Novos rostos
no encontro desta segunda feira e muita riqueza de informação e vivência.
Cia dos Prazeres:
Tivemos a
visita do grupo de eatro Cia dos Prazeres, grupo que nasceu a partir de um
trabalho desenvolvido no Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, pelo ator Lucas
Wegliski. A Cia participou do Projeto Arte Pública na Praça da Harmonia,
curadoria da Cia Mystérios e Novidades e Ligia há algum tempo vinha convidando
o grupo para conhecer o Fórum de Arte Pública. Lucas, diretor do grupo nos
contou que é carioca, mas por um tempo esteve estudando e trabalhando em São
Paulo com o Grupo Oficina do diretor José Celso. De volta ao Rio de Janeiro, á
convite de Heloísa Buarque de Hollanda, criou um acontecimento teatral que
celebrasse Lima Barreto, autor homenageado na recém criada FLUPP (Feira
Literária da Periferia). Oferecendo oficinas que misturava jogos de teatro e
música, logo teve adesão de 60 jovens dos Prazeres e assim nasceu o espetáculo
“Barreto dos Prazeres, do Subterrâneo do morro ao cemitério dos Vivos: Rasga
Coração!”, que contava e cantava a vida do escritor, em 2012. Hoje, já com três
anos de atividade, o Grupo conta com 45 pessoas e estreamos em maio o
espetáculo “Salve os Prazeres”, terceiro espetáculo da Cia, que conta a
história da comunidade.
Lucas: O
espetáculo é um labirinto afetivo pelo lugar onde a Companhia nasceu e que
queremos celebrar cantando sua historia. Provocamos os jovens atores a buscar a
memória da comunidade, qual seu trajeto afetivo, quem são as pessoas que todos
conhecem e seus feitos lembrados pelas suas ações pela comunidade, como os
antigos heróis gregos. Assim fomos percorrendo os caminhos do morro, visitando
casas, conhecendo as avós, tias e velhos moradores que ainda mantinham viva a
memória dos Prazeres para construir a narrativa de nossa pesquisa... Os
moradores não sabiam muito da sua história... É uma ópera popular para os
moradores... Fazemos uma procissão ambulante do espetáculo morro acima e morro abaixo...
Atualmente o grupo está sediado na Escola Monteiro de Carvalho... Arrumamos o teatro que tinha virado
depósito... No inicio o pessoal da escola estranhava, a gente tirando a camisa
para ensaiar... Hoje existe uma relação... Dois anos passamos trabalhando por
amor... Ano passado, pela primeira vez ganhamos um prêmio da prefeitura com um
projeto falando do Morro dos Prazeres... Deu para bancar o trabalho... Este
ano, sem um centavo, criamos o Rito do Nascimento, comemorando o aniversário do
Abdias. Começamos a ver que estávamos muito ilhados, vimos que estávamos
sozinhos... Legal o convite da Ligia para a gente conhecer o Fórum, ela já
tinha nos convidado antes.
Depois desta
apresentação, Claudia, uma das
integrantes do grupo, perguntou o que era o Fórum ao foi respondido que “Aqui é
a reunião de vários grupos e artistas... onde artistas que fazem arte de rua se
encontram... Para falar da arte que realizamos... A gente não faz pelo
dinheiro, mas fazemos como se tivéssemos e como é bom ter dinheiro para fazer o
que a gente faz. Parece que não merecemos... Para o mercado o que fazemos não
tem valor... Não tem valor porque não rende dinheiro. A gente não faz para
ficar rico, a gente faz por Prazeres... (Amir Haddad)”
Leo
Carnevale: - A reunião de arte pública não é só teatro, mas de quem é artista e
está atuando nas praças públicas...
Amir: -
Encontramos as mesmas alegrias e as mesmas tristezas. Nós estávamos sozinhos...
Quando você sabe que não está sozinho, rompe as barreiras... Aqui se faz arte
pública, discute arte pública... Cada grupo tem sua história, seus problemas, a
ambição não é de chegar ao topo... Aqui a gente tenta organizar esse
pensamento, o que é um artista público, o que é arte pública onde tudo é
privado. Queremos ser artistas públicos, não somos poucos, somos muitos.
Cadastramos 760 artistas de rua dentro do projeto... Aqui nós existimos... Não
queremos ser o outro teatro, não queremos nos adaptar aos editais... O teatro
que a burguesia conhece e que não nos reconhece. Queremos políticas públicas...
Não queremos aderir aos espaços onde as artes das elites acontecem... É bom ter
você aqui, que existe está possibilidade e que se estimule essa produção da
vida cultural... É diferente do que a burguesia apresenta... Arte pública é a
nova possibilidade, onde possam se expressar sem o preciosismo técnico, sem o
virtuosismo... O que nós temos de humano é suficiente... A gente não sabe que
cara nós vamos ter lá na frente, no convívio urbano... A gente se coloca como
as forças desarmadas da cultura, cada um com seu próprio jeito, sua história...
Não queremos ser transgênicos... O momento é importante, estamos elaborando um
documento pedindo políticas públicas, onde se crie um lugar, um setor para
cuidar... Um setor especial público para fomentar a arte pública... Se a gente
conseguir, vai ser um avanço. Vivemos no mundo do capital... Remamos contra a
maré... Não queremos edital... Queremos fermento para as artes públicas... Que
os grupos sejam escolhidos pelo seu trabalho... Não é edital, é apoio...”.
As Meninas Caras Pintadas:
Também
tivemos a presença de Maria Tereza e Sonia do Grupo Caras Pintadas que vieram para o encontro
depois de estarem se apresentando nos ônibus, tocando música e declamando o
poemas. Vestidas com seus figurinos, foi interessante sua participação pelo
depoimento da vivência que tiveram enquanto trabalhavam:
Maria
Tereza: “Na sexta feira de noite, no primeiro ônibus que a gente entrou,
enquanto a gente trabalhava teve um cara que bateu no vidro respirou fundo e
começou a bater de novo. Teve um momento que ele disse que conhecia a gente e
que éramos sapatões do Nós do Morro e que estavam incomodando a ele que tinha
pago passagem... A gente falou que não queríamos incomodar ninguém, que só
estávamos fazendo o nosso trabalho... Ele insistiu e falou que pagava a nossa
passagem para descer e nós respondemos que não queríamos descer, que só
queríamos falar de poesia. Perguntamos aos passageiros se queriam que
descêssemos.... Todo mundo ficou contra ele, que a gente devia continuar. Ai um
começou a contribuir para o chapéu, outro... O chapéu ficou cheio, fizemos
nosso trabalho e quando estávamos nos despedindo para descer, o mesmo cara que tanto reclamou,
chamou a gente, disse até que enfim e
contribuiu com o chapéu também. Uai, a gente agradeceu e descemos. Foi
engraçado...”
Sonia: “Hoje
á tarde, enquanto a gente estava cumprimentando os passageiros de um ônibus,
teve uma senhora que ficou indignada e perguntou o que a gente estava fazendo.
Respondemos: Arte! Ela falou que a gente não estava fazendo arte, ela fazia,
ela disse que era bailarina e que trabalhava o dia inteiro...”
Maria
Tereza: “A senhora acha que eu faço o quê? Eu amo o que faço! Adoro o meu
trabalho...”
Sonia: “Ela
sentou, viu a gente trabalhar e depois no final contribui para o chapéu... É o
que a gente enfrenta no dia a dia, mas eu não troco o que faço por nada...”
Amir:
“Quando se está na rua é mais fácil. Dentro do ônibus a discussão se
estabelece. Ela é bailarina. Tudo é arte pública, nasceu livre... A dança se
fechou mais. Ela diz – eu sou capaz de equilibrar em cima do dedão – e sofre
com isso.”
A Relação com o Poder Público
Claudio,
artista ligado com os movimentos culturais das favelas falou sobre as questões
das UPPs e acha muito importante a discussão sobre arte pública como possibilidade.
O artista é que tem que fazer, não ficar a encargo de editais para as UPPs. Nas
comunidades aumentam os espaços culturais, mesmo que ao pé do morro. “A gente
tem uma obrigação anti-UPP... É estado policial... Na UPP a proposta é
agressiva... Teatro não é negocio de UPP. A gente nem escolheu, escolheram por
nós... Essas discussões tem que ir para esses núcleos... Também somos Arte
Pública...”
Maria Helena,
do Tá Na Rua: “Tem que ter diálogo com o poder público, com o Estado... O
projeto da Arte Pública onde cadastramos 700 artistas foi através disso do
diálogo com o Prefeito, nem foi com a Secretária de Cultura. Estou falando isso
por que apesar da verba ter vindo da Prefeitura, não quer disser que
concordamos com tudo o que o Prefeito faz... Se estiver errado nós falamos...
Em todos os encontros com o Prefeito, o Amir sempre falou o que pensa e o
Prefeito escuta, por que quem está se expressando é o cidadão. Tem que entender
que o cidadão tem que ser ouvido, é um exercício que tiraram da gente... Aqui
no fórum nós exercemos... Não é concordando com a UPP, mas é se organizando.
Nós queremos expandir esse pensamento nas comunidades, faz parte também dos
questionamentos do Fórum...”
Abrindo o Baú
Pedindo a
Palavra, Richard, do Grupo Off Sina, comentou que estava pensando se deveria ou
não abrir o baú da memória, mas que decidiu abrir para contar toda a história
da formação do fórum, desde o primeiro momento em que nós juntamos por causa da
Operação Choque de ordem, concedendo poderes para que a guarda municipal
impedisse camelôs e artistas de rua de trabalharem nos espaços abertos: “Foi
uma deixa para que entrássemos em contato e elaborássemos uma ação contra a
ação que estávamos sofrendo... Foi batendo o tambor e com nosso ofício que
fomos para a Cinelândia, não como uma forma de protesto... Nós manifestamos
como uma proposta benéfica para a cidade. O Amir estava lá narrando quando veio
o convite da então secretária de cultura Jandira Feghalli para a gente se
reunir com ela para falar da situação... Fomos eu, Amir e Maria Helena para
falar com ela... A proposta dela era um decreto nos permitindo trabalhar nos
espaços públicos... O Amir viu aquilo e disse não para a secretária... Ele
deixou claro que decretos não assegurava
ninguém, decretos podem ser revogados... Não era isso que interessava.
Ela não quis saber muito, saiu da sala e nos deixou com o assessor dela... Foi
um desrespeito... Fomos embora e continuamos a nos reunir. Neste momento, o
vereador Reimont que estava acompanhando nosso processo elaborou uma lei que
nos beneficiava e que estava tramitando na Câmara de Vereadores. Continuamos
indo para a rua nos manifestar... A lei foi aprovada... Quando foi para o
gabinete do prefeito para ser assinada, ele vetou a lei. De novo fomos nos
manifestar contra este ato... O Prefeito marcou uma reunião com os artistas de
rua para falar sobre o veto... Foi aqui, na Casa do Tá Na Rua... A casa ficou
cheia... Ele demorou a chegar... Antes tinha mandado seus assessores para ver
como estava o ambiente... Quando chegou foi engraçado... Tinha um rapaz vestido
com uma máscara di diabo... O prefeito levou um susto... Quando subiu as escadas,
viu aqueles artistas, vestidos á caráter com suas roupas de trabalho... Tinha
um púlpito preparado para ele. Ficaram lado a lado, Amir e o Prefeito Eduardo
Paes. O Prefeito já veio preparado, oferecendo o mesmo decreto que já tínhamos
rejeitado. Amir falou NÃO, decreto não, decretos podem ser revogados, repetiu
ele, com a mesma firmeza que tinha falado com a Jandira e acrescentou que o que
precisávamos era da lei que a plenária da Câmara tinha aprovado e ele, o
Prefeito, tinha vetado. Está lei possibilitava que o artista de rua estivesse
amparado para que pudesse exercer seu ofício, sem medo. Decretos eram para as
gavetas vazias. Então, tendo aquela platéia de artistas como testemunha, o
Prefeito voltou atrás e declarou que iria pedir para a sua bancada vetarem o
seu veto, o que aconteceu e no dia da votação nós estávamos lá, nas galerias...
O veto do Prefeito caiu e a Lei 5429 do Artista de Rua foi aprovada em
definitivo... E nesta mesma reunião o prefeito acrescentou que mandaria que a
secretária de cultura apresentasse um edital para os artistas de rua... Ficamos
animados, já estávamos quase aplaudindo... Conseguimos a palavra do Prefeito
que mandaria aprovar a lei e ainda conseguiríamos um edital... Foi quando mais
uma vez o Amir disse NÃO, não queríamos edital, editais eram excludentes e não
seriam os artistas de rua que seriam beneficiados, somente os mesmos que se
inscrevem e que nem seriam artistas que se apresentam nas ruas... O que
precisamos é de projetos que possibilite esses artistas a se valorizarem e a
ajudar em constituir políticas públicas para as artes públicas, edital não!...
Então o Prefeito pediu que elaborássemos um projeto para atender os artistas de
rua e que teria recursos oriundos do seu gabinete. Não esperávamos isso... Deu
certo medo no início, como elaborar esse projeto? O conceito de Arte pública
era muito novo para nós... Então constituímos esse Fórum para elaborar o
projeto... Toda segunda-feira nos reuníamos para falar do projeto e discutir e
entender o que é Arte Pública... Elaboramos o projeto... Apresentamos na
Secretária de Cultura... Primeiro se chamava Arte Pública, Uma Política em
Construção... Depois, com instruções da secretária, para facilitar o repasse
dos recursos, refizemos a proposta do projeto e virou O Primeiro Festival
carioca de Arte Pública... Demorou a sair, mas sempre acreditando... Quando a
verba saiu, tivemos que correr para executar o projeto... O projeto abraçava
seis praças da cidade tendo grupos que já atuam nestes locais... O Off Sina
cuidou do Largo do Machado, o Tá Na Rua do largo da Lapa e da Praça Tiradentes,
O Boa Praça atuou na Sans Peña e na Praça Xavier de brito, na Tijuca e a Cia
Mystérios e Novidades na Praça da Harmonia, na Gamboa, Zona Portuária... Foi
difícil o começo, mas depois conseguimos engrenar... Durante três meses
artistas e grupos circularam e se apresentaram nas praças e conseguimos cadastrar,
para nossa surpresa e satisfação 760 artistas. Tudo surgiu daqui. O ultimo dia
do projeto não foi uma conclusão, foi uma Apoteose para avançarmos mais um
passo, não foi o final... E não paramos de nos encontrar no Fórum... Há três
anos ou mais que aqui nos encontramos para continuar o que começamos e muito já
avançamos... Acho importante trazer essa memória, primeiro para falar que não
devemos esperar pelo poder público, nós é que temos que fazer sermos ouvidos
para que o poder público nos atenda, nos ouça. Em segundo para falar que nada
disso seria possível sem a sabedoria do Amir... se não fosse por ele, não
teríamos compreendido que o que precisamos, como ele falou, de apoio, de
projetos que sejam fermento para que a nossa massa possa aumentar e crescer...
É bom sempre lembrar essa memória; abrir o baú dessa história para compreender
que temos um passado e que possibilitou estarmos aqui até hoje, o que não é
fácil... Mas estamos aqui, até hoje, sempre aprendendo mais...”
Comemoração do Segundo Ano da Lei:
Antes de
fechar o encontro, Pascal Maurice, o músico do realejo, nos lembrou que no dia
05 de Junho, á Lei 5429, do artista de rua estava completando dois anos e que
deveríamos fazer uma comemoração. Concordamos que não podíamos realmente deixar
de celebrar a data porque foi uma lei construída pelos artistas e defendida na
Câmara pelo seu autor vereador Reimont. Como muitos tinham compromisso no dia
05 de Junho resolvemos celebrar o aniversário no dia 09 de Junho, na
Cinelândia, ás 19h, como atividade do Fórum. Combinamos então de nos
concentramos na Casa do Tá Na Rua ás 17h, sair em cortejo da Lapa ás 18h, para
chegar na Praça da Cinelândia as 19h, em
frente a Câmara de Vereadores e assim dar os parabéns para a Lei.
Com esse
acerto para o dia 09, encerramos o encontro deste dia finalizando com o nosso
salmo, letra de Paulinho da Viola, acompanhados da flauta do Grupo Caras Pintadas:
“Não
sou eu quem me navega, quem me navega é o mar
Não sou eu quem me
navega, quem me navega é o mar
É ele que me carrega
como nem fosse levar
É ele que me carrega
como nem fosse levar,
E quanto mais remo mais
rezo Pra nunca mais acabar
Essa viagem que faz o
mar em torno do mar,
Meu velho um dia falou
com seu jeito de avisar:
- Olha, o mar não tem
cabelos que a gente possa agarrar...
Não sou eu quem me
navega, quem me navega é o mar
Não sou eu quem me
navega, quem me navega é o mar
É ele que me carrega
como nem fosse levar
É ele que me carrega
como nem fosse levar...”
Termino este
boletim sempre lembrando que não é uma ata, mas um informativo escrito a partir
das minhas anotações e que está aberto para acréscimos, sugestões e correções.
Ass:
Herculano Dias
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