Diálogo mudo: o ciclo das
conferências
Adailtom Alves Teixeira[1]
Todos sabem que o
botão fechar a porta na maioria dos
elevadores é absolutamente inútil, colocado ali apenas para que o usuário tenha
a sensação de que de alguma maneira pode interferir na velocidade do elevador.
Na verdade, quando se aperta aquele botão, a porta se fecha exatamente na mesma
velocidade em que o faria se apertássemos o botão do térreo. Esse caso extremo
de participação forjada é uma metáfora apropriada para o papel acordado entre
cidadãos, no nosso processo político pós-moderno.
Slavoj Zizek
Foi
dada a largada para um novo ciclo de conferências na área da cultura, sendo que
as municipais devem ocorrer até 11 de agosto, as regionais até 15 de setembro,
as estaduais até 29 de setembro e a III Conferência Nacional ocorrerá em
Brasília de 26 a 29 de novembro de 2013. As informações poderão ser obtidas no
site www.cultura.gov.br/3cnc.
As
conferências fazem parte do Sistema Nacional de Cultura, sendo um canal de
comunicação da sociedade civil com o poder público. Mas até que ponto as
demandas, as propostas tiradas nas conferências são, de fato, encaminhadas
pelos governantes? Até que ponto não se torna apenas um falso diálogo, como o
aludido pela epígrafe? Ou até que ponto não é apenas o aspecto econômico que
tem prevalecido no encaminhamento das propostas por parte do poder público?
Se
tomarmos a I Conferência Municipal de Cultura na cidade de São Paulo, em 2004,
das mais de 600 propostas, o que realmente foi posto em prática? É possível ser
categórico. Nada. Quanto a I Conferência Nacional, todo o empenho por parte da
sociedade civil ao debater e criar propostas no sentido de tornar a cultura um
fator importante no desenvolvimento humano e da cidadania, vem sendo
encaminhado apenas pelo viés econômico. Dinheiro aqui é importante. Mas é
preciso esclarecer que, enquanto os delegados pleiteavam investimento direto do
Estado, este, tem relegado ao mercado o encaminhamento das políticas públicas
de cultura. Os números e as práticas são claros quanto a esse aspecto.
Fontes
do próprio Ministério da Cultura (Minc) dão conta de que o orçamento para 2013
é de quase 3 bilhões, sendo que 2 bilhões são destinados às leis de renúncia
fiscal, isto é, o Estado abre mão de seu direito e delega aos departamentos de
marketing das empresas para que eles digam o que é ou não cultura, o que é ou
não digno de ser “patrocinado”. E quem são os principais patrocinadores? Os
três maiores, por ordem, são Petrobrás, Vale e Banco do Brasil, que em 2012
“investiram” respectivamente 80 milhões, 40 milhões e 39 milhões de reais.
Logo, se tomarmos apenas esses dados é possível perceber que o dinheiro é
público duas vezes. Afinal, entre os principais patrocinadores temos uma
empresa e um banco estatal. É importante destacar que os governos Lula/Dilma
dobraram o orçamento da renúncia fiscal, portanto, ampliaram o latifúndio
cultural. Em 2012, na Lei Rouanet, foram captados 1,23 bilhões.
E
quem fica com esse dinheiro? De acordo com matéria da revista Caros Amigos de outubro de 2012, quase
70% dos recursos ficam em São Paulo e Rio de Janeiro. Dezessete estados ficaram
com 1% e Acre, Roraima e Tocantins tiveram índice zero. Só que os recursos são
ainda mais concentrados, apesar de serem dois estados ricos da federação, os
recursos ficam concentrados apenas em alguns bairros da capital dessas unidades
federativas.
Se
tomarmos uma área como a do teatro, perceberemos um pouco essa distorção. Na
cidade de São Paulo está em cartaz um musical que teve um custo de produção no
valor de 50 milhões de reais e que se utilizou da Lei Rouanet, da renúncia
fiscal. O ingresso mais barato custa R$ 280,00 reais, logo não é qualquer
trabalhador que poderá ter acesso a essa produção financiada com recursos
públicos, já que o patrocinador deixou de pagar impostos para “financiar” essa
produção. Por outro lado, a Funarte (Fundação Nacional de Artes), autarquia do
Minc, lançou nesse ano o edital Myrian Muniz, destinado à circulação, produção
e manutenção das atividades teatrais. Serão 108 propostas contempladas em todo
o território nacional, com recursos da ordem de 10 milhões. Sobre a distorção,
os dados falam por si só.
Outros
aspectos revelam como o encaminhamento das políticas públicas de cultura tem
optado apenas por seu vetor econômico, como a criação de uma Secretaria de
Economia Criativa, bem como a reformulação da Lei Rouanet no Procultura, que
mantém o princípio da renúncia fiscal, inclusive em 100%, apesar da maior parte
dos produtores de arte clamarem pelo seu fim. A aprovação do Vale Cultura é
outro aspecto dessa revelação; previsto para iniciar em setembro desse ano,
deve injetar na economia 7 bilhões de reais. Apesar de ser um vale destinado ao
trabalhador, é importante perguntarmos: em um país em que o gosto cultural é
formado pela indústria cultural de massa, quem irá se beneficiar desses
recursos?
Outros
aspectos poderiam ser levantados, como as metas do Plano Nacional de Cultura,
mesmo tendo três dimensões (simbólica, direito de cidadania e potencial de
desenvolvimento econômico), o terceiro parece ter um grande destaque, até
porque se espera que, em breve, a cultura corresponda a 4,5 do Produto Interno
Bruto. Essa é a expectativa do Minc.
Como
se vê, apesar do clamor da sociedade civil nas conferências, nos conselhos e
outros órgãos de participação, não temos revertido o que parece ser a grande
diretriz dos governos, em especial do governo federal: ampliar o latifúndio
cultural. Com essa política, fazem mais do mesmo, em que apenas poucos podem
produzir e dizer o que é ou não cultura, o que é ou não arte, enquanto a imensa
maioria deve receber passivamente.
Uma
possibilidade de mudança dessa realidade também vem sendo solicitada há
bastante tempo; são duas PECs (Proposta de Emenda Constitucional): a PEC
150/03, que organiza os recursos destinados à cultura, sendo 2% da União, 1,5%
dos estados e 1% nos municípios; e outra é a PEC 236/08, que torna a cultura um
direito social. Ambas estão paradas no Congresso Nacional.
Os
dados aqui levantados demonstram um empenho por parte da sociedade civil em
modificar a realidade da cultura no Brasil; para tanto tem participado
ativamente dos canais estabelecidos para o diálogo, mas na prática, os rumos da
política cultural tem dado preferência ao lobby e não às reais demandas dos
brasileiros. Dessa forma, o diálogo fica mudo: fala-se bastante e se tem a
impressão de que estamos sendo ouvidos, mas ao executar as propostas ou se
distorce o que se ouve ou nada é feito.
Publicado originalmente no Jornal Brasil de Fato, edição 544.
[1] Mestre em Artes; articulador da Rede
Brasileira de Teatro de Rua; ator e diretor teatral.
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