A liberdade não é uma escolha entre
vários possíveis, mas a fortaleza do ânimo para não ser determinado por forças
externas e a potência interior para determinar-se a si mesmo. A liberdade,
recusa da heteronomia, é autonomia. Falarei quando minha liberdade determinar
que é chegada a hora a vez de falar." (Marilena Chaui)
São
várias as ironias do destino quando observamos o cenário das políticas públicas
específicas para a área da cultura em nosso país. Não sou cientista social ou
político, mas quero aqui propor um exercício muito simples: contrapor teoria e
prática. A PEC 150/2003, parece esquecida na Câmara Federal, mas alguns
apontamentos podem ser úteis no momento em que se aproxima a III Conferência
Nacional de Cultura, aliás, alguém aí têm informações sobre a implementação das propostas das duas
primeiras conferências, seja no nível nacional, estadual ou municipal? Não! Na
cultura, políticas públicas permanentes parecem algo tão impossível quanto derreter
neve usando um machado.
A proposta de acréscimo do artigo 216A à constituição brasileira é definitivamente
urgente, tornar a cultura direito básico de todo cidadão e estabelecer
percentuais mínimos de investimento para as esferas municipais (1%), estaduais
(1,5%), e federal (2%) é o mínimo que se espera de um estado que não é criador
de cultura, mas que mantém seu papel no fomento, no incentivo, e na formulação
de políticas públicas para o setor, e isso requer uma coisa que os políticos
parecem não serem capazes: abandonar qualquer pretensão política em prol de um
bem quantitativo e não qualitativo e
isso meus amigos não dá voto, e é
isto que move a descontinuidade, e falta de coesão da maioria dos gestores
públicos nas pastas de cultura .
Podemos inclusive afirmar que a PEC/150
bebe direto da fonte desbravada por Marilena Chauí na época em que a mesma
esteve à frente da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. Chauí disseminou
e aplicou, sem rodeios e sem interesse em futuras aventuras políticas, o
conceito de cidadania cultural, pena que alguns gestores do PT pareçam não ter
compreendido de fato que este conceito não opera na manutenção de distinções
pífias entre periferia e centro, entre cultura erudita e popular, entre negros
e brancos. Operar neste nível de
discussão é manter a cultura a serviço de meras articulações políticas, é fazer
agitação e politicagem em detrimento do que de fato é importante: ações
estruturantes. Basta ver que a primeira luta de Chauí foi em torno da ampliação
da Biblioteca municipal. Operar em outros níveis de discussão pode nos levar a
loucura de aplaudir ou vaiar prisões de políticos envolvidos em casos de
corrupção sem nos atentarmos ao problema mais gritante desta situação: a
necessidade de que os políticos renovem não apenas suas táticas de articulação interna,
mas sua relação com a sociedade civil. Tudo se torna muito complicado quando
apoiamos menos recursos para a cultura, e para piorar usamos como desculpa,
investimentos maciços em apenas um equipamento cultural que não desenvolve
ações culturais estruturantes, e atualmente, para piorar nem é visto como
potência para isto – o pior cego é o que não quer ver, e a pior desculpa a
falta de autonomia! Faca de dois gumes que deixa um hiato entre teoria e
prática: onde está a cidadania cultural? No uso de uma desculpa da aplicação de
verbas da gestão anterior no teatro municipal? Justificando a covardia de um
gestor que não briga por mais verbas para a Cultura? Somos contingenciáveis?
Estão mantidas as velhas e perversas táticas de partidos políticos que não buscam
outra coisa senão a manutenção do poder, seja em falsas e burlescas
conferências de cultura, seja na falta de escrúpulos na busca do voto
favorável. É. A situação é complexa. Talvez seja mesmo mais fácil derreter neve
usando um machado...
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Recomendo a todos, para
aprofundarmos a reflexão, à leitura desta entrevista com Chauí http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/transcricao_marilena_chaui_1297189488.pdf
além de seu maravilhoso livro Cidadania
Cultural O Direito à Cultura publicado pela editora Perseu Abramo.
Uilson Júnior Francisco Fernandes
é mestre em Filosofia e professor substituto na Universidade Federal de
Uberlândia – membro do Conselho Municipal de Política Cultural – ator e
produtor da Trupe Tamboril de Teatro de Uberlândia-MG. E-mail para contato uilson_ufu@yahoo.com.br
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