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segunda-feira, 7 de abril de 2014

BOLETIM INFORMATIVO FÓRUM DE ARTE PÚBLICA Data: 31 de Março

Amir abre o encontro saudando os presentes. Começa falando que estamos na reta final do Projeto Arte Pública. O projeto estava programado para durar três meses. "Parecia ser muito, agora parece que foi ontem" – Amir.

 Começamos em janeiro, no dia 16, e terminamos agora em Abril, no dia 14. Parecia um tempo longo, mas constatamos ser pouco para tanta gente que se apresentou e que trabalha nas ruas da cidade. Foram lembradas as seis praças da cidade onde o projeto estava sendo realizado: Largo da Lapa, Praça da Harmonia, Praça Tiradentes, Largo do Machado, Saens Pena e Xavier de Brito. Foi até onde tinha que ir, com o dinheiro acabando, acabam as programações, mas as segundas feiras do Fórum continuam, para continuar o pensamento "desse conceito tão antigo, mas tão inseguro" – Amir Haddad.

Está é a ultima semana com agendas nas praças, mas a semana que vem tem intensa atividade, de segunda a segunda. Começa na segunda, dia 07 de abril, quando o grupo Vice Versa, do Acre, vai estar no Rio e se apresentará na Lapa, participando como adesão, e depois participando do Fórum de Arte Pública. Na terça, dia 08, ultimo dia da Aula Pública com o Tá Na Rua, onde todos os artistas estão convidados para participar. Nos demais dias, os grupos curadores estarão visitando as praças, nos dias destinados para as apresentações dos artistas e grupo convidados:

Na quarta, dia 09 Praça Saens Pena, curadoria do Boa Praça;

Na quinta, dia 10, na Praça Tiradentes, curadoria do grupo Tá Na Rua;

Na sexta, dia 11, no Largo do Machado, curadoria do Grupo Off Sina;

No sábado, dia 12, na Praça da Harmonia, curadoria da Cia Mystérios e Novidades.

Na segunda, dia 14, apoteose do projeto na Cinelândia. Todos os artistas estão convidados para participar destes dias. Essa é a rotina desta última semana do I Festival Carioca de Arte Pública.

 A participação de todos os artistas, principalmente quem esteve presente nas praças é importante para engrenar o movimento. Para continuar avançando, crescendo e dando visibilidade. Para sabermos quem somos e quanto somos, que não estamos sozinhos, para mostrar que "Não somos vagabundos jogados, fazendo qualquer coisa na rua, nós somos outra coisa, buscamos outro caminho dentro de um esterilizado... Somos fontes de um futuro a ser construído... A cultura de vanguarda é a nossa retaguarda... Para mostramos ao poder Público que somos a possibilidade e que se estabelece Políticas Pública para a nossa Arte Pública... Arte que não tem discriminação de qualquer espécie... Não tem política para as artes públicas, tem políticas para os espaços confinados... " - Amir.

Fomos muito cautelosos na divulgação do evento, por ele ter um pensamento e um objetivo. Não foi um projeto de competição, mas de coletivização, pois cada um de nós é um mundo e juntos somos um universo.

Aproveitando este gancho, Amir pede para que Dona Terezinha Araujo, uma senhora se apresente. Dona Terezinha é uma bonequeira que cria suas marionetes e os vende se apresentando no bairro do Catete.

 Dona Terezinha: "Eu me apresento com meu filho, nê? Eu faço os bonecos, crio uma brincadeira e vendo eles pra ganhar um trocadinho... sou artesã também... Tó feliz de ta aqui com vocês hoje e aprendendo também, que nunca é tarde para aprender, nê?"

Depois Dona Terezinha mostrou o seu trabalho, pegou uma marionete na figura de Carmem Miranda e cantou:


Pra Você Gostar De Mim

Taí, eu fiz tudo p'rá você gostar de mim
Ah! meu bem, não faz assim comigo não!

Você tem, você tem que me dar seu coração!

Meu amor não posso esquecer
Se dá alegria faz também sofrer
A minha vida foi sempre assim
Só chorando as mágoas que não têm fim

Essa história de gostar de alguém
já é mania que as pessoas têm
Se me ajudasse Nosso Senhor
eu não pensaria mais no amor

Depois nos presenteou com uma apresentação do cantor Falcão:

A Mala

A mulher que eu arranjei é uma mala
não vale nada, eu não quero mais amá-la!

Eu não sei qual o meu crime
ou se é queima de karma.
Mas eu muito já sofri
nas unhas dessa infeliz,
essa desclassificada.
Essa mulher desgraçada
só me dá raiva e gastura.
É a cruz do meu caminho,
é o que há de mais fino
em matéria de grossura.

Ela é sem compostura,
como se fosse um político.
É ruim que nem topada,
é pior do que pancada
na região dos testículos.
Viver com essa pustema,
só eu mesmo é que agüento.
Pra mim é grande castigo
e o que ela faz comigo
não se faz nem com um jumento.

Ela xinga e me aporrinha,
me irrita, me deixa mudo.
Não sabe que a liberdade
é um pássaro voando
com gaiola e tudo.
Mas eu não penso em vingança
porque isso é muito feio.
Mas, porém não existe nada
como um dia atrás do outro
com uma noite no meio.


Uma das finalidades do projeto é a de cadastrar artistas como Dona Terezinha, que são muitos e que estão sozinhos. Com esse cadastramento, teremos um importante documento para mostrar ao poder público, pois o Poder Público não nos conhece e não nos considera. Em cada reunião do Fórum, aprendemos mais sobre nós mesmos e sobre cada um que tem como escolha trabalhar nos espaços abertos.  É um processo ás vezes lento: "A gente avança 10 passos e retorna 09 passos... É um movimento em expansão... Obviamente vivemos uma decadência... Esse mundo acabou faz tempo... Cresce a mítica da ordem, o que é evidente quando existe a decadência... Os artistas são o futuro que nasce das ruínas..." – Amir.

Amir: "Nosso movimento vem de baixo para cima, de dentro para fora. Antes não existíamos, era cada um na sua própria história. Hoje somos uma realidade coletiva. Nosso trabalho é mostrar a nossa existência... A burguesia desenvolveu o Balé na ponta do pé... Paga um preço... É um entrave aqui, uma lesão ali... O povo dança na ponta do pé, no calcanhar no quadril... Representamos o ser humano no seu melhor..."

A arte organiza o mundo, ainda mais quando a cidade está a "beira de um ataque de nervos", como bem ilustrou Amir.

Depoimentos:

Toy, Palhaça Espuma Bruma, argentina: "Queria que a Argentina fosse igual ao Brasil... A gente tem que agradecer como estrangeiros por participar no evento. Quero dizer aqui, muito obrigado!"

Folakemi, cantora inglesa radicada no Brasil: Faço apresentações em Santa Tereza. Meu marido toca violão e apresentamos em todos os lugares... Interessante este pensamento Arte Pública... Não conhecia... Vim aqui conhecer melhor... Quando a gente começou, começamos tocando no metrô... É muito legal... A gente já ganhou muito presente...

Ronald, estátua viva Pierrot Apaixonado: "Somos seres de luz, energia boa... Existem os negativos... São escuros pelo poder, pelo controle... Agente tem que tomar cuidado para não se deixar envolver... Os negativos trabalham 24 horas pelos seus objetivos... Nós temos que trabalhar 36 horas a favor da luz..."

Licko Turle, Tá Na Rua: O conceito Arte Pública já se espalhou por todos os lados... Na cidade de Vitória, no Espírito Santo, o Secs de lá criou o departamento de Arte Pública... Eles não entendem ainda muito bem o que significa, mas estão curiosos e criaram este lugar para poder pesquisar e se aprofundar no conceito. Parece nada, mas é muita coisa... No encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua é um dos pontos que tem sido muito discutido... O encontro que foi realizado agora em Londrina foi organizado pelo MARL, Movimento dos Artistas de Rua de Londrina..."

Herculano, Tá Na Rua: "Foi uma experiência interessante em Londrina... esse rapaz, Sergio, é natural de Mato Grosso e tentou a sorte em Londrina... Acabou nas ruas... Ele estava num canto tocando uma flauta de brinquedo, com uma caixa de sapatos aos seus pés para ganhar algum dinheiro... Ele foi atraído pela movimentação na Praça da Bandeira, no centro de londrina... Ficou por ali e me perguntou se podia participar, que era artista... Eu falei que sim... Primeiro participou do espetáculo do Grupo Rocokoz... Depois quando o cantor Pedro, cantor alternativo das ruas de Londrina, foi se apresentar, ele pegou sua flauta e tocou junto...

Depois pediu a guitarra do Pedro e eu perguntei: Sabe tocar? Sei, ele respondeu. Então pegou a guitarra e mandou uma música do Raul Seixas:

Ouro de Tolo

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73

Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome
Por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa

Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "E daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos

Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal

E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social

Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador

Ah!
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador

A roda se encheu logo, até os policiais que nem davam atenção para ele viraram público. Como o Sergio cantou. O Povo pediu mais um ele cantou:



Maluco Beleza

Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual

Eu do meu lado
Aprendendo a ser louco
Um maluco total
Na loucura real

Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez

Vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Eu vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza

E esse caminho
Que eu mesmo escolhi
É tão fácil seguir
Por não ter onde ir

Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez
Eeeeeeeeuu!

Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez

Vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Eu vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Eu vou ficar
Ficar com toda certeza
Maluco, maluco beleza

Assim que ele terminou, foi muito aplaudido. Pegamos o chapéu e passamos na roda... Todo mundo contribui. Ele não queria receber  e falei que ele merecia, que era um artista e que tinha trabalhado para ganhar... Ele chorou emocionado... Ele tinha chegado encurvado, cheirando mal e com um intenso bafo... No final ele estava reto, sem nenhum odor e sem nenhum bafo... Para completar, um senhor se aproximou dele e perguntou se ele queria sair da rua, trabalhar, no qual ele prontamente respondeu que sim, mas tava sem documento, tinha sido roubado... O homem se identificou como dono de uma construtora, que ele providenciaria os documentos para ele e que viria pega-lo no dia seguinte para o trabalho e que ele podia dormir no barracão até poder pagar um espaço... Curioso, no dia que voltamos na praça, perguntei aos outros moradores de rua por ele, no qual obtive a informação que o Sergio tinha ido com um senhor porque ele ia começar a trabalhar para ele. Detalhe, o companheiro do Sergio foi junto, pois acabou sendo contratado também... São coisas que não tem explicação... É saúde Pública e Arte Pública..."


Encerramento do Fórum:

Pedro Medina encerrou o encontro cantando o nosso salmo:

"Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar


E quanto mais remo mais rezo
Pra nunca mais se acabar
Essa viagem que faz
O mar em torno do mar
Meu velho um dia falou
Com seu jeito de avisar:
- Olha, o mar não tem cabelos
Que a gente possa agarrar"

Foi a primeira vez que alguém cantou a segunda estrofe da música de Paulinho da Viola nos encontros do Fórum dentro do projeto arte Pública.


Termino aqui sempre lembrando que não é uma ata, mas um boletim escrito a partir das minhas anotações e está aberta para acréscimos, correções e observações.


Herculano Dias

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