Adailtom Alves Teixeira
Mestre em Artes pela Unesp
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Quadrilha. Carlos Drummond de Andrade
As redes ganharam impulso nos anos 1990, não por acaso foi a época da política mundial do neoliberalismo, que visa diminuir as obrigações do Estado, terceirizando serviços, privatizando empresas, entre outros problemas. Após a crise do petróleo no final dos anos 1970, dois governos reacionários reestruturam suas políticas e exportaram seus modelos. Os governos foram o de Margareth Thatcher (1979-1990), na Grã-Bretanha, logo seguida por Ronald Reagan (1981-1989), nos Estados Unidos da América. Na Europa, houve um recuo em relação as conquistas da classe trabalhadora, que na reconstrução dos países pós Segunda Guerra Mundial, havia conseguido melhorias com a implantação do Welfare State ou Estado do Bem-Estar Social. Para Thatcher, não existe coletivo, sociedade, apenas indivíduos, estes, por sua vez, deveriam travar uma luta entre si, numa selvageria evolucionista, em que apenas "os bons" sobreviveriam.
O resultado dessa política é uma radicalização da individualidade. Por sua vez, os anos 1980 são marcados pela revolução tecnológica e comunicacional. Assim, o planeta "encolheu" e tudo passou a ser "instantâneo". O mundo ficou menor e pudemos começar (ou desejar) a nos vestirmos como europeu, comer comida japonesa, praticar dança afro e acompanhar notícias da Índia. É a tal da globalização. No campo social, aumentou ainda mais a distância entre ricos e pobres.
No Brasil, o neoliberalismo chega no inicio da década de 1990 com Fernando Collor de Melo, que, além de raptar o dinheiro dos brasileiros, no campo das artes, entre outras coisas, acabou com a Fundacen (Fundação Nacional de Artes Cênicas), arrancado pelos artistas em plena ditadura civil-militar. Contraditoriamente, a Constituição Federal de 1988, pós ditadura civil-militar, foi criada com o objetivo de caminhar em direção a construção do Welfare, aumentando assim as responsabilidades do Estado. Mas Collor começou o desmonte, seguido por Fernando Henrique Cardoso e continuado em diversas propostas por Lula.
Assim, em meio a esse cenário, se no campo das políticas partidárias e de governo se desenhava o modelo thatcheriano, no campo social, viu-se surgir muitas organizações políticas visando garantir o cumprimento da Constituição e avançar nas políticas sociais. As redes surgem nesse contexto. Mas o que vem a ser uma rede?
Vou tomar aqui as proposições de Cássio Martinho, que após apresentar um panorama histórico da constituição das redes no Brasil, afirma que as mesmas são "um conjunto de pontos interligados" (2004:23). Os pontos, nós, vértices ou elos se ligam a outros pontos, que são os articuladores da mesma. "As redes tornaram-se a principal forma de expressão e organização coletiva, no plano político e na articulação de ações de grande envergadura, de âmbito nacional ou internacional, das ONGs e dos novos movimentos sociais" (MARTINHO, 2004: 16).
Uma rede não é uma entidade, mas sim, uma forma organizacional, que tem como característica a não-linearidade: "a circulação de informação de forma não-linear (isto é, aleatória, não controlada) é capaz de produzir um processo circular de aprendizagem crescente que leva, como consequência, à reorganização dos próprios elementos do sistema" (MARTINHO, 2004: 25). Desse ponto de vista uma rede gera uma grande e múltipla aprendizagem, pois eu posso aprender com pessoas que estão em situação e região diferente da minha; um erro que ocorre em um dado lugar serve de exemplo a outros tantos, assim elimina-se a probabilidade de repetição do mesmo; bem como uma prática que deu certo dentro de dado contexto poderá ser repetido em outro lugar, respeitando as particularidades regionais.
Outro elemento importante em uma rede é a ausência de hierarquia, sem, no entanto, significar baderna ou desorganização, mas sim horizontalidade, o que leva a criação de múltiplas lideranças. Para Martinho, não são os pontos os mais importantes em uma rede, mas sim, as linhas, isto é, as conexões.
É o relacionamento entre os pontos que dá qualidade de rede ao conjunto. Não se tem um diagrama de redes só com pontos, mas com efeito, pode-se perfeitamente desenhar uma rede só com linhas: os pontos aparecem no entrecruzamento das linhas. São as conexões (as linhas) que dão ao conjunto organicidade (...). E é o fenômeno de produção dessas conexões – a conectividade – que constitui a dinâmica de rede. A rede se exerce por meio da realização contínua das conexões; ela só pode existir na medida em que houver ligações (sendo) estabelecidas (2004: 28-9).
Assim, pontos desligados não compõem a rede. Isso parece claro, mas é importante frisar, porque não basta dizer que é ou que está na rede, é preciso fazê-la balançar, se conectando a outros pontos. Dessa forma se chega à densidade da rede, a capacidade de conexões de uma rede. Se o mais importante são as linhas e não os pontos, é isso que demonstra a densidade da rede, ou seja, a capacidade de conexões que cada ponto pode gerar. O que, por sua vez, demonstra o potencial de ação prática da mesma, isto é, a capacidade de um articulador "explodir" em várias conexões com outros articuladores, possibilitando a troca e o aprendizado. Essas "explosões" podem ser intra-rede, bem como extra-rede, aí depende de como a mesma se constitui. São essas ações que potencializam a organização: ações externas tendem a ampliar a rede; ações internas tendem a fortalecer os laços. Afinal, as conexões potenciais não postas em ato, em prática, pode vir a esfriar as relações na medida em que o tempo passa.
Martinho apresenta uma equação na qual é possível medir o potencial de relacionamentos das redes. Supondo que sejam 200 articuladores, o cálculo ficaria assim: 200 x (200 -1): 2 = (200 x 199): 2 = 39.800:2 = 19.900. Essas quase vinte mil conexões, segundo a equação apresentada pelo autor, seria as possibilidades de relações que podem ser geradas em uma rede com 200 pessoas, desde que elas estejam espalhadas em diversos pontos. "Cada ponto (pessoa), ao estabelecer uma conexão, amplia os limites da rede" (MARTINHO, 2004: 43). As redes são descentralizadas, sem centros, logo, também sem periferias; se realiza por múltiplos caminhos, por isso cria as horizontalidades e por isso impede o desmantelamento da mesma, já que não depende desse ou daquela pessoa, mas sim das conexões que, a cada instante, pode dinamizar e redirecionar a rede. Desse ponto de vista sua estrutura é invisível: "Na verdade, as pessoas, de modo geral, só veem a rede quando precisam dela" (MARTINHO, 2004: 69). É por isso que ao acionar a rede, ainda segundo Martinho, cria-se uma dinâmica de comunidade. E é essa dinâmica de comunidade, do que é comum, que precisa ser potencializado cada vez mais.
As redes podem ser temáticas ou territoriais. Muito embora, algumas congregam os dois aspectos, isto é, pode ser temática, embora relacionada a um território, mas, nesse caso, geralmente é o tema que aglutina e mobiliza as pessoas. Quanto a ação, as redes podem ser de trocas de informações ou operativas:
(...) as redes operativas têm como projeto muito mais do que apenas trocar informação. São elas, necessariamente, redes de troca de informação, mas essa função é apenas mais uma entre tantas atividades que realiza. Esse tipo de rede também desenvolve pesquisas e estudos; estabelece e conduz processos de interlocução e negociação políticas; realiza o acompanhamento de políticas públicas; promove processos de formação e capacitação; faz campanhas públicas de sensibilização, esclarecimento e mobilização; atua na defesa e conquista de direitos sociais e causas coletivas; capta e distribui recursos; presta serviços; e, em alguns casos, como o das redes de socio-economia solidária, realiza mesmo atividades de produção, circulação e até regulação econômica. A maioria absoluta das redes da sociedade civil brasileira é do tipo operativo (MARTINHO, 2004: 94-5).
Assim, uma rede pode "ser um instrumento de transformação da vida" (MARTINHO, 2004: 95). O surgimento pode ser espontâneo ou induzido, mas só ocorre se as pessoas perceberem um projeto comum. Segundo Martinho, os encontros presenciais são pontos de partidas para muitas redes, afinal primeiro se identifica os parceiros, depois o projeto comum. O autor apresenta algumas perguntas norteadoras para a constituição de uma rede: quais os objetivos, área de atuação, a quem beneficiará, o que pretende fazer, entre outras, ou seja, perguntas importantes para qualquer projeto político e toda rede operativa é uma forma de intervenção na sociedade.
Um comentário:
Adailton, um artigo muito bom e útil para o entendimento de uma rede, da sua organização e funções.
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