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terça-feira, 12 de julho de 2011

VARIOS ESCAMBO EM UMA TRAVESSIA OUSADA E PRAZEROSA




VÁRIOS ESCAMBOS EM UMA TRAVESSIA OUSADA E PRAZEROSA

Por Júnio Santos e Ray Lima



Ao passar por entre tudo vi[i]

Que o tudo não existe

Procurei dele fugir não pude

Fiquei alegre e triste



Adoçando a ilusão dos outros

Vou entretendo a ilusão que é minha

Nessa trilha de ilusão há ilusão

A vida abarca uma extensão infinda



Estamos em pleno mar. Arriscamo-nos no tempo incerto com a compreensão de que a maré não está para peixe, pelo menos em relação ao teatro e à cultura popular neste país, principalmente para nós do Movimento Escambo que vivemos longe das capitais e dos processos de distribuição dos parcos recursos destinados ao setor da cultura. Por isso nos deslocamos sem perder o sentido do nosso lugar, navegamos e remamos forte e em alguns momentos contra a corrente. Não é fácil. Porém, temos consciência de que devemos querer mais que as verbas restritas e insuficientes dos ministérios e das secretarias de cultura. Precisamos provocar encontros, e digo encontros que aprofundem o debate sobre os problemas da humanidade por um lado e do ser artista e praticante de arte em uma sociedade devastada pelo consumismo e por uma crise de valores gigantesca por outro. Como alimentar reflexões que nos levem a ações efetivamente coletivas capazes de mudar esse quadro desolador das políticas de migalhas, onde alguns recebem muito para fazer pouco e muitos ficam a ver navios ao pé do muro das lamentações entre seus iguais. Queremos expressar nosso descontentamento com tal conjuntura que massacra nossa arte, ao mesmo tempo em que demonstramos a alegria de ser artista e a partir de nossas práticas denunciar as mazelas do mundo e anunciar possibilidades de superação.

Despertai rueiros do Brasil! Ou tomamos as ruas e os espaços públicos ou seremos privatizados com eles, além de privados do direito de ir e vir, de criar livremente e expressar nosso sentimento de mundo.

O Escambo em Travessia tem, além da função de difundir uma experiência de duas décadas de luta, resistência cultural e reinvenção das práticas do teatro, da cenopoesia e outras formas de manifestação cultural no Nordeste do Brasil, o papel de provocar o desejo de outros grupos e movimentos a se movimentarem a partir de suas próprias forças.

Reune-se a esta função o desejo de tirar o pescoço da forca controladora e dominadora das políticas públicas impostas em forma de bolsas, consolos e editais que muitas e muitas vezes nos divide, nos oprime e nos conduz, de uma forma ou outra, a legitimar o que nunca existiu, não existe e jamais irá existir, se continuarmos a pensar da mesma forma que eles - os gestores burocratas ou burocratas gestores - nem pensam, legalizando suas ações nas instâncias desqualificadas que eles mesmos criaram.

E como podemos sair dessa esparrela? Como poderemos unir nossas forças, potencializar nossas vozes e valorizar nossos fazeres? Como pensar em agir de forma coletiva, unindo na mesma roda de diálogo gente, grupos e movimentos? Como medir nossa força, não pela quantidade de recursos ou apoios que temos ou que virá?

Nessa trajetória temos sentindo que há distância entre o que discutimos nos congressos e seminários e o que praticamos e que isso pode ser uma das causas que nos impede de maior envolvimento entre nós e nossas experiências. Nosso escambo não será medido pela quilometragem, nem pela quantidade - sempre irrisória – de recursos que captamos ou possuímos. Essa distância cruel já mora dentro de nós, esse sentimento reside na forma de organização dos grupos e movimentos fundamentadas pelas regras burocráticas, pela exigência de "mercado", pela busca de uma estética-estática pensada em gabinetes e arregimentada para espaços fechados que não chegam às ruas, distanciadas do livre movimento do teatro que já é da rua porque nasce e vive nela, com bem diz Brecht.

Navegando pelas estradas esburacadas, comendo poeira nos inúmeros "pare-siga" que encontramos, escambamos dentro e fora da Kombi sonhos, dúvidas, lamúrias, vontade de revolução e desejo de encontrar outros e outras, parecidos ou diferentes de nós, ampliar nosso leque de relações com a qualidade necessária para seguirmos lutando e defendendo o acesso à arte  e a vida com dignidade para todos.



E se tem fim esse caminho torto

Não me confiei conhecer ainda

Ou minhas passadas tão curtas se fizeram

Que me foi possível atingir o porto

Mas se tal porto é ponto de partida

Ou de chegada como queira o quero

Então não chego a sair do quarto

Apenas sinto a rotação do cérebro








[i]Lima,Ray. Ultrapassagens. Fortaleza, 1994.





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