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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Oigalê e Buraco d`Oráculo

Entre um encontro e outro


A primeira vez que presenciei[1]um trabalho da Oigalê CAT foi em 2000. Naquele ano, meu grupo, o Buraco d`Oráculo, participavas do projeto Ademar Guerra, da Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo, que destinava um orientador para grupos iniciantes, de maneira a contribuírem com o aprimoramento e a formação dos mesmos. O Buraco d`Oráculo recebia a orientação de Ednaldo Freire e todos os integrantes buscavam referências ligadas a um teatro de rua popular e foi nessa busca que assisti ao espetáculo Deus e o diabo na terra de miséria, desse grupo gaúcho que se apresentava no Sesc Ipiranga.
Costumo denominar a formação dos integrantes do Buraco d`Oráculo de espontânea, pois não nos formamos dentro de nenhuma escola técnica ou centro acadêmico voltado às artes cênicas, mesmo que no decorrer dos anos os integrantes do grupo tenham se graduado em outras áreas do conhecimento humano. A formação do grupo vem muito da vontade de nos manifestarmos artisticamente por meio do teatro. Neste sentido, na busca de uma formação que se dar fora das escolas é que lançamos um olhar observador sobre tudo aquilo que pode nos inspirar, motivar e, sobretudo, ensinar-nos. Naquela época, via-se pouco teatro de rua pelas plagas paulistanas, ainda que houvesse a existência de alguns coletivos, mas uma programação mais constante veio eclodir anos mais tarde. Por isso, sabendo da apresentação de um grupo vindo de fora, eu e alguns companheiros nos dirigimos para ver o supracitado espetáculo.
De inicio, já fomos fisgados com aquilo que hoje chamamos de esquentar a roda: os atores conversavam e brincavam com o público, procurando estabelecer um jogo enquanto se preparavam para entrar em cena. O espetáculo narra a historia de um tipo popular, um anti-herói, um sujeito que tem de usar da esperteza para sobreviver. O espetáculo nos cativou por apresentar expedientes populares dos quais buscávamos referenciais. Talvez por conta de nossas raízes, até aquele momento tinha mais referenciais relacionados ao Nordeste do Brasil. Para além do jogo e do popular, havia no espetáculo apresentado um excepcional trabalho de ator, aliado a um virtuosismo na utilização da perna de pau. Portanto, afirmo que a Oigalê, neste primeiro momento, apontou varias questões fundamentais à nossa formação. E ainda que mais jovem do que o Buraco d`Oráculo, a Oigalê tornou-se uma referência para nós que nos afirmávamos como grupo de teatro de rua e tinha o popular como fonte de inspiração.
Passado esse primeiro encontro, seguimos o nosso trilhar. Por diversas vezes ocorreu o retorno da Oigalê com outras produções a São Paulo, no entanto, por conta de compromissos não mais pude vê-los. Porém, em 2008, é realizado em São Paulo a 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, evento que, por si só, já demonstra um cenário bem diferente daquele apresentado em 2000, no qual pouco se sabia quem de fato estava fazendo teatro de rua. Juntamente com a Mostra, isto é, dentro de sua programação, ocorreu o 4° Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR) e este acontecimento possibilitou um reencontro com a Oigalê, visto que estava na programação e como articuladores da região sul no encontro da RBTR.  O encontro da RBTR é sempre significativo, pois permite a troca entre os grupos, o debate político e a possibilidade de se travar conhecimento das diversas realidades do Brasil, além de aproximar pessoas e coletivos de relevância histórica na área teatral.
Portanto, a RBTR nos aproximou daquele grupo que a oito anos atrás tinha nos mostrado possibilidades de atuação na rua. Feito as devidas aproximações de companheirismo, de nos colocarmos como parceiros de lutas e na articulação por um teatro de rua cada vez mais expressivo e digno, faltava estabelecer uma troca artística.
Quando o Buraco escreveu o projeto Narrativas de Trabalho, contemplado na 16ª Edição do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo, inserimos em seus objetivos uma ação pedagógica, que possibilita o aprendizado por meio da troca de experiências. Então, para efetivarmos as relações construídas com a Oigalê, convidamos Hamilton Leite para aplicar uma vivência com base no trabalho desenvolvido na Oigalê. Essa vivência, ocorrida na primeira semana de novembro de 2010, deixou-nos relevantes pontos para o nosso trabalho futuro. Hamilton não nos trouxe algo extraordinário, ou mesmo novo, mas sim o exemplo, por meio de diversos exercícios, de como o desenvolvimento do trabalho do ator está relacionado ao aprimoramento de seu repertorio pessoal. Por meio do trabalho com imagens e jogos, tomando o corpo como elemento central do jogo cênico, vivenciamos a possibilidade de criações cênicas por outros caminhos, o que nos deu uma noção de como são construídos os trabalhos da Oigalê.
Como forma de ilustrar o que discutimos e praticamos durante três dias, fomos agraciados com o belo espetáculo Negrinho do Pastoreio, apresentado na 5ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, ocorrido no mesmo período. Ali pudemos identificar também os elementos que havia no primeiro espetáculo, presenciado em 2000.
A relação de troca estabelecida com a Oigalê, é um exemplo claro de como, de fato, atualmente os grupos de teatro de rua estão conectados e atuando em rede, o que tem nos permitido construir um mecanismo de aprendizagem baseado na troca de experiência entre os grupos. E hoje, já somos mais que alguns, somos milhares espalhados de norte a sul deste imenso palco chamado Brasil.
Vida longa a Oigalê CAT!!!!!

Edson Paulo – ator do Buraco d`Oráculo

Publicado originalmente no Informativo da Oigalê CAT




[1]Apresento um relato em que misturo minha história e a de meu grupo, por isso o uso de primeira e de terceira pessoa.

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