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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Diversidade na adversidade

Amazônia Encena na Rua: diversidade na adversidade



A terceira edição do festival Amazônia Encena na Rua, realizado pelo grupo O Imaginário, possibilitou-me o contato com a produção teatral e a realidade do norte do país. Dificuldades imensas, como em outras partes do Brasil, entretanto, o festival fez da praça a ágora do agora, inundando-a com poesia.

Quanto a realidade da região, Chicão Santos, membro do grupo realizador do evento, vem chamando a atenção para o custo amazônico. Citarei dois exemplos para ilustrar do que se trata: um grupo do Estado vizinho estava indo para apresentar-se no festival, apesar da pouca distância de Rondônia, teve que viajar até o sudeste para poder chegar ao festival, demorando nove horas. Se houvesse vôos locais chegaria em uma hora no máximo. Um dos atores presentes no evento relatou que precisou enviar uma correspondência, um simples documento, uma folha de sulfite, desembolsou R$ 40,00, em seu Estado costuma pagar a metade desse valor.

Todas essas dificuldades não é impedimento apenas para os moradores da região Norte, mas para todo o Brasil, já que, assim como os cidadãos locais, os demais brasileiros se vêem impedidos de se deslocarem e conhecerem melhor aquela região que representa mais da metade do território brasileiro. É isso mesmo, a Amazônia legal, devido seus altos custos, tem impedido que muitos brasileiros usufruam mais das delicias e da cultura produzida naquela região.

Para além das dificuldades relatadas, o Amazônia Encena na Rua se consolida como evento de grande relevância não apenas para a região, mas para todo o Brasil. Além de reunir artistas de todos os Estados da Amazônia legal, estavam presentes fazedores de teatro de rua de outras regiões do Brasil. O festival reuniu ainda pesquisadores em um seminário que discutiu estética, pesquisa, organização política e ensino de teatro. Esse ano, o evento teve mais uma novidade: a realização de um festival de dança, também ocorrido na praça.

O Seminário, do qual tive a felicidade de participar, proporcionou aos presentes um debate de alto nível, levantando assuntos diversos que não se esgotaram naquele encontro, mas que, com certeza, abalou algumas verdades. Constatou-se a precariedade material dos fazedores de teatro de rua, bem como a força da rede como organização política, a multiplicidade de problemas em todo o Brasil, nas suas múltiplas realidades. Quem ainda desconhecia tomou contato com a Rede de Teatro da Floresta, que visa organizar, discutir e apresentar o teatro que é feito na região amazônica. Questionou-se qual seria o teatro de rua que se faz por ali, já que adentram tribos, comunidades ribeirinhas, onde as ruas são trilhas, crateras etc. Numa tentativa de resposta que não seja definitiva ou absoluta, mas sim aberta, ao mesmo tempo buscando unificar em um conceito essas multirrealidades, penso que é isso o teatro de rua: um teatro que está nos espaços abertos, seja uma praça, a beira de um rio, uma trilha ou uma rua propriamente dita, é isso que o faz marginal (à margem do que é oficial e oficializante), pois ocupa os espaços que não foram pensados para a fruição teatral. Entretanto, o artista, teimosamente, cria um espaço de magia e troca de experiências. Ao ocupar esses espaços com teatro, os artistas o re-funcionalizam, impulsionando e instigando quem faz e quem vê a novas possibilidades.

Novas possibilidades criativas, de troca e de magia, é para isso que o teatro de rua nos aponta. Daí sua marginalidade, pois desorganiza organizando, isto é, ao re-funcionalizar o espaço para o qual não foi pensado ele está desorganizando a função primeira, ao mesmo tempo em que organiza uma nova ordem dentro do espetáculo. Como bem afirma Amir Haddad, "não é o mundo que nos organiza, mas é o espetáculo que organiza o mundo."

Acompanhei apenas dois dias de espetáculos, pois tinha outros compromissos, mas pude constatar essas possibilidades na diversidade dos espetáculos apresentados. Desde o diálogo do palhaço/mestre de cerimônias do evento (Léo Carnevale) que a todos encantava com suas tiradas, ora ácidas, ora picantes; a poesia que invadiu a praça em uma linda noite de luar. Poesia presente não só na Colombina do grupo Será o Benedito?! (RJ) que bailava no ar com sua lira, mas na poesia que começou tímida, retirada de uma caixinha posta em cena, à poesia que brotou das pessoas que lá assistiam e passaram a ser protagonistas do espetáculo. Ou ainda do bêbado/poeta que ocupou a cena do espetáculo  d`Os Tawera criando naquele instante um cordel, que tornou-se poesia pura quando ao finalizar o ator convidou-o a dançar juntamente com o público, naquele momento ocorreu a verdadeira troca de experiências, segundo o conceito Benjaminiano, ou, para citar o mestre Amir Haddad novamente, naquele momento fez-se uma bolha em torno de todos nós, marcando-nos com aquela experiência. Aquele momento apontou-nos novas possibilidades humanas. Certamente aquele cidadão, o ator e todo o público presente, jamais esquecerão aquele instante de magia. Magia essa proporcionada pelo Amazônia Encena na Rua.

Aprendi muito nesses poucos dias que estive em Porto Velho, capital de Rondônia. Aprendi que existe um ritmo chamado capoê-boi-congo; que amarelo não é apenas personagem de Ariano Suassuna, mas boneco do Tocantins; que se forma ao se discutir formação, principalmente se discutirmos na praça, cotejando o saber teórico e o empírico, sem hierarquizá-los; aprendi nas rodas de conversas e trocas de saberes até como se fundam as tradições. Aprendi.

Que venham as próximas edições.



Adailtom Alves – Mestrando em Artes, ator e diretor teatral



PUBLICADO ORIGINALMENTE EM A GARGALHADA 17, AGOSTO/SETEMBRO DE 2010

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