Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória
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Marcelo Zelic: Até quando indígenas brasileiros serão assassinados impunemente por causa da terra?
publicado em 8 de agosto de 2012 às 11:39
Cacique potiguara Geusivan Silva de Lima, assassinado na Paraíba Foto: CIMI
Caros Conceição Lemes e Azenha,
É com tristeza que encaminhamos a matéria abaixo publicada pelo CIMI, sobre o assassinato do Cacique Potiguara Geusivan Silva de Lima e de Claudemir Ferreira da Silva.
"É muita covardia: dentro de nossa terra,da qual somos filhos, andamos assombrados.
Porém, não tenho medo de bandido e se tiver que morrer defendendo meu povo, se essa for a vontade de Tupã, que seja feita. Não vou abandonar a luta". Cacique Geral Sandro Potiguara.
No momento em que a Comissão Nacional da Verdade acolhe proposta de trabalho feita pela Associação Juízes para a Democracia, Comissão Justiça e Paz e Grupo Tortura Nunca Mais-SP criando o subgrupo Campo, sob coordenação de Maria Rita Khel, para levantarmos de forma colaborativa a situação das violências sofridas pelas populações indígenas entre 1946 e 1988, (bem como dos camponeses), vemos com pesar que estas práticas se perpetuam em nossa sociedade.
Nos dedicamos a esta tarefa de levantar e sistematizar as violências sofridas pelos índios como forma de subsidiar a Comissão Nacional da Verdade, na certeza de que estes fatos passados vindo à tona, trarão luz para que a sociedade tire da invisibilidade as questões de vida e morte que envolvem os índios hoje em nosso país. Até quando?
Até quando a cobiça e o lucro continuarão a assassinar e atuar impunemente? Até quando a cana e a soja valerão mais que a vida das pessoas? Por que a FUNAI e a Polícia Federal não atuam no sentido de se cumprir a lei e retirar aqueles que durante décadas exploram comercialmente e ilegalmente estas áreas? Quanto sangue será derramado, quanto medo será imposto à rotina e vida destas pessoas até que o Estado brasileiro faça algo?
A terra dos índios potiguara que no começo do século 20 se extendia pelo litoral do Rio Grande do Norte e Paraíba foi sendo reduzida e ocupada nos anos 80 pelo Exército e Polícia Militar para ser retalhada ainda mais, favorecendo interesses de fazendeiros, mineradora e usineiro da região. Também oficializando um território na Paraíba, através de demarcação que retirou 14 mil hectares de suas terras, intimidando a população local, ameaçando suas lideranças, inclusive produzindo o único indígena brasileiro exilado no Canadá e reconhecido pela ONU saído destas terras onde resistiam a esta opressão, depois de ser preso, torturado e ter sua casa incendiada.
A retirada imediata de todos que usam e abusam ilegalmente das terras potiguara é a unica reparação possível para fazermos justiça em respeito à vida deste líder indígena assassinado e seu companheiro, pois este será mais um crime político que ficará longe das barras dos tribunais, como tantos outros que têm acontecido em nosso país, tais como os caciques e lideranças ameaçadas e assassinadas no centro-oeste brasileiro.
É preciso que a sociedade se envolva nos trabalhos de pesquisa da Comissão Nacional da Verdade para que venha à tona as práticas do passado de modo a mudarmos nosso presente, reforçando e aprofundando através da justiça de transição mecanismos de combate à impunidade, de transformação e fortalecimento de uma justiça para todos. Este crime contra o Cacique Geusivan e Claudemir não pode ficar impune e no silêncio, pois atinge a todos nós brasileiros e brasileiras.
Cópia deste email está sendo enviada à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para que sejam tomadas as devidas providências no sentido de realizar ação de desintrusão dos fazendeiros e não-índios desta área indígena, gesto concreto que esperamos seja tomado pelo estado brasileiro a favor da vida e da democracia.
Atenciosamente,
Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória
MORRE CACIQUE POTIGUARA VÍTIMA DE ATENTADO NA PARAÍBA
por Renato Santana, de Brasília, CIMI
Na ocasião, os pistoleiros atiraram também contra Claudemir Ferreira da Silva, mais conhecido como Cacau, não-indígena que fazia a segurança de Geusivan e atirou-se contra os assassinos para proteger o cacique. Cacau tinha 37 anos e morreu no local.
"Estamos de luto e tristes, mas infelizmente esse luto é também dos povos indígenas brasileiros que estão vendo suas lideranças sendo assassinadas", afirma Capitão Potiguara, da aldeia Forte, e integrante da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).
Geusivan já tinha relatado à Polícia Federal que vinha sofrendo ameaças de morte. Cacique Capitão diz que o povo Potiguara quer que o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo se sensibilize com a morte e tome providências junto à Polícia Federal para identificar os assassinos, os possíveis mandantes e garantir a segurança dos caciques ameaçados.
Com o assassinato do cacique são seis as lideranças que já denunciaram ameaças aos organismos federais – outros três caciques afirmam terem sofrido ameaças, mas não registraram oficialmente.
A Polícia Federal abriu inquérito na última quarta-feira, 1º, para apurar os assassinatos de Geusivan e Claudemir. Questões fundiárias e um quadro de violência na região permeiam a lista de lideranças Potiguara marcadas para morrer.
O atentado
Geusivan foi baleado com dois tiros na cabeça enquanto jogava dominó numa praça da aldeia Brejinho, município de Marcação, litoral norte paraibano. Conforme uma testemunha do ataque, que prestou depoimento para a Polícia Federal, dois homens armados abordaram Geusivan e ordenaram que ele deitasse de bruços.
Antes de executá-lo, porém, os pistoleiros foram abalroados por Claudemir Ferreira da Silva, o Cacau, jovem que estava com o cacique na hora do ataque e não era indígena – os demais caciques o apontam como segurança de Geusivan. Cacau, no entanto, foi atingido por vários disparos e morreu no local.
No chão e ao lado do companheiro morto tentando defendê-lo, Geusivan recebeu ao menos três tiros, sendo dois deles na cabeça. Antes da fuga, de acordo com a testemunha, um dos assassinos disse: "Agora só faltam dois".
Informações não oficiais dão conta de que as armas utilizadas pelos pistoleiros eram revólveres calibre 38, descarregados no local. Também que um dos assassinos, o indivíduo que pilotava a moto, se manteve de capacete durante toda ação; já o acompanhante estava com o rosto à mostra.
De acordo com o cacique geral do povo Potiguara, Sandro Gomes Barbosa, o atentado não é um fato isolado e se soma a ameaças, agressões e tentativas de homicídio sofridas por sete caciques Potiguara e relatadas para a Polícia Federal e Ministério Público federal (MPF) entre 2011 e este ano.
Questão fundiária
No último mês de abril a comunidade da aldeia Brejinho retomou 90 hectares de área ocupada por fazendeiro de cana de açúcar – localizada dentro da terra indígena já demarcada, mas sem extrusão realizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Cacique Geusivan liderou os indígenas, apesar das dificuldades oriundas do fato de ter tido uma perna amputada depois de acidente automobilístico. Tão logo se deu a reocupação da área, a comunidade colocou abaixo toda a plantação de cana, iniciando a construção de moradias e abrindo roçados.
A medida atendeu decisão dos 32 caciques Potiguara: dentro das terras indígenas do povo, nenhuma muda de cana deveria ser plantada e as lavouras existentes não renovadas; os arrendamentos de terra, por fim, impedidos. Como as cidades de Marcação, Rio Tinto e Baía da Traição se confundem com as aldeias, o policiamento foi intensificado para combater roubos e violências.
Tais medidas e a retomada de abril fizeram com que Geusivan passasse a sofrer ameaças. Nos últimos meses recebeu telefonemas dizendo que iriam arrancar a outra perna dele, além de avisos dando conta de que sua vida seria ceifada. Com os outros caciques não foi diferente, incluindo o cacique geral.
No mês de maio homens armados foram até a casa de Sandro, mas não o encontraram. "Meu filho disse que eu não morava mais ali, que tinha mudado de endereço. Se eu estivesse em casa teria sido morto. Em julho agora motoqueiros me perseguiram. Não vamos abandonar a luta, mas só Tupã mesmo para nos proteger", afirma o cacique geral.
Ausência do Estado
"Nunca a Funai tomou vergonha para tirar os não-indígenas das terras já demarcadas e até homologadas. Seguem aqui como posseiros que arrendam terras para a cana, latifundiários usineiros. Então a gente retoma terras e luta contra a cana e a consequência são as ameaças contra nossas vidas", explica o cacique Aníbal Cordeiro Campos, da aldeia Jaraguá.
Na noite de 22 de março de 2009, um domingo, cacique Aníbal viu a porta de sua casa ser arrombada e por ela entrar homens armados. Tentou se defender, mas acabou levando cinco tiros. Sobreviveu e seguiu nas lutas Potiguara, mas traz no corpo ainda as marcas do ataque: uma bala alojada na cabeça.
A Polícia Federal instaurou inquérito, mas nunca chegou aos pistoleiros e possíveis mandantes. Este ano Aníbal voltou a receber ameaças, assim como o cacique José Roberto, o Bel, da aldeia Três Rios, e o vice-cacique Josesi, que também sofreu um atentado, além dos caciques Pintado, da aldeia Capoeira, Alcides, da aldeia São Francisco, Capitão, da aldeia Forte e cacique Oliveiros, da aldeia Ibykuera.
O clima de tensão e insegurança entre os Potiguara é grande, fazendo com que familiares e amigos de Claudemir Ferreira da Silva, morto ao defender o cacique Geusivan, pedissem escolta policial durante o velório e enterro. "Ontem (quinta-feira, 2) à noite deram tiros lá na aldeia Brejinho depois de enterrarmos Cacau. Essa é nossa situação", lamenta cacique Bel.
As denúncias de ameaças registradas pelos caciques na Polícia Federal, ao menos em alguns casos, envolvem indígenas cooptados por latifundiários da cana de açúcar e não-indígenas que residem dentro do território de ocupação tradicional e arrendam áreas para a plantação de cana.
"É difícil de dizer quem é que está fazendo isso com nosso povo. A polícia precisa investigar para descobrir. Temos essa situação de combater a cana de açúcar, da violência, da luta pela terra, de impedir os arrendamentos, mas não podemos afirmar quem é", analisa Capitão.
Situação das terras indígenas
Os Potiguara do litoral norte da Paraíba se dividem em 32 aldeias entre as três terras indígenas registradas e declaradas pelo governo: Jacaré do São Domingos, Potiguara de Monte Mor e São Miguel. Juntas somam35.328 hectares. A ocupação não-indígena nelas é acentuada. Em São Domingos, posseiros plantadores de cana conseguiram liminares na Justiça para continuarem na terra já registrada.
Em São Miguel uma usina de cana ocupa área de 14 mil hectares e joga no rio que corta o território vinhoto, inutilizando-o para a pesca do camarão e peixe, prática tradicional dos Potiguara, durante seis meses no ano. Já nas aldeias que compõem a terra Monte Mor, a presença não-indígena ultrapassa 7 mil indivíduos em 1.653 ocupações, além de mais usinas de cana de açúcar.
"É muita covardia: dentro de nossa terra, da qual somos filhos, andamos assombrados. Porém, não tenho medo de bandido e se tiver que morrer defendendo meu povo, se essa for a vontade de Tupã, que seja feita. Não vou abandonar a luta", enfatiza o cacique geral Sandro Potiguara.
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