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domingo, 23 de janeiro de 2011

Teatro e ciência


Teatro é ciência, além de arte

Todos concordam que o teatro é uma arte, mas poucos concordariam em dizer que também é ciência. Isso já foi dito antes, o dramaturgo e poeta alemão, Bertolt Brecht, já dizia que o teatro de uma era científica, exigiria do ator uma compreensão em nível científico para que pudesse dialogar com as questões da pauta do dia da sociedade. Mas aliás,  que é ciência mesmo o que quer dizer isso de compreensão em nível científico?
Ciência, conforme conhecida em nossos tempos é um sistema de explicação particular, existem muitos outros legítimos e reais. E o que distingue esse sistema é a existência de alguns critérios, conforme explica Humberto Maturana com os critérios de validação da explicação cientifica (Maturana 2001): 1o. Um fenômeno considerado válido pela comunidade para se explicar, tentar responder o que as pessoas não perguntaram geralmente faz nenhum sentido. 2o. A proposta de um mecanismo gerador, isto é uma receita pela qual podemos reproduzir o fenômeno, ou ao menos afeta-lo de modo previsível. 3o. Que a comunidade aceite essa explicação, colocando em teste esses mecanismos, vendo-os na prática. 4a. Ocorrerá então mudança na conduta, mudança por aceitação de uma explicação contendo um mecanismo gerador, quer dizer, prático e testável.
Um dos nossos problemas coletivos é que a ciência foi, rapidamente, entendida como galinha de ovos de ouro do conhecimento natural, e foi seqüestrada por um grupo de homens egoístas e violentos, que usufruem avidamente de seus frutos, que utiliza os cientistas de modo burocrático e autoritário para a produção de armas, de bombas atômicas a germes virulentos a serem utilizados em guerras de interesse econômico. Trancaram a prática científica dentro de universidades e institutos de pesquisa, de laboratórios sofisticadíssimos e caros, custeados com dinheiro público de modo geral. Desse modo, muito poucos tem acesso a ciência, e muitos menos ainda oportunidade de refletir profundamente sobre os mecanismos e contradições do mundo cientifico. Note-se que não é pequeno o número de pesquisadores e cientistas proscritos oficial e tacitamente pelos barões das ciência do Brasil. Ciência sobremesa, que importa verdades enlatadas de laboratório para mal-empregar o recurso publico de país que luta para sair da miséria, para sair da pior das misérias que é a ignorância, a humilhação, a falta de conhecimento, o obscurantismo e o fanatismo que uma parte enorme de nosso povo está imersa.
Entretanto, a ciência não está longe de nós, ao contrário, é diária e cotidiana. Mais que isso, somos confrontados por diversos problemas cuja maioria deles já tem solução conhecida. Somos cientistas e não assumimos isso, não pensamos profundamente sobre nossos problemas, sequer sabemos que podemos sair de qualquer lama através da reflexão, da identificação de possibilidades e superação através de ações coletivas. Mas para isso é preciso método, jeito de fazer, reflexão, e conhecimento de características básicas do ser humano, da biologia humana, ajudam os segredos da medicina e o conhecimento científico de nossa era, aplicado a serviço da natureza e da humanidade.
O teatro é uma ciência tão antiga quanto o homem, esta apoiado no conhecimento das mais fundamentais leis da biologia cultural humana, se apóia em todos os saberes disponíveis num determinado momento, para se fazer a superação, a transformação, a concretização do sonho em matéria, a utopia que significa o espetáculo humano do possível, do transcendental. Se fundamenta na magia, nos rituais, no mistério inerente da biologia e do viver humano, se fundamenta no fluxo eterno, no contato com dimensões mais profundas de nossa natureza, e que isso é parte fundamental de nossa existência de atores humanos, que sem isso viramos máquinas, com vida mecânica de repetições e falsidades de televisão. É uma questão de saúde, de coerência em uma era científica.
O teatro, como boa atividade humana, é também arte, tem seus métodos e jeitos de fazer,  e é ciência pois está necessariamente ligado às formas de explicar o mundo, conhecimentos, paradigmas vigentes de seu tempo, e estes nos últimos 150 anos testemunhamos em escala global a colonização de um particular tipo de conhecimento, nomeadamente o conhecimento cientifico, que sabemos, contribuiu para os maiores milagres e as piores violências contra a humanidade e o planeta.
Quer dizer, que essa reflexão, desde que aceitas por quem lê, propõe que o teatro, bem como todas as atividades humanas, sejam praticadas com mais responsabilidade científica, e mais ética, pois além de reproduzir idéias da ciência, tem grande responsabilidade por nossa existência coletiva na Terra.
A derrubada das paredes do conhecimento, sua integração da arte a ciência, integrar os saberes e os fazeres, é fundamental para que possamos exercer nossas melhores possibilidades e sentimentos. Como é que você sabe que sabe uma coisa se não faz? E como é que você faz para fazer uma coisa se não sabe?

Vitor Pordeus
Médico pesquisador e ator.

Escrito depois de gravarmos uma conversa com o diretor de teatro Amir Haddad e o cientista Nelson Vaz juntos no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Referências
  1. Laboratório TupiNagô de Arte e Ciência. HTTP://tupinago.blogspot.com
  2. Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde, Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. HTTP://nccsrio.blogspot.com
  3. Universidade Popular de Arte e Ciência do Brasil HTTP://universidadepopulararteciencia.blogspot.com
  4. Maturana H. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Editora UFMG, Belo Horizonte. 2001
  5. Brecht B. Brecht on Theatre edited by John Willet, Hill and Wang, New York, 1964

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