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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Povoar o imaginário com a possível mudança


Adailtom Alves Teixeira[1]

A rua é um espaço de disputa. No campo da arte é disputa pelo próprio espaço de expressão da mesma, na medida em que se concorre com pastores, sons dos mais diversos, vendedores, eventos dos mais diversos etc. No caso de uma arte que se propõe intervencionista, isto é, que visa discutir a própria sociedade, é disputa também pelo imaginário, sobretudo dos trabalhadores. Trabalhadores, estes, cansados de um sistema massacrante. É nesse campo que se coloca o Coletivo Território B com sua peça Banalidade, não à toa, inserido dentro da programação do Festival de Direitos Humanos. Em cena quatro artistas, dois atores (Danilo Minharro e Luciano Carvalho) e duas atrizes (Bruna Amado e Magê Blanques) narram uma história real: a violenta desapropriação da comunidade de Pinheirinho em São José dos Campos no início de 2012. A apresentação a que assisti ocorreu no dia 13 de dezembro na Praça do Patriarca, centro da cidade de São Paulo.

O teatro de agitação e propaganda, conhecido por agitprop cumpriu grande função durante a revolução russa, sobretudo na forma do teatro jornal, já que em uma grande massa de analfabetos essa era a possibilidade de terem acesso a determinados temas que não tinham por outras vias. Apesar de irem fundo no caso Pinheirinho, o que o Coletivo Território B faz não é teatro jornal, embora cumpra função bem parecida, afinal em uma sociedade em que dez famílias dominam todas as grandes mídias, ir para a rua discutir os temas pertinentes à própria classe trabalhadora é fundamental.

O grupo não se restringe – ainda que não seja pouco – ao caso Pinheirinho, utilizam citações de Anton Tchekhov para mostrar a decadência de uma classe. Se o autor russo escreveu sobre a decadência da aristocracia, o mesmo vale para a burguesia de hoje. Penso que a cena pede mais elementos, alguns adereços para caracterizar essa burguesia, não apenas o chá e o texto. Na cena, um chá da tarde, as personagens que vemos conversando, é como se não pertencessem mais a este mundo. Se por um lado é certo que já não pertencem mais a esta realidade, e aí está a força da cena, por outro, é muito fácil perder a mão e a comunicação com o público, afinal a rua é lugar de trânsito e qualquer desinteresse perde-se a disputa.

Em outro momento bastante lúdico, o Coletivo Território B coloca as pessoas do público para alimentarem a "mamãe grande". Como se questionou alguém do público sobre a representação: "seria os Estados Unidos da América?" É mais, mas não deixa de ser interessante essa identificação. Na brincadeira da cena – e na vida real – todos alimentamos a "mamãe grande", mas na peça, cansados de vermos ela nos devorar, podemos nos vingar, derrotá-la. Ou até, como quase fez de verdade outra pessoa do público, destruí-la, esquecendo que era apenas um objeto, uma representação.

E aqui é importante uma reflexão. Essa vontade de destruição do objeto que representa a personagem "mamãe grande" (o próprio sistema capitalista) – figura agigantada com uma enorme boca que tudo devora – demonstra dois fatos potentes: a força do teatro e a importância de discutirmos o momento histórico atual. Os dois estão sendo feitos pelo espetáculo Banalidade. Uma peça épica que parte da realidade, demonstrando que os integrantes desse coletivo não estão apartados, e muito menos alheios à realidade social, cumprindo, assim, o papel da arte enquanto conhecimento. Por sua vez, e justamente por isso, cumprem outra função imprescindível nos tempos atuais: a disputa do imaginário da classe trabalhadora. Logo, o Coletivo Território B, não poderia está em melhor lugar: a rua.

A peça finaliza apontando para a mudança, mas não diz como, afinal, respostas devem ser criadas coletivamente. Estamos todos vivendo tempos difíceis, a grande maioria dos trabalhadores cansados de tanta repressão, tanto sufoco, tanto depauperamento, incutir nas mentes e corações a necessidade de mudanças profundas na sociedade é também papel da arte. E me parece que a mudança só pode vir da classe trabalhadora, afinal, para o outro lado, ficar como está é o melhor que pode acontecer.


[1] Mestre e Artes pelo Instituto de Artes da Unesp; membro fundador do Núcleo Brasileiro de Pesquisadores em Teatro de Rua; ator e diretor teatral.

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