Grupo TIA faz 7 anos
* Márcio Silveira dos Santos
Estamos em agosto de 2011, mês considerado pelo folclore popular como sendo "O mês do cachorro louco". Crendice ou não, a conjuntura dos fatos mostra um mundo dissolvendo-se em meio à queda das bolsas de valores e a explosão de revoltas pelos países do oriente e ocidente. Cidadãos do mundo mantêm a luta por igualdade, fraternidade e liberdade, condições básicas para a sobrevivência da paz mundial. Na América Latina, chilenos ateiam fogo nas ruas, no Brasil os fazedores de cultura promovem ocupações e documentos como formas de mostrar o descontentamento e a ira com os caminhos tortos traçados por um governo fora de prumo, repleto de atmosferas Kafkanianas e incomunicabilidade Beckettiana.
Já no Rio Grande do Sul, na cidade de Canoas, vizinha a capital Porto Alegre, totalmente antenados e envolvidos neste entrevero global, o Grupo TIA - Teatro Idéia Ação comemora seus sete anos de existência. Através de uma longa mostra, de 06/08 a 27/08/2011, composta de debates, oficinas e (claro que não podia faltar!) apresentações de teatro de rua. "A" nossa TIA dentro do seu pensamento filosófico, político e ético de coletivo não poderia estar sozinha, tem suas comemorações reforçadas por alguns dos "primos": Grupo Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela, Cia Um Pé de Dois e Grupo Mototóti, grupos articuladores da RBTR/RS. Somados a estes há outros grupos da cidade, como o Arteiros Teatreiros, Angola Brasil e Mojubá, que apresentam performances, rodas de capoeira, dança e teatro, contribuindo nos condimentos do recheio e no soprar das velas do fermentado bolo deste grupo de circo, teatro e porque não dizer, povo multifuncional que encara qualquer parada a pau e corda.
Marcelo Militão e Mariana Abreu fundaram o grupo dentro da proposta de realizarem um teatro experimental, de intervenção social, onde se possa pesquisar e descobrir formas de um fazer teatral peculiar ao grupo. Uma das características do grupo é a itinerância, viabilizando seus espetáculos na rua e outros espaços de maior acesso ao público em geral. Desenvolvem um trabalho dedicado ao teatro e à pedagogia, com temas questionadores, mas sem perder a ludicidade e o encanto.
O grupo realiza também oficinas de teatro para todas as idades. Nessa trajetória de 7 anos criaram diversas intervenções cênicas, performances, rádio teatro, espetáculos infantis e teatro de rua. No ano de 2010 estiveram circulando pelo nordeste brasileiro através do Movimento Escambo, realizando apresentações e vivencias que tornaram o trabalho do grupo mais coeso e engajado. Embora mantenha esta garra por 7 anos o grupo é mais um sem sede, a própria moradia se transforme em escritório, local de reuniões e para guardar os cenários e figurinos. Como diz o Militão "nosso barraco é uma muntueira de tudo!". Há tantos espaços ociosos dos governos e dezenas de artistas sem espaço para seu trabalho continuado, trabalho extremamente significativo para a sociedade. Uma lástima essa situação!
Um tempo antes destas comemorações fui convidado para um jantar na casa da galera, e como diz o rapper paulista Emicida: Pólvora não é Tempero! Cheguei sabendo de antemão que não haveria pólvora no saboroso risoto regado por umas cevas e vinho, mas haveria pólvora nos diálogos políticos/econômico-sociais/etc., com essa galera pronta "pra tocar o horror, explodir". Neste encontro que durou muitas horas ao som de um set list You Tube porrada da DJ Mari, pude conhecer mais esta trajetória de sete anos e crer que outros tantos virão.
Mas foi naquela noite que conheci outro integrante e que me pareceu, até certo ponto, uma espécie de mentor nas idéias e ações deste grupo. Explico. Trata-se do Paçoca, um cara rueiro mesmo, que o casal M & M encontrou na rua vagando pelo mundo, girando por aí sem eira nem beira, um teatino na roda do tempo. Trocaram umas idéias e combinaram que em troca de cama, comida, roupa lavada e muita arte ele poderia expressar-se a vontade, teria o seu lugar ao sol. Combinação feita, Paçoca já está a um bom tempo no grupo, contribuindo na sanidade do M & M e mantendo os gatos da casa comportados. O cara é uma simpatia, já recepcionou teatreiros e circenses do Brasil e países vizinhos, como o pessoal do Escambo do Nordeste, do Buraco d'Oráculo e Núcleo Pavanelli de São Paulo, bem como participou de reuniões da RBTR/RS e na organização do 7º Encontro Nacional de RBTR. Tudo do seu jeito, quieto, observador e impondo presença através de suas expressões inesquecíveis. Há poucos dias foi visto no Facebook com suas fotos de apoio ao Movimento dos Trabalhadores da Cultura na ocupação da Funarte/SP. Eram fotos junto ao seu espaço de dormir que, aliás, me cedeu um cantinho para pernoitar naquela noite fria.
Acredito que Paçoca deva ter criado um número ou uma mini performance pra esta mostra de sete anos do TIA, mas isso sempre é segredo, pois Paçoca adora fazer surpresas. Ah! Fico tentando adivinhar se ele vai ficar verde fluorescente como a Beagle sul-coreana Tagon, que brilha sob luz ultravioleta. Mas com base nas ideias deste mentor do TIA, acredito que se ficar verde sob a luz do sol, vai ser de raiva como o Hulk, por tamanha indignação com a forma como as instâncias de poder inibem hoje em dia o artista de rua e cerceiam sua liberdade de expressão. Lembro-me da última frase que ele me disse: "É muito fácil falar de investimento na cultura e editais, virado de costas pra quem realmente faz cultura!". Eu curti a frase do Oráculo!
Brincadeiras metafóricas a parte, esta mostra de resistência e força, repleta de intervenções na cidade de Canoas que todos poderão desfrutar gratuitamente, mostra a importância do Grupo TIA para a cidade e para os artistas de rua do mundo. Neste fim de semana, dia dos pais, me relataram que chegam a lugares nunca antes alcançados. Um senhor de 52 anos de vida nunca tinha visto teatro e ambos numa fruição estética simples e frutífera estabeleceram ali um diálogo honesto, verdadeiro e sincero. Ampliaram o horizonte de expectativa não só deste cidadão ancião, mas também da cidade onde possuem CEP, telefone, endereço fixo e pagam impostos.
Também é louvável destacar aqui, que o Grupo TIA mantém fortes laços com artistas de rua de outras esferas, como o "Homem do Gato" que dividiu a roda com o grupo para divulgar a apresentação do "Homem Banda", da Cia Um Pé de Dois. Laços e relações que deveríamos manter sempre com esses mestres do oficio por necessidade pura e latente, que muito tem a nos ensinar e a trocar sobre essa guerra de se estar na rua, de se manter vivo no trabalho diário de sobrevivência no espaço aberto, do olho no olho, do teatro de perto, dos cinco sentidos dilatados e presentes. O Grupo TIA mostra a que veio e pergunto: quer maior prova de que merecem todo respeito e condições dignas para trabalhar?
Mais informações podem ser obtidas no blog: tia-teatro.blogspot.com. Além do blog há também o zine independente que se esgota rápido, "O Mio do Gato", cujo nome é mais uma das fortes ligações do grupo com o universo felino, pois há também o símbolo da Troupe, um gato preto todo eriçado com uma bela flor na boca e há os gatos guardiões da sede junto com Paçoca e no caminho da coincidência completam sete anos! Mas diferentemente do tempo de vida de um gato desejo que esse sete se multiplique por muitos outros, com muita persistência e pé na tabua!
Vida Longa ao Grupo TIA.
Evoé!
* Márcio Silveira dos Santos é ator, diretor, dramaturgo e professor.
Integrante do Grupo Teatral Manjericão/RS.
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