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quinta-feira, 9 de julho de 2009

Texto dos curadores do XIV Encontro de Teatro de Rua de Angra dos Reis

Queridos companheiros da Rede,
Dentre os vários significados que o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa atribui ao substantivo encontro, há um que expressa a essência deste projeto: “extremidade de uma ponte onde esta se encontra com a estrada, e em que se apóiam as vigas principais da estrutura”. Está tudo aí, nessa imagem onde o desejo de compartilhar idéias e conhecimentos se une à necessidade de construir vias concretas para que os sonhos se realizem. Constrói-se uma ponte para que todos possam passar por ela. Para ir e retornar, cumprindo o destino dos viajantes.
O nosso sonho começou ainda em 2008, durante o XIII Encontro Nacional de Teatro de Rua de Angra dos Reis. Estávamos ali informalmente, como aprendizes de teatro. A partir dos espetáculos que assistimos, escrevemos e divulgamos nossas concepções, convictos de que, embora ainda incipiente, é esta uma prática muito importante para o teatro de rua. Essa iniciativa levou-nos a aprofundar nosso contato com a cidade e seu imenso potencial artístico, que já conhecíamos de eventos teatrais anteriores. Assim, fizemos novamente a travessia por aquela ponte ainda em obras e retornamos a Angra dos Reis, desta vez como curadores do XIV Encontro. De janeiro a maio de 2009 vivemos intensamente essa aventura. Mergulhamos no trabalho, mas procuramos não perder de vista, em nenhum momento, a idéia de Encontro como uma ligação concreta entre lugares, pessoas, idéias e ideais.
O primeiro desafio foi tentar responder à seguinte indagação: O que é ser curador, no teatro de rua? Marinheiros de primeira viagem, só depois de algum tempo percebemos que estava conosco a matéria-prima fundamental para essa resposta: pela quantidade e qualidade de projetos recebidos, vimos a responsabilidade que implicava mergulhar em tal empreendimento. Afinal, no início de março tínhamos em mãos não somente materiais “de divulgação” daqueles interessados em participar, mas o sonho de cada artista e de cada grupo concretizado em papel, acetato e outras alquimias tecnológicas. E o desejo de compartilhar tudo isso! Selecionar os espetáculos e performances foi uma tarefa complexa, em que o prazer de conhecer o trabalho dos mais distantes companheiros de estrada se mesclava, paradoxalmente, à tortura de ter um limite de projetos incluídos na programação oficial. Só quinze espetáculos? E vinte performances?
Recebemos materiais de todas as regiões do país, representadas pelas cidades de Cuiabá, Goiânia, Brasília, Aracaju, São Luís, Salvador, Juazeiro do Norte, Ananindeua, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Criciúma, Uberlândia, Betim, Belo Horizonte, Embú das Artes, Santo André, Santos, Presidente Prudente, Jacareí, Campinas, Atibaia, São Caetano do Sul, Sertãozinho, Araraquara, São José do Rio Preto, Pirassununga, São Paulo, Cabo Frio, Angra dos Reis e Rio de Janeiro. Buenos Aires também se fez presente nesta etapa! Não seria possível “esticar” o Encontro para mais dias? Entre desejo e realidade, dividimos com a equipe local esse desafio quase intransponível: foi elaborado um elenco maior de propostas pré-selecionadas, que passou pela terrível tesoura da avaliação de custos de produção... e assim, descobrimos que a curadoria tem suas limitações, pois há outros critérios em jogo além do mérito artístico, os quais não podem ser desconsiderados.
Finalmente, chegamos a 16 espetáculos, dentre os 83 enviados. Dos 65 projetos provenientes da região Sudeste, foram selecionados 9; dos 18 trabalhos oriundos das demais regiões do país, 7. Além disso, foram aprovadas 22 performances, sendo 14 de artistas angrenses e 8 de artistas visitantes. Deste modo, por meio dos espetáculos ou das performances, buscamos estabelecer um painel em que todas as regiões do país pudessem estar representadas em seus diversos fazeres teatrais, suas estéticas e sua ética, proporcionando-nos uma visão ampla do teatro de rua no Brasil, hoje.
O segundo desafio foi decidir como seria a programação “paralela” do Encontro. O que as pessoas gostariam de ver, fazer, participar? Como conciliar tantas expectativas, capazes de incluir o profissional, o artístico, o político, o lúdico, e o simplesmente humano? Optamos por tentar equilibrar cada dia com diferentes atividades: espetáculos matinais ou vespertinos “para todas as idades”; uma oficina em espaço público; performances; trocas de experiências teatrais e universais no Ponto de Encontro. Foram realizados, durante o evento, alguns encontros setoriais bastante significativos: um com produtores de festivais de teatro do Estado do Rio de Janeiro, aproveitando a ocasião para sensibilizar esses realizadores teatrais para a importância da presença do teatro de rua em festivais já consolidados, e outro com os articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua, a fim de estreitar os laços já existentes.
O impulso de romper barreiras entre o teatro de rua e a academia levou-nos a propor a presença de pesquisadores de teatro, convidados com o objetivo explícito de comentar, teorizar, analisar e criticar os espetáculos e performances. O resultado desses diferentes olhares deverá ser publicado em breve, o que representará a primeira produção teórica do recém nascido Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua. Procuramos, ainda nesse sentido, abrir um espaço para os fazedores teatrais apresentarem os produtos de suas investigações: livros, revistas, CDs, DVDs e outros materiais que vêm surgindo abundantemente em nosso âmbito.
Restava, ainda, a preocupação com o necessário intercâmbio de experiências, e a intenção de estimular a efervescência criativa que só se consegue no contato direto, corpo-a-corpo. Cientes de que as habituais mesas-redondas nunca conseguem de fato estabelecer um relacionamento circular e horizontal entre os participantes, optamos pela informalidade do Ponto de Encontro, oferecendo um espaço para aquelas necessidades vitais que retroalimentam o fazer e o pensar na arte: trocar idéias, “dar uma canja”, apresentar um improviso, ou simplesmente tomar uma cerveja, conversando com velhos e novos amigos. Quisemos também proporcionar, para os incansáveis, a oportunidade de agitar sob o comando dos disck-jokeys das emoções baratas Alessandro Perssan, Francisco Couto e Alexandre Santini, do Grupo Tá Na Rua! Na última manhã, um passeio de barco com direito a um mergulho nas águas inacreditavelmente cristalinas de Angra foi o modo que encontramos para tentar adoçar o sabor da nostalgia que invade a todos nesse momento de despedida.
Enfim, ansiávamos por um Encontro feito de todos os encontros possíveis! É, este, o encontro que nos interessa: aquele que seja capaz de lançar luzes sobre as contradições que nos povoam. Somos ambiciosos, sim, mas principalmente, românticos e antiquados: além de propiciar contatos, estimular redes, ocupar territórios, trocar conhecimentos, etc e tal, nós também desejamos mergulhar na festa, vivenciar o sonho, explodir os afetos, reinventar o mundo... esperando, ainda, que todos sejam arrebatados por esse mesmo ímpeto que nos anima! Portanto, se conseguimos realizar, ainda que apenas, uma parte pequenina assim disso tudo, foi apenas porque não estávamos sós. Tínhamos vocês todos conosco, de corpo ou espírito presente. Muito obrigado!
Evoé!

Licko Turle e Jussara Trindade - curadores

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