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domingo, 29 de agosto de 2010

Teatro e performance e as estratégias de ocupação urbana

Por Adailtom Alves Teixeira
Resenha apresentada à disciplina de Pós-Graduação da UNESP - Metodologia de Pesquisa em Artes

O sujeito e o espaço urbano estão umbilicalmente ligados, afinal cada vez mais se vive nos centros urbanos. Motivado pelas possibilidades de uso da rua, local de ocupação estratégica, onde a rebeldia pode vir a enfrentar os sistemas de controle, em que o teatro de rua passa a ser uma "potência de transformação social", Pedro Diniz Bennaton, apresenta em sua dissertação, Deslocamento e Invasão: estratégias para a construção de situações de intervenção urbana, estratégias colhidas no agit-prop (teatro de agitação e propaganda), nos dadaístas, surrealistas e nos situacionistas, estudando também os diversos grupos políticos espalhados pelo mundo e relatando também a experiência de seu coletivo, o ERRO Grupo. O pesquisador escreve na primeira pessoa, retomando suas experiências da infância e da adolescência, identificando nesse período as primeiras rebeldias que o transformaram como pessoa. Por isso mesmo acredita nas intervenções artísticas nos espaços abertos urbanos como formas de transformações sociais mais profundas.
O autor não separa política da arte, pois, segundo sua visão, só assim é possível transformar "a vida cotidiana", também entende que não há separação entre as artes, bem como entre arte e vida, conceitos cada vez mais movediços. Além dos movimentos artísticos já citados, o referencial teórico do autor passa por Guy Debord e sua sociedade do espetáculo, Richard Schechner, sobretudo sua obra Teoria da Performance. Por tratar-se de um estudo interdisciplinar, Bennaton utiliza diversos outros autores para fundamentar sua pesquisa, como Walter Benjamin, Michel de Foucaut, Giles Deleuze, Marc Augé, Fredric Jamenson, Michel de Certeau, Michel Maffesoli, todos internacionalmente conhecidos. No Brasil, utiliza Silvana Garcia, Renato Cohen e André Carreira, sendo este último seu orientador. Seu percurso teatral tem um escopo também sociológico, filosófico e antropológico, já que trata do teatro de rua em diálogo com o espaço urbano que é constantemente reificado.
Do ponto de vista metodológico, apesar de não deixar claro, é possível identificar uma abordagem fenomenológica, já que foca nas estratégias de uso e ocupação dos espaços urbanos por performances e espetáculos teatrais, sem muita separação entre arte e vida. Apesar de fazer retomadas no tempo, não contextualiza os períodos históricos apresentados, focando em seu objeto: as estratégias de ocupação e invasão do espaço urbano, de forma a romper com os sistemas de controle.
No capítulo primeiro, o autor aborda o sujeito pós-moderno, indivíduo fragmentado, reflexo de uma lógica de mercado, em que impera o individualismo e uma identidade transitória. Preocupado em como chegar a esse indivíduo fragmentado, pergunta-se que teatro provocaria esse sujeito, já que o próprio teatro está submetido a uma lógica de mercado. Para Bennaton, o tempo presente exige uma "agressividade" para se poder "ligar com a lógica de mercado", só assim poderíamos abalar as bases do sistema. Para tanto, faz-se necessário conhecer as estratégias apresentadas por ele. Um dos caminhos é não ser didático, não devemos transmitir mensagens, mas mostrar, por meio do teatro de rua, que é possível intervir no espaço urbano, só assim revelamos a fragilidade de organização da cidade:
"Ao explorar a fragilidade das câmeras de vigilância, o discurso vazio das propagandas colocadas nas ruas, ridicularizar os produtos comercializados, mudar os nomes das ruas etc., a arte pode interferir na rígida camada, de construção de sentidos e discursos, na qual estamos sujeitos." (p. 33-4)

Assim, os "vandalismos" performáticos que invadem as ruas, deixam marcas, criam fissuras na estrutura de controle urbano. Só a rua pode nos oferecer as provas reais de repressão, seja pela arquitetura, seja por meio de repressões impostas pelo poder público, que visa controlar e regular a cidade. A efemeridade do teatro e da performance tem, segundo o autor, a possibilidade de dialogar com essa sociedade, pois fundiria arte e vida. Só a recuperação da ilegalidade do teatro de rua nos permitiria transgredir os sistemas de controle que nos oprime, por isso mesmo essa arte jamais deve cair no mercado.
Bennaton entende que "operando os procedimentos estratégicos de forma consciente das estratificações e controles do sujeito pós-moderno, o artista poderá transformar a si mesmo e aos outros" (p. 49). Entretanto, alerta que não basta está na rua para ser político, é preciso utilizar os procedimentos estratégicos de ação, a imprevisibilidade da rua e os seus elementos, só assim será possível romper as fronteiras entre arte e vida, tornando-se transformador para quem faz e para quem presencia ou participa.
No segundo capítulo, como já colocado, o autor busca as matrizes de suas estratégias: as práticas do agit-prop, as correntes modernistas, dadaísmo e surrealismo, além dos situacionistas. Esse mapeamento apresenta o que ele chama de procedimentos estratégicos de "invasão e deslocamento." O levantamento vem acompanhado de muitos exemplos, inclusive políticos. Assim, se os dadaístas aderiram ao anarquismo, os surrealistas ligaram-se ao comunismo anárquico de Andre Breton, apresentando estratégias diferenciadas. Entretanto, ambos fugiram do realismo socialista, e, ao realizarem eventos efêmeros, questionaram a arte como produto.
O autor tem por objetivo demonstrar que, em todos esses movimentos vanguardistas, o espaço urbano foi estratégico para tornar claro a relação "entre arte e política, arte e transformação" (p. 62). Mas se autor tem como projeto político subverter a ordem estabelecida por meio de sua prática artística, fica claro a fragilidade de sua proposta, pois torna-se uma prática isolada, isto é, sem vínculos com os movimentos sociais, ficando impossibilitado de criar reverberações ou ações em grande escala, já que não encontra eco. Outro risco, esse apontado pelo próprio autor, é a possibilidade de uso dessas estratégias pelo mercado, citando o exemplo dos brainstorming, criado pelos surrealistas e absorvido pelo marketing invisível. Dessa forma, fica claro que a proposta do autor tem forte conteúdo político, mas que pode "escorregar" ou esvaziar-se pela fragilidade ao ser praticado isoladamente.
No terceiro capítulo de sua dissertação, Pedro Bennaton apresenta diversos exemplos de grupos contemporâneos que utilizam as estratégias de ação apresentadas. Trata-se de um teatro próximo ao teatro de guerrilha, um teatro em movimento, de ruptura, político e com uma linha muito tênue entre vida e arte. Atualmente é possível identificar esse tipo de estratégia no H.I.J.O.S. (Hijos por La Identidad e Justicia contra el Olvido y el Silencio), que realiza seus escrachos públicos visando "punir" os militares argentinos que participaram de torturas. Todos seus membros são filhos de desaparecidos da ditadura argentina que clamam por justiça.
Se se pode afirmar que é no ambiente urbano, em especial na rua, que "enxergamos as provas reais da repressão social, da repressão massificada" (p. 81), é preciso ocupá-la escandalizando-a, transgredindo-a, subvertendo também o mercado, dessa forma é possível intervir nas estruturas de poder. É o que faz o já citado H.I.J.O.S. na Argentina e o Black Block na Europa. No Brasil é possível identificar o Grupo Laranjas, o Grupo Empreza, o GIA e o ERRO Grupo, entre outros. A maioria dos grupos sugiram em ambientes universitários, tendo como forte característica de suas ações o anonimato das identidades dos praticantes.
Outro grupo citado, o Reclaim The Street, agiu em 1999 em mais de quarenta países e cento e vinte cidades, usando a internet e misturando em suas manifestações um misto de "carnaval ilegal, protestos e ações diretas" (p. 91). Assim, na visão de Bennaton, não precisa ser um expert para participar dos procedimentos de invasão, basta está disposto e adequar-se as estratégias criadas por esse coletivo, pois o grupo parte da idéia que qualquer um pode realizar essas ações e quanto mais pessoas, mais impactante pode ser. Já o Black Block tem como característica a desobediência civil, dessa forma, a eficácia está ligado ao tempo de execução. Os grupos partem do principio de Guy Debord, para quem a cidade carrega em sua história a liberdade e a tirania, esse enfrentamento da tirania organizacional estruturante da cidade é libertário.
Muitos dos atos desses grupos não são para serem assistidos, mas sim vivenciados, experimentados. Por isso mesmo requer estudo e conhecimento do território no qual se inserem, bem como das possibilidades de deslocamento. Citando o exemplo de seu coletivo, o ERRO Grupo, que sempre solicita autorização ao Poder Público para suas performances, o autor entende que mesmo com autorização é possível romper com a ordem, já que a invasão e a ocupação "se constroem pelo nível de afrontamento, estranhamento e invasão física dos atores, em territórios que não são pré-estabelecidos ou delimitados para a representação" (p. 129). Por isso o praticante não pode ter medo ou ter respeito pelas leis que regem o espaço público, pois, se assim proceder, corre o risco de não ousar. Mas com estratégias e ousadia é possível agir no cotidiano da cidade, rompendo e infiltrando-se no cotidiano da mesma.
Aliado a teoria de Schechner, as palavras e as ações situacionistas foram não apenas referências para o autor, mas sim "alicerces de sustentação e incentivo essenciais para a leitura das ações urbanas" (p. 143). Por entender que essas estratégias alinham-se ao sujeito pós-moderno, Bennaton entende que pode ser praticado em qualquer lugar do mundo, sem necessidades de estudo das especificidades culturais de cada lugar. Aqui, mais uma vez, o autor simplifica e se contradiz, pois ao citar uma performance de seu grupo que foi mal recebida e interpretada de forma equivocada fora do Brasil, tendo que explicar-se inclusive para a polícia, fica patente que o indivíduo pós-moderno não é o mesmo em todos os lugares do globo. Diante do exemplo, fica claro que faz necessário conhecer também as especificidades culturais de cada lugar, ainda que o sujeito pós-moderno esteja em todos os lugares as resistências as mudanças também estão lá. E ainda que partamos da ideia de subversão, o que em determinado lugar subverte em outro pode ser natural.
O autor toca ainda em outro ponto importante. Todo esse procedimento de subversão da ordem mercadológica faz com que os grupos engajados nesses processos sofram problemas de financiamentos de suas práticas, e não poderia ser diferente, por isso o autor alerta para o fato da necessidade de se ter outras profissões para manter essas práticas político-artísticas.
A dissertação de Pedro Bennaton é fundamental para todos aqueles que querem radicalizar sua prática teatral no espaço aberto urbano, apontando para as diversas possibilidades de ocupação e invasão da cidade com teatro, sem prender-se a uma ou outra técnica específica, tudo é possível, até mesmo as estratégias da propaganda. O que importa é a criação de uma arte política, de ruptura e próximo da vida. Por outro lado, fica claro também uma fragilidade no processo apresentado pelo autor, pois se não for disseminada por muitos grupos ou por movimentos sociais, de forma interligada, como ocorre na Europa, pode vir a ser absorvido pelo mercado como algo experimental, afinal na desertificação do real, o que impera é o mercado, ente que veste as roupas e cospe o discurso democrático, absorvendo aquilo que se contrapõe a ele mesmo, mas que ao ser aceito, incorporado, por mais forte que seja essa contraposição, esvazia-se e passa a ser mais um produto como outro qualquer na prateleira das artes.

Fonte
BENNATON, Pedro Diniz. Deslocamento e Invasão: estratégias para a construção de situações de intervenção urbana. Florianópolis, UDESC, 2009, f. 158. 

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