Análise de A vida de Galileu de Bertolt Brecht (1938-1939).[1]
Andrea (em voz alta) – Infeliz a terra que não tem heróis!
Galileu entrou, inteiramente mudado pelo processo, quase irreconhecível. Ouviu a frase de Andrea. Para à porta, por alguns instantes, à espera de uma saudação. Como esta não vem, pois os discípulos recuam diante dele, ele vem para a frente, devagar e inseguro, por causa dos seus olhos enfraquecidos; encontra uma banqueta e senta.
Andrea – Eu não posso mais vê-lo. Ele que vá embora.
Federzoni – Calma.
Andrea (grita com Galileu) – Esponja de vinho! Comedor de lesmas! Salvou a sua pele bem-amada? (senta) Estou me sentindo mal.
Galileu (calmo) – Tragam um copo d'água! (...)
Andrea – Já dá para andar, se vocês me ajudarem um pouco. (sustentado pelos dois, ele sai pela porta. Neste momento Galileu começa a falar.)
Galileu – Não. Infeliz a terra que precisa de heróis. "Não está claro que um cavalo pode quebrar as patas, se cai de uma altura de três braças ou quatro, enquanto que a um cão, como também a um gato, mesmo caindo de uma altura de oito ou dez braças, ou a um grilo que caísse do alto de uma torre, ou a uma formiga que viesse da Lua, não aconteceria nada? Assim como animais menores são relativamente mais resistentes e mais fortes que os maiores, também, as plantas menores resistem melhor: uma nogueira de duzentas braças não poderia sustentar a proporção de galhos que sustenta a nogueira pequena e a natureza não pode deixar que um cavalo fique do tamanho de vinte cavalos, ou que um gigante cresça dez vezes, a não ser que altere a proporção de todos os seus membros, especialmente dos ossos, que precisam ser fortalecidos em medida muito maior que a proporcional. – A suposição comum, de que máquinas grandes e pequenas têm resistência igual, é claramente enganosa."
Galileu GALILEI. A vida de Galileu.[2]
Cena I
Manhã. Quarto de estudos de Galileu – Pádua/1610.
- em meio às dificuldades para pagar as contas (alusão ao leiteiro), Galileu mostra astrolábio para Andrea.
Ÿ "1ª lição" - fundamentada em contradição, fazendo certa apologia ao novo, à dúvida, à capacidade investigativa (esse pressuposto contem os conceitos de educação e de diversão). Galileu compra livros caros, por isso não consegue pagar o leiteiro.
"Porque o tempo antigo acabou, e agora é um tempo novo (...) As cidades são estreitas e as cabeças também. Superstição e peste. Mas agora, veja o que se diz: se as coisas são assim, assim não vão ficar. Tudo se move meu amigo (...) e surgiu um grande gosto pela pesquisa da causa de todas as coisas (...). Pois onde a fé teve mil anos de assento, sentou-se agora a dúvida. Todo mundo diz: é, está nos livros, mas agora nós queremos ver com nossos olhos." (p. 14)
- Sra. Sarti discute com Galileu pelos ensinamentos que este transmite ao filho (Galileu "ensina o menino a ver"), e anuncia estar fora um aluno: Ludovico – tipo/protótipo do novo homem (homem do renascimento).
- Ludovico a Galileu: "Minha mãe acha que um pouco de ciência é necessário. Hoje, todo mundo toma o seu vinho com ciência, o senhor sabe." (p. 26). Ludovico conta a Galileu sobre a nova invenção na Holanda: o telescópio. Com a saída deste, depois das indicações do telescópio, Galileu pede à Sra. Sarti para o filho ir comprar lentes, conforme indicação escrita por ele. ASTÚCIA.
- O Procurador da Universidade vai procurar Galileu e dizer-lhe que não é favorável à concessão do aumento solicitado por ele (de 500 para 1000 escudos). Segundo o Procurador, a Matemática não é uma "arte nutritiva": ela não interessa tanto quanto a Filosofia, nem e tão útil quanto a Teologia. Ele trabalha pouco na universidade (duas manhãs por semana), tem prestígio, argumenta o Procurador, sendo que Galileu lhe rebate:
Eu ensino e ensino, e quando é que estudo? Homem de Deus, eu não sei tudo como os senhores da Faculdade de Filosofia. Eu sou estúpido. Eu não entendo nada de nada. De modo que tenho de preencher os buracos do meu saber. E quando é que tenho tempo? Quando é que faço pesquisas?". (p. 28)
Ao argumento, rebate o Procurador: "O senhor não pode cobrar mais pelo saber que vende, do que ele rende a quem o compra." (p. 30) Decorrente do embate, cuja natureza não é intersubjetiva, ocorre o seguinte esquema:
Galileu: produtor do saber X Procurador: usurpador (comerciante)
(certa apologia do saber) (explícita defesa aos interesses da República)
Ÿ "2ª lição" - na volta da compra das lentes (Andrea teve de deixar o casaco como penhor porque o dinheiro não deu... Galileu diz que ele vai passar o inverno sem casaco...). Andrea pergunta o que seria uma hipótese: "As velhas doutrinas, aceitas durante mil anos, estão condenadas; há mais madeira na escora do que no prédio enorme que ela sustenta." (p.34)
[Ver, aprender - sendo capaz de perguntar, ouvir... fontes de educação e de diversão].
Cena II
Cartaz: "Galileu Galilei entrega uma nova invenção à República de Veneza."
Galileu apresenta o telescópio, como invenção sua, à comunidade de conselheiros da República – Galileu fez isso por conta de 500 escudos; Frederico, presente à apresentação do "novo" instrumento, ao se retirar com Virgínia, filha de Galileu, diz estar entendendo, agora, de ciência (como esperteza).
Cena III
Cartaz: "10/01/1610 (...) Galileu afirma sua fé na razão humana."
Galileu e Sagredo (com o telescópio), a partir das evidências, rechaçam 2000 anos de astronomia. A terra é uma estrela como outra qualquer. A Lua tem montanhas. Falam de Giordano Bruno queimado, anos atrás, em Roma, por ter feito tais afirmações.
Galileu, após saída do Procurador – aborrecidíssimo pelo "conto" do telescópio – conversa excitadíssimo pelas novas descobertas: Júpiter também é uma estrela. A TERRA NÃO É O CENTRO DO UNIVERSO. [descoberta como fonte infinda de prazer = divertimento...]. Após essa constatação, Sagredo pergunta: "Deus, onde é que fica Deus?". Ao que Galileu responde: "[...] em nós ou em algum lugar (...). Lá não! Do mesmo jeito que ele não existe aqui na Terra, se houver habitante, de lá que queiram achá-lo aqui." Sagredo lembra de Giordano Bruno queimado 10 anos antes (1600) por tais afirmações.
- Galileu ensina por anos o sistema de Ptolomeu, que era confirmado pelas Escrituras, na qual a Igreja repousava.
Eu acredito no homem, e isto quer dizer que acredito na sua razão! Sem esta fé eu não teria a força de sair da cama pela manhã (...); Só o morto é insensível a um bom argumento. (...) Pensar é um dos maiores prazeres da raça humana." (p.58-9)
- Galileu resolve ir para a corte de Florença para poder ter mais tempo para estudar e, também, para provar suas novas descobertas. Sagredo diz que ele irá se dar mal, posto serem os padres os mandantes de lá). Sagredo diz a Galileu:
Galileu, vejo você num caminho terrível. É uma noite desgraçada a noite em que o homem vê a verdade. É de cegueira o momento em que ele acredita na razão da espécie humana. Quando dizemos que alguém caminha lucidamente? Quando se trata de alguém que caminha para a desgraça. Os poderosos não podem deixar solto alguém que saiba a verdade, mesmo que seja sobre as estrelas mais distantes! Você acha que o papa vai ouvir a sua verdade, quando você disser que ele errou? [...] aboliu-se o céu? Você não entende? Sair da República, com a verdade no bolso, para entrar na ratoeira dos padres e dos príncipes, de telescópio na mão! Dentro de sua ciência você é desconfiado; mas quanto às circunstâncias que possam favorecer o exercício dela, você é crédulo como uma criança. Você não acredita em Aristóteles, mas acredita no Grão-Duque de Florença. [...] E quando você disse que acredita em provas, eu senti o cheiro de carne queimada." (p.66)
Cena IV
Cartaz: "Galileu trocou a República de Veneza, pela corte florentina, cujos sábios não dão crédito às suas descobertas feitas pelo telescópio."
- Sra. Sarti, monologando, reclama da situação que continua a mesma.
Chega Cosmo – o grão-Duque (9 anos) que briga com Andrea. Quando Galileu chega e sobe com os acompanhantes do grão-Duque para olharem as estrelas pelo telescópio, o filósofo e o matemático da corte, sem olhar, filosofam.
Matemático – O sr. Sabe, naturalmente, que segundo a concepção dos antigos não é possível uma estrela que gire em volta de um centro que não seja a Terra. Assim, como é possível uma estrela sem suporte no céu?" (p. 79)
Galileu/ Federzoni X Matemático/ Filósofo
Embate, entre os "dois grupos" ocorre por conta do sistema ptolomaico e a descrição do céu imóvel de Aristóteles
Verdade científica (nominalismo) dogmas antigos (escolástica)
- Em discurso absolutamente retórico e alicerçado nos dogmas consagrados, os acompanhantes do grão-Duque negam-se a olhar pelo telescópio. Questionam "as verdades" e não as vêem.
Cena V
Cartaz: "Quarto de estudos de Galileu – Florença. Madrugada."
Situação de peste = estigmas e perseguições "no ar".
- Galileu (precisa arrumar e catar todos os seus livros antes de sair), mas acaba por não sair com a caleça mandada por grão-Duque; também à Sra. Sarti não vai... Alguém precisa cuidar e fazer comida para Galileu. Virginia e Andrea vão, mas Andrea foge e volta para casa. Passado algum tempo a casa de Galileu é isolada pela peste e a Sra. Sarti some. As dificuldades de Galileu vão ao paroxismo, mas ele não se entrega. Andrea volta dizendo que fugiu, mesmo com o quadro, Galileu, obstinado, apresenta suas novas descobertas a Andrea: Vênus também é uma espécie de lua, que gira em torno do Sol. Soldados trazem e passam-lhe pães com varas (a rua em que moram foi interditada).
Cena VI
"1616 – Colégio de pesquisas – Roma – Vaticano."
Galileu X intelectuais (monges, prelados, astrônomos e filósofos) – aguardam "pareceres" do padre Cristovão Clávio (astrônomo oficial do Vaticano),
por conta da teoria de Galileu.
Cardeal muito velho – Dizem que o tal do Galileu transferiu o homem do centro do universo para algum lugar da periferia [...]. O homem é a coroa da criação, qualquer criança sabe disso, é a criatura mais sublime e querida de Deus. E Deus ia pegar uma tal obra-prima, um tal esforço, para botar numa estrelinha secundária, rolando por aí? Ele ia mandar o filho dele para um lugar desses?" (p. 110)
- Clávio, que negou tudo, ao sair com os outros astrônomos diz que Galileu tinha razão.
Cena VII
"05/03/1616 – Mas a Inquisição põe a Doutrina de Copérnico no Index."
- Baile na casa do Cardeal Bellarmino – todos saúdam e homenageiam.
Galileu Galilei X Bellarmino/ Barbieri
Por conta do "lugar" de Deus
Barberini - Ele quer provar com toda a candura, que, em matéria de astronomia, Deus escreve asneiras! Deus, então, não estudou astronomia, antes de redigir a Sagrada Escritura? (p. 121-2)
- Bellarmino pede a Galileu que abjure, sua teoria, em nome da Igreja. Barberini, p. 124: "É a minha máscara que me permite um pouco de liberdade (p. c. do baile) [...] se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo."
- Cardeal Inquisidor conversa com Virgínia e pede a ela que fique junto ao pai pois, segundo ele, Galileu irá precisar muito dela. O Inquisidor não sabe como ela deverá ajudá-lo, mas ela descobrirá.
Cena VIII
"Uma conversa." Palácio do embaixador florentino em Roma.
Pequeno Monge – Qual é o cabimento da Sagrada Escritura que explicou tudo e disse que tudo é necessário, o suor, a paciência, a fome, a submissão, se ela agora está toda errada? (...) Então, o olho não está posto em nós é o que pensam. Nós é que precisamos cuidar de nós mesmos, sem instrução, velhos e acabados como estamos? Nenhum papel nos foi destinado, afora este papel terrestre e lamentável, numa estrela minúscula, inteiramente dependente, que não tem nada girando à sua volta?" (p. 132)
Galileu X Pequeno Monge
por conta de concepções distintas.
- Galileu, depois de dar alguns papéis para provocar o Pequeno Monge que os lê. P. 137: "[...] E o pior: o que eu sei, eu passo adiante. Como um namorado, como um bêbado, como um traidor. É propriamente um vício, e leva à desgraça. Por enquanto, eu digo as coisas ao fogão, mas, por quanto tempo?"
- casa de Galileu, em Florença: Galileu está com alguns alunos e aparece Filippo Múcio (ex-aluno de Galileu), com quem, em princípio, Galileu não quer falar. No caso o estudioso está de acordo com o Decreto da Santa Congregação de 1616. Têm um embate, Múcio tenta se desculpar, mas, irredutível, Galileu lembra àquele que nem mesmo a peste o fez parar seus estudos. Obstinado e inflexível. No sentido de encerrar a discussão, Galileu brada: "Pois lhe digo: quem não sabe a verdade é estúpido, e só. Mas quem sabe e diz que é mentira, é criminoso!"
Contradição brechtiana:
Ao mesmo tempo em que ocorre a discussão sobre concessão, medo, cooptação; em cena paralela, Virgínia conversa com Sra. Sarti, e esta recomenda àquela que vá procurar um "astrônomo verdadeiro" para saber sobre seu futuro. Virgínia diz que já procedeu assim e fala sobre o assunto.
Galileu é um homem com reputação em toda a Europa. À p.148, ele afirma que seu prestígio aumentou porque ele se calou...
- Sr. Gaffone (reitor de universidade) deixa um livro que deve ser entregue a Galileu (não quer incomodá-lo e roubar seu precioso tempo).
- Galileu e a lição sobre flutuação dos corpos, p. 151 "Muita vez, a causa principal da pobreza é riqueza presumida. A finalidade da ciência não é abrir a porta ao saber infinito. Mas colocar um limite à infinitude do erro."
-Ludovico, noivo de Virgínia, aparece, trazendo novidades de Roma. O papa está morrendo e, provavelmente, o novo papa seja o cardeal Barberini ( que é um matemático). Animado e num ímpeto, Galileu - que estudava a flutuação dos corpos, pela vigilância da Igreja - pede que o balde de gelo seja colocado de lado. Federzoni vaticina: "É o pandemônio da Terra em volta do Sol que vai recomeçar." Galileu, rebate: "O saber será uma paixão e a pesquisa uma volúpia." (p. 156)
Galileu X Frederico
Por conta do reinício da pesquisa com as manchas solares.
- Frederico, noivo de Virgínia, quer garantias: sua mulher não pode ser filha de um herético. Segundo ele, Galileu não tem o direito de atrapalhar a felicidade de sua filha. À acusação, responde Galileu:
Eu poderia escrever na língua do povo, para muitos, em vez de escrever em latim, para poucos. Para as novas ideias nós precisamos de gente que trabalhe com as mãos. Quem, senão eles, quer saber a causa das coisas? Os que só veem o pão na mesa, não querem saber como ele foi assado; esse canalha gosta mais de agradecer a Deus que ao padeiro. Já os que fazem o pão, compreenderão que nada se move, que não seja movido. A sua irmã, Fulgenzio, lá na prensa de azeitonas, não há de ficar muito surpresa, talvez até dê risada quando souber que o Sol não é um brasão dourado, mas uma alavanca: a terra se move, porque é movida pelo Sol." (p.161)
Cena X
Cartaz: "No decênio seguinte os ensinamentos de Galileu se difundem entre o povo."
- Praça do mercado, carnaval de 1632. Jogral canta música, cujo tema é Galileu e a terra.
CENA CORAL, enfoca a rua. Ponto de vista do povo.
Cena XI
Cartaz: "1633: A inquisição convoca a Roma o grande cientista de reputação mundial".
Vestíbulo do palácio de Médicis, em Florença."
Vanni - fundidor presta solidariedade - sobretudo pelas falas de que ele seria responsável pelas falas contra a Bíblia -, Galileu diz estar ao seu lado.
- Galileu conversa com Virgínia achando que está tudo ótimo. Diz que parece exagerado o que Vanni diz sobre ele poder ter haver problemas. Desce o grão-Duque com um funcionário e comunica a Galileu que a sagrada Inquisição o convoca para inquiri-lo, em Roma.
Cena XII
"O Papa"
- Aposento do Vaticano.
Papa Urbano X Inquisidor
defende Galileu acusa Galileu por conta de sublevações e ameaças decorrente das ideias de Galileu.
Obs. - esta cena é antológica. Da negação à paramentarão: não torturar mas mostrar a Galileu os instrumentos de tortura.
Cena XIII
"Galileu Galilei, diante da Inquisição, em 22/06/1633, renega sua doutrina do movimento da Terra".
- Andrea, o Pequeno Monge e Federzoni discutem se Galileu vai, ou não renegar suas teorias (Galileu está há 23 dias na cela esperando o interrogatório). Os três aguardam o sino de S. Marcos, caso ele não seja excomungado e, na hora prevista, o sino não toca. Ficam esfuziantes. No clamor à verdade e à ousadia, a verdade e a Galileu, toca o sino. Andrea, p. 201: "Infeliz a terra que não tem heróis."
Cena XIV
"1633 –1642: Galileu vive numa casa de campo (...) até sua morte. Os Discorsi.
- Galileu quase cego. Virgínia e o monge (espécie de vigia) recebem dois gansos de alguém que está de passagem. Andrea, agora um homem de meia-idade, vai visitar Galileu (porque pediram), está de partida para a Holanda, diálogo é meio duro. Galileu pede para a filha ir ver os gansos, esta pede para o monge a acompanhar. Galileu fala que tem uma cópia dos discorsi escondido no globo. P. 219 "Se você estiver pensando em levá-lo para a Holanda, a responsabilidade é toda sua. Nesse caso, você o teria comprado de alguém que teve acesso ao original, no Santo Ofício."
- p.223: Galileu, a propósito do mercador de lã, a Andrea:
[...] afora comprar barato e vender caro, tem que pensar em outras coisas também. [...] A prática da ciência me parece exigir notável coragem, desse ponto de vista. Ela negocia com o saber obtido através da dúvida. Arranjando saber, a respeito de tudo e para todos, ela procura fazer com que todas duvidem. Ora, a parte maior da população é conservada pelos seus príncipes, donos de terras e padres, numa bruma luminosa de superstições e afirmações antigas, que encobre as maquinações dessa gente. [...] Eu sustento que a única felicidade da ciência está em aliviar a canseira da existência humana.
Cena XV
"1637 – O livro de Galileu, Os Discorsi, atravessa a fronteira italiana."
Cena passa-se em pequena cidade de fronteira. Premidos por velhas tradições, crianças falam em bruxas, e querem saber se elas podem voar. O modo como o controle se dá na fronteira, também, é significativo. Um guarda afirma que se alguém quisesse passar com algo proibido não deixaria a mostra (alusão ao livro de Aristóteles, que Andrea carrega). Liberado, Andrea responde aos meninos que por enquanto as bruxas não podem voar: seria necessário algo preso ao cabo de vassoura em que ela se apoiasse.
Tempo da peça: 1610/1642 [pelo trabalho de uma nova era.]
Assunto: astúcia necessária ao intelectual na sociedade em que vive.
Tema central: transformações da história, por intermédio do próprio homem – "destino do homem é o homem".
"Conflito" (de natureza social) principal:
Galileu X Igreja
Andrea, como metáfora do novo.
[1]Análise preparada por Alexandre Mate para discussão de Pequeno organon para o teatro, de Bertolt Brecht, em curso de extensão: As cenas da rua na rua. (Unesp, abril de 2011).
[2]Bertolt Brecht. A vida de Galileu. São Paulo: Abril Cultural, 1977, p.201-3, tradução de Roberto Schwarz. A propósito disso, Albert Camus, comentando sobre o absurdo e o suicídio (nome aliás do ensaio), In: O mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989, p.23, afirma: "Se me pergunto em que julgar se uma questão é mais urgente do que outra, respondo que é com as ações a que ela induz. Eu nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que detinha uma verdade científica importante, abjurou-a com a maior facilidade desse mundo quando ela lhe pôs a vida em perigo. Em certo sentido, ele fez bem. Essa verdade não valia a fogueira. Se é a Terra ou o Sol que gira em torno um do outro é algo profundamente irrelevante. Resumindo as coisas, é um problema fútil".
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