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segunda-feira, 28 de maio de 2012

A rua como espaço cênico: possibilidades e desafios


Adailtom Alves Teixeira 

Cada época tem um espaço privilegiado de representação, em geral, determinado pela classe dominante. Mas, na atualidade existe algum espaço privilegiado? Sabe-se que a cena à italiana tem mais de trezentos anos de hegemonia e que, mesmo que tenha sido questionada ao longo do século XX por diversos encenadores, ainda permanece como espaço privilegiado. Quanto à rua, sabemos que não é o espaço da elite, que a tem apenas como escoadouro de mercadorias, sendo um local perigoso, que deve ser evitado. Logo, a arte que ocupa esses logradouros também não é vista com bons olhos, pois, os lugares e aqueles que a ocupam são dotados de valores. Hoje, porém, cada vez mais os espaços públicos abertos das grandes cidades estão inseridos em um movimento mundial de privatização, já que tudo no capitalismo precisa virar mercadoria. Por isso, a arte que ocupa as ruas permanece como possibilidade de acesso a todos, sobretudo da classe trabalhadora, tão usurpada em seus direitos; ao mesmo tempo é uma resistência ao sistema hegemônico.

A cidade é portadora de duas dimensões fundamentais: a de mercado e a de centro de decisões políticas, que não devem ser esquecidas ao se criar uma obra para o espaço aberto. Por isso, tudo que há nela está carregada de significados e recebem influências econômicas, comunicativas e culturais. Quem vai para a rua precisa pensar a cidade e como vai ocupá-la com o seu teatro. Além disso, é sempre bom refletir: qual o lugar de onde se fala e para quem se fala. 

Ruas e praças, ao serem ocupadas pelo teatro, tornam-se ágoras, local de discussão política. Política diz respeito a polis, a cidade e tudo que está nela. Por isso mesmo, ir à rua com o teatro é uma tomada de decisão política. E isso, ao longo da história, sempre ocasionou perseguições de toda ordem. No Brasil, a história recente está cheia de exemplos, mas basta citarmos os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes, projeto que foi abortado devido à ditadura civil-militar. Na atualidade os absurdos persistem: o Tá na Rua, grupo carioca com mais de trintas anos de existência, foi impedido de apresentar-se na praça onde atuavam por anos, considerada sua sede pública , isso devido à “limpeza” que vem sendo encampada pelo poder público daquele município por causa de dois grandes eventos esportivos que se aproximam. E os exemplos se multiplicam: atores apanhando da polícia em Fortaleza/CE, atores presos em Porto Alegre/RS, artistas impedidos de se apresentarem em São Paulo/SP, entre outros. E quantos mais devem ocorrer e que não se fica sabendo?

Entretanto, os artistas tem se organizado para enfrentar esses abusos e também para lutar por políticas públicas de cultura que possam incluí-los. Hoje, existem movimentos estaduais em São Paulo, Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, entre tantos outros Estados. Todos esses artistas e movimentos juntaram-se na Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), criada em Salvador/BA em 2007. A RBTR, hoje, é o único movimento nacional da categoria teatral organizado nacionalmente, com articuladores em quase todas as unidades federativas.

A RBTR já realizou dez encontros, o último ocorreu na cidade de Santos/SP, de 26 a 30 de janeiro de 2012. A cada encontro são tiradas as pautas de lutas. A Carta de Santos pode ser acessada em: http://teatroderuaeacidade.blogspot.com/2012/02/carta-de-santos-rbtr.html.

A rua tem se caracterizado como um espaço importante, em relação ao acesso teatral. Entretanto, os artistas que escolhem esse local têm enfrentado problemas ao longo da história, seja por suas proposições políticas, seja simplesmente porque a cidade precisa “ser controlada”. Daí a rua ser, ao mesmo tempo, um espaço democrático e de resistência. Democrática para o público (nada os prende, a não ser o interesse pela obra) e para os artistas, pois oferece inúmeras possibilidades quanto a criação artística; e de resistência às estruturas de poder e as artes hegemônicas.

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