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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ser tão urbano

A ALDEIA QUE HABITAMOS É O SERTÃO
Por Adailtom Alves[1]
O grande Guimarães Rosa, afirma que "o sertão está em toda parte", já o mestre russo, Tolstoi, propõe que ao falarmos de nossa aldeia seremos universais. Partindo dessas duas proposições o Buraco d`Oráculo realizou uma pesquisa em comunidades da zona leste da cidade de São Paulo. O projeto fazia parte da comemoração dos dez anos de existência do Grupo e foi realizado graças aos recursos do Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. O objetivo era descobrir qual o sertão de um grande centro urbano como São Paulo. E o sertão se traduziu em muitas histórias de sujeitos desterritorilizados, muitos vindos do Nordeste brasileiro; vidas áridas, sofridas e um infinito de vivências. Encontramos o sertão que procurávamos, ao mesmo tempo, encontramo-nos, pois cada integrante teve que se reencontrar ao revisitar sua própria história.
Com tanta riqueza de material, não foi fácil selecionar sobre o que falar no espetáculo. Entretanto, em todas as comunidades repetia-se as lutas por moradia e tudo que de mais básico necessitam as mesmas. Estava feito o recorte: sujeitos que partem de seu lugar de origem e precisam organizar um novo lar. Todos os integrantes do Grupo residem na mesma região que esses cidadãos, portanto, falaríamos de nossa aldeia. Depois de montado o espetáculo, as primeiras apresentações foram nas comunidades por onde passamos registrando os relatos. Devolvíamos, em forma de arte, o que seus habitantes haviam vivido e nos relatado. Mas, e fora dali, daquela região será que o espetáculo funcionaria? Comunicaria?
Passo a relatar três experiências que marcou o Grupo profundamente, dando-nos a certeza das máximas propostas por Rosa e Tolstoi. A primeira ocorreu dentro de um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), na cidade de Sumaré. Ansiávamos por esse momento, pois entendíamos que o espetáculo refletia a luta desses cidadãos, ainda que tratasse de lutas antigas o tema continuava atual. Foi emocionante. Uma plateia de mais de quinhentas pessoas reconhecendo-se nas histórias ali narradas. Após o espetáculo, no debate, muitos relataram sobre como suas lutas estavam refletidas nas propostas apresentadas, outros empolgados em criar um grupo teatral para falar de suas angústias, ao que apoiamos e nos colocamos a disposição para auxiliar, até porque um teatro comprometido deve ser uma ferramenta do contra discurso da mídia hegemônica. Assim, com essa arte será possível reforçar a luta daquele acampamento e de todo o movimento.
Outra experiência se deu na cidade de Porto Ferreira. Após a apresentação uma senhora, já com cabelos brancos, acabara de sair da missa, foi pega pelo espetáculo e fez questão de conversar com cada um dos atores, explicando que sua história estava refletida naquele trabalho. Havia sido expulsa de alguns lugares que ocupara com os movimentos sociais da região, sempre duramente reprimida e até aquele momento ainda não tinha sua casa. Relatava que estava feliz porque nós estávamos tendo voz para contar aquelas histórias, pois ela e muitos companheiros seus não tiveram oportunidade de falar. Era nosso dever, continuar.
Quando começamos o nosso processo percebemos que seria uma mudança radical em nosso trabalho, tudo que havíamos criado anteriormente, ainda que fosse um teatro crítico, não cumpria o mesmo que se anunciava. Trabalhávamos basicamente com o universo farsesco. Política e estética andam juntas, por isso a forma modificou-se, pois forma e conteúdo são inseparáveis. Somos seres sociais e não era mais possível não colocar em cena o nosso universo de maneira mais contundente.
A terceira experiência deu-se dentro do Fórum Social Mundial, na cidade de Canoas-RS, no Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua da região sul. A programação compunha-se do encontro organizacional e uma mostra teatral. Encerramos a programação. Na plateia, atores do Rio Grande do Sul e de outros estados do Brasil, além do público da cidade de Canoas. Foi uma comoção, no sentido de co-mover, mover-se junto. Ali tivemos certeza de que o sertão está em toda parte e quão importante é falarmos de nossa aldeia. Mas a certeza maior foi de que havíamos dado um passo em nosso trabalho ao qual sempre almejamos: realizar um teatro que cumpra uma função social, que contribua para o enriquecimento crítico daqueles que fazem e daqueles que veem, permitindo entre ambos (atores e público) uma verdadeira troca de experiência, afinal estão todos no mesmo nível e pertencem ao mesmo estrato social: são todos trabalhadores, pessoas do povo. É provável que a obra ainda necessite de ajustes, porém o caminho apontado por ela, não.

Publicado originalmente em a Poética da Rua, caderno 2: 2009/2010, p. 34-5.




[1]Ator do Buraco d`Oráculo e mestrando do Instituto de Artes da UNESP.

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