho no setor industrial, que subiu, entre 1968-73, 32%, ao mesmo tempo em que o salário mediano dos trabalhadores urbanos, também em padrões reais, decresceu em 15% no período considerado” (KOWARICK, 1993, p. 66).

Quanto a moradia, o Banco Nacional da Habitação (BNH), investiu 135 bilhões de cruzeiros, para financiar 1,739 milhão de imóveis, destinados a famílias que ganham mais de doze salários mínimos. Diante disso resta ao pobre a favela, que cresceu muito durante a década de 70. O desemprego também aumentou, pois a criação de vagas foi inferior ao crescimento da população de 1950 até 1970.


Tabela 2: São Paulo – evolução da pressão demográfica, 1940/1970
Período      Vegetativa      Migratória      Total
1940/50      1,49               4,1                  5,2
1950/60      2,5                 3,8                  5,6
1960/70      2,1                 2,9                  4,5
Fonte: Cebrap, 1971 apud POCHMANN, 2001, p. 92.


Essa é a realidade enfrentada pelos migrantes em São Paulo, nordestinos e mineiros em sua maioria, que na busca de uma vida melhor encontram uma cidade que aparta, segrega e divide. Eles saem de suas regiões por falta de alternativa, como afirma Milton Santos, “a migração, em última instância, é, sem paradoxo, conseqüência também da imobilidade. Quem pode (...) vai consumir e volta ao lugar de origem. Quem não pode locomover-se periodicamente, vai e fica” (2008, p. 63). Esse deslocamento é fruto do desenvolvimento desigual do Brasil, assim as regiões pobres enviam mão-de-obra barata para as regiões mais desenvolvidas.

Ainda na década de 70, em 1973, foi criada por decreto a Região Metropolitana de São Paulo, com 37 municípios (hoje 39), onde moravam 8,5 milhões de habitantes, isto representava 10% da população brasileira em apenas 0,5% do território. Sua criação foi uma maneira do governo federal controlar melhor a região mais influente do país. A Região possui um órgão de planejamento, a Emplasa (Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S.A.), além de uma empresa de transporte público, a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), que são geridas pelo governo estadual. Mesmo tendo existência legal jamais constituiu-se em uma unidade política, o que dificulta a resolução dos problemas conjuntos.

Décadas de 80 e 90 – redemocratização, desemprego e aumento da periferia
Na década de 80, em seu inicio, o Brasil já vivia uma grave crise econômica. Na cidade de São Paulo, o orçamento decresceu em termos reais. O prefeito daquele período foi Reynaldo de Barros, sobrinho de Adhemar de Barros. O prefeito, diante de inúmeras reclamações e protestos foi obrigado a investir na periferia, mas apenas em obras baratas, eram assim criados os projetos Pró-morar, Pró-água, Pró-luz, e Pró-favela. No entanto, a população se queixava que as habitações eram de má qualidade. E no governo do estado o governador Paulo Maluf não estava feliz com o prefeito que nomeara, pois queria ver realizadas as grandes obras. Faz-se necessário reconhecermos que o prefeito começou a realizar obras na área social, que no geral eram esquecidas, por outro lado, os problemas eram tão graves que representou muito pouco diante dos problemas acumulados. Na área de habitação o prefeito viabilizou 2.000 casas, mas seu plano inicial era de 50.000 casas.

Depois de desentendimento com o governador, Reynaldo de Barros foi substituído por Antônio Salim Curiati. Em sua gestão procurou acelerar a regularização dos loteamentos clandestinos, intensificou programas habitacionais, investiu nos trólebus e pavimentou ruas. Sua gestão também foi muito rejeitada.

Em 1983 os governadores voltaram a ser eleitos, mas os prefeitos não. Franco Montoro foi o primeiro governador eleito desse período, nomeando para prefeito Mário Covas. “A efervescência social já havia sacudido a cidade com uma série de manifestações e saques logo no começo do governo de Montoro. E Covas teve de enfrentar, já nos primeiros dias de sua administração, a implantação de um acampamento de desempregados no Parque Ibirapuera, nas vizinhanças de seu gabinete. Ao longo de sua gestão, enfrentou também quatro greves dos servidores municipais. As demandas sociais, duramente reprimidas durante tantos anos, transbordavam e batiam na porta da prefeitura” (O PODER EM SÃO PAULO, 1992, p. 121).

Covas priorizou o combate as enchentes, regularizou loteamentos clandestinos reduziu déficits educacionais e melhorou o transporte coletivo. A criação do passe do idoso é de sua gestão. Em seu governo realizou obras na região central apenas de manutenção dos equipamentos e serviços essenciais.

Mas o sucessor de Covas, Jânio Quadros, primeiro prefeito eleito por voto popular após a redemocratização, voltou-se para o centro novamente. Sua prioridade eram as obras e serviços e não o social, retomando o modelo rodoviarista da década de 40: re-urbanizou o Vale do Anhangabaú, fez os túneis por baixo do Ibirapuera e do rio Pinheiros. E viajou muito pela Europa.

Foi ainda na década de oitenta que a periferia se expandiu totalmente, chegando aos limites da cidade. Em 1981, o modelo de zoneamento adotou um dispositivo que destinou uma franja rural, Z8-100/1, “como área para construção de conjuntos habitacionais populares” (ROLNIK, 2002, p. 49). O objetivo era baratear os custos dos terrenos para a COHAB. Assim surgiram as Cohab`s Itaquera 1, 2, 3, 4 e Cidade Tiradentes, criada em 1984 e 20 anos depois, já congrega em suas habitações populares quase trezentos mil habitantes. Esses conjuntos habitacionais, conforme Raquel Rolnik, criaram “guetos habitacionais sem variedade social” (2002, p. 50). Muitos dos terrenos utilizados eram impróprios, sem contar a falta de infra-estrutura.

Para a construção dos conjuntos foram devastadas imensas áreas verdes que ainda existiam na cidade. O solo, em boa parte desses terrenos, são arenosos, em épocas de chuvas são arrastados para os córregos, provocando enchentes e trazendo mais problemas para estes habitantes. Por isso nunca se pára de tirar terra e areia do rio Tietê desde 1960.

Mas o pior impacto desse projeto, conforme alerta Raquel Rolnik, é “a radical exclusão territorial a que foram condenados os moradores da extrema periferia guetos de baixa renda, educação precária, desemprego alto, serviços urbanos deficientes, radicalmente fora dos locais onde circulam as oportunidades” (1992, p. 51).

Por fim, é bom lembrar que na década de 80 o Brasil atravessava um esgotamento de sua industrialização, a economia estava estagnando. Foi o inicio de grave desemprego que iria se agravar ainda mais na década seguinte. “Nas últimas décadas do século XX, somente o setor terciário manteve seu crescimento em alta, com maior participação relativa no total das ocupações na cidade de São Paulo. Em 1998, quase 71% das ocupações localizavam-se nas atividades de serviços e comércio” (POCHMANN, 2001, p. 112).

Na década de 90, São Paulo tornou-se a capital dos serviços. Em termos de ocupação do solo, a periferia não consegue mais se expandir horizontalmente, no entanto, continua a crescer em termos populacionais. Enquanto os bairros mais estruturados têm diminuído sua população, a periferia continua a crescer: “Distritos como Anhangüera, no noroeste, e Cidade Tiradentes, no extremo leste, cresceram mais de 3% ao ano” (ROLNIK, 2002, p. 66). A máquina da exclusão ainda está a todo vapor, São Paulo já tem dois milhões de pessoas morando em favelas, isso representa quase 20% da população, enquanto no inicio da década de 70 representava pouco mais de 1%. A tabela abaixo mostra o crescimento demográfico da população, a mesma foi pensada a cidade dividida em cinco círculos, a partir do centro.

Tabela 3: Município de São Paulo: taxas geométricas de crescimento populacional por anel, 1960 a 1996. 
Anel                 60-70  70-80   80-91   91-96
Central             0,72    2,23      0,91      2,79
Interior             0,08    1,26      1,14      2,43
Intermediário   2,79    1,28      0,68      1,44
Exterior            5,52    3,13      0,86      0,51
Periférico        12,9     7,42      3,09       2,48
Total                 4,79   3,67      1,16       0,40
Fonte: Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991 e Contagem Populacional de 1996. Apud TASCHNER; BÓGUS, 2000, p. 253.

A cidade não pode mais ser pensada e continuar a ser dividida em pedaços, faz-se necessário um projeto amplo, de maneira a atender a todos os paulistanos indistintamente, independentemente de onde eles vivam.

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