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Posted: 04 Nov 2013 01:53 PM PST
Brasília, 02 de outubro de 2013
Os direitos territoriais e culturais dos povos indígenas não são uma invenção, mas sim resultado da luta e do compromisso de reconhecer a nossa inegável realidade de uma sociedade plural, formada de diferentes povos e múltiplas culturas, que têm sido desqualificadas. Até então, a Constituição Federal de 1988 serviu – e serve – como marco para essa luta por direitos, ao declarar em seu artigo 231 que aos índios são reconhecidos "sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
A luta pela transformação do direito não pode ser a luta pela ampliação de privilégios, ou ampliação das estruturas de dominação, mas sim a afirmação de outros modos de bem viver, de viver junto, viver na interculturalidade. Desse modo, fazer a defesa dos direitos dos povos indígenas é fazer a defesa da Constituição, da democracia e da diversidade constitutiva do povo brasileiro.
O atual cenário de ameaça aos direitos fundamentais dos povos indígenas evidencia que o Direito está em disputa, com ataques constantes à democracia e ao pluralismo, por meio de atos como a PEC 215/2000 que transfere a competência para normatizar sobre demarcação de terras indígenas (TI) para o Congresso Nacional; o PLP 227/2012 que ao definir o que é bem de relevante interesse da União tende a preservar os latifúndios, cidades, e, entre outros, empreendimentos econômicos em áreas indígenas, além de disciplinar o processo demarcatório; a PEC 237/2013 que permite que produtores rurais tenham posse sobre terras indígenas por meio de concessão, permitindo atividades como arrendamento; a PEC 38/1999 que retira do Poder Executivo a função de demarcação das terras indígenas; o PL 1610/1996 que trata da mineração em terra indígena, silenciando sobre a consulta prévia.
Os ataques ainda são sentidos por medidas como a Portaria no 303/2012 da Advocacia-Geral da União que dispõe sobre "salvaguardas" institucionais às terras indígenas, em desacordo com a Convenção 169, bem como restringe ampliação de áreas e ainda determina revisão dos processos de áreas já regularizadas, tomando como referência as condicionantes definidas pelo STF no julgamento do processo da TI Raposa Serra do Sol – PET 3388; a Portaria Interministerial no 419/2011 que regula o processo de licenciamento ambiental, porém estabelece prazos irrisórios para o trabalho e manifestação da Funai, resultando na maior celeridade na liberação de licenças beneficiando principalmente grandes empreendimentos em terras indígenas, e, ainda, o Decreto Presidencial no 7957/2013 que regulamenta a atuação das forças armadas na proteção ambiental, autorizando, em consequência, a repressão militarizada afetando principalmente povos indígenas e tradicionais que se posicionam contra empreendimentos em suas terras.
Esses atos legislativos e administrativos violam direitos adquiridos e tendem a dificultar o processo de demarcação de terras indígenas, para favorecer sua exploração econômica e a implantação de megaprojetos (hidrelétricas, mineração e agronegócio). A lógica expressa dessas medidas está na contramão das conquistas de direitos indígenas no Brasil, desde 1988, e no âmbito internacional.
A esses ataques somam-se também as decisões judiciais que acirram conflitos ao conceder reintegração de posse a proprietários/as não-índios que são ocupantes de terras indígenas em processo de regularização, e entre outras, a recente investida contra o usufruto exclusivo das terras indígenas traduzidas nas "19 condicionantes" estabelecidas por ocasião do julgamento da Ação Popular - Petição no 3388/2012, que entre outros aspectos, afronta a livre determinação afirmada na Declaração das Nações sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007 e à consulta prévia, livre e informada como declara a Convenção OIT/169.
Acordos políticos transformam os direitos indígenas em moeda de troca, em barganhas políticas, e os processos demarcatórios seguem com pouca transparência, retomando, a nosso ver, a lógica do biombo que imperou na década de 1980, no período da ditadura, descumprindo preceitos constitucionais, legais, e em afronta aos tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é signatário.
Assim, práticas institucionais e posturas de agentes políticos e outros agentes públicos que se fundamentam em uma visão de mundo que não respeita a diversidade e que afirma um único modo de vida cultural, político e econômico, não podem ser levadas à frente, já que inequivocamente ofendem a vontade constituinte originária, realizando uma etnocracia quase intransponível para a efetivação constitucional a partir do que enuncia o artigo 231, e violando um dos princípios reitores da Constituição que é assegurar a dignidade da pessoa humana e o pluralismo.
Os povos indígenas estão vivendo uma situação ultrajante de insegurança jurídica, sofrendo permanentemente com as ameaças de terem seus direitos suprimidos, e qualquer interpretação da Constituição que restrinja o alcance dos direitos fundamentais dos povos indígenas deverá ser recusada, pois, do contrário, se estará negando aos povos indígenas a possibilidade de sobreviverem física e culturalmente nos seus próprios termos.
Ao Direito e à Antropologia, aos profissionais do direito e aos/as antropólogos/as, assim como às instituições a que estão vinculados, cabe a tarefa de colaborar com a promoção dos direitos socioculturais dos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais presentes e atuantes na sociedade brasileira; denunciar os ataques aos direitos territoriais desses grupos; e desmascarar as estratégias de parlamentares, administradores e mesmo operadores do direito contrários à realização dos direitos difusos como conquistas sociais e políticas reprimidas em nosso país.
Desse modo, nós, pesquisadores e pesquisadoras do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo do Centro de Pesquisa e Pós Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília (LAEPI - CEPPAC/UnB) e do Grupo de Pesquisa em Direitos Étnicos da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (MOITARÁ - FD/UnB), reunidos/as com juristas e antropólogos/as, ativistas e lideranças indígenas importantes no país, para conhecer, refletir e debater sobre a realidade atual dos povos indígenas no que se refere aos seus direitos territoriais e culturais, manifestamos nossa preocupação com o cenário de violações graves e sistemáticas aos direitos indígenas, que tem resultado em mortes e sofrimentos e consternado não só a nós cidadãos e cidadãs do Brasil, mas também a apoiadores internacionais, e, diante do risco de retrocessos,
Repudiamos a arbitrariedade do governo manifestada na paralisação dos processos de demarcação de terras indígenas; a falta de apoio e proteção aos grupos de trabalho responsáveis pelos estudos antropológicos de identificação e delimitação de terras indígenas; as constantes ofensivas legislativas e administrativas que suprimem, retardam ou tendem a eliminar direitos dos povos indígenas às suas territorialidades;
Afirmamos nosso compromisso na defesa incondicional dos direitos fundamentais dos povos indígenas, quilombolas e de povos e comunidades tradicionais, e
Pleiteamos a cada um/a dos/as Ministros/as do Supremo Tribunal Federal, aos Desembargadores/as dos Tribunais Regionais Federais e aos Juízes/as Federais que assegure a supremacia constitucional e lhe confira máxima efetividade no que diz respeito aos direitos fundamentais dos povos indígenas, garantindo, assim, que cada povo e cada comunidade indígena no Brasil possa viver livre do temor e da ameaça à sua existência cultural e a seus direitos territoriais, e não sejam, por isso, compelidos a lutar até a morte por seus direitos fundamentais.
Assinam pelos/as pesquisadores/as do LAEPI e do MOITARÁ
Cristhian Teófilo da Silva LAEPI-CEPPAC/ UnB Coordenador
Ela Wiecko V. de Castilho MOITARÁ-FD/UnB Coordenadora
Nota:
Esse documento está baseado nas falas das autoridades dos povos Xucuru-Cariri: Pajé Antônio Honestino; do Cacique Xavante; de jovens lideranças indígenas e de representantes dos povos Kraô Canela, Tupinambá, e nas exposições e contribuições dos pesquisadores/as e militantes indígenas e não indígenas: Henyo Trindade Barretto Filho, Stephen Grant Baines, Ela Wiecko V. de Castilho, Joenia Wapichana, Anastácio Peralta (do povo Guarani e Kaiowa), Othon Leonardos, Denise Hauser, Ana Aline Furtado, Liliana Salvo, Rosane Kaingang, Lívia Gimenes, Daniela Alarcon, Ricardo Verdum, Sandra Nascimento, Antônio Oneildo Ferreira, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Monica Nogueira, no Colóquio Interdisciplinar sobre "Povos Indígenas e demarcações de terras: a resistência, o confronto e os desafios jurídicos e antropológicos" realizado no dia 02 de outubro de 2013, no auditório do Centro Cultural Evandro Lins e Silva do Conselho Federal da OAB em Brasília, em apoio à mobilização indígena nacional.
Terena, Wapichana, Xerente, Pataxó, Kaingang, Xucuru-Kariri, Meinako do Xingu, Guajajara, Ashaninka, Maraguá Amazonas
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