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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

RELATO ESCAMBO EM TRAVESSIA


NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA SERRA


Por Ray Lima e Júnio Santos

Até aqui "O Escambo em Travessia pelo Brasil" segue firme sob os passos corajosos e a teimosia de oito integrantes do Movimento Popular Escambo Livre de Rua e a generosidade de pessoas, grupos e movimentos como a Universidade Popular de Arte, Ciência e Saúde do Rio de Janeiro, ANEPS/MOPS-SE, Rede Brasileira de Teatro de Rua (SP, RJ e MG) e o Movimento Escambo. Além destes, alguns amigos que de forma carinhosa vêm dando apoio logístico e ou moral ao nosso desafio que é político e pedagógico, cultural e econômico.
Depois de uma bela temporada intensa em São Paulo, apeamos para uma dormida tranquila na casa de uma cunhada do Júnio Santos em Maricá-RJ, tocamos a "Kombi Olita" rumo a Serra de Caparaó, mais precisamente à comunidade de Patrimônio da Penha, município de Divino São Lourenço-ES. Neste lugarejo chamado Patrimônio da Penha, próximo ao Pico da Bandeira, em Espírito Santo. Um lugar lindo onde moram apenas 400 pessoas. Aqui me reencontrei com a Mata Atlântica, meus passarinhos de infância (canário da terra, sanhaçu, sabiás, galo de campina, caboclo-linho, verde-linho, juriti, nambu, periquitos, pintassilgos, curiós e tantos outros seres de encantamento. Além disso, cachoeiras e muito silêncio, que durante o dia é perturbado por caminhões que nutrem de material uma reca de trabalhadores para a construção de uma estrada do empreendimento turístico Circuito Caparaó Capixaba. Podemos imaginar o que esta obra provocará na região em termos culturais e ambientais. Isto significa o famoso "progresso" chegando também por essas bandas. Infelizmente.  Aqui não pega celular. Apenas tem uma lan house pequena de onde produzimos e remetemos esta mensagem. O grupo que nos recepciona em Patrimônio da Penha, o Circo Capixaba, é formado por professores e educadores de Vitória que decidiram largar a cidade para viver nesse pedaço de Brasil (capitalista e neoliberal) que ainda produz quase tudo que consome sem ganância nem excessos de produção e consumo. O feijão, o café, o peixe, o pão, a carne, as frutas e legumes, etc. vêm do que a comunidade é capaz de prover cotidianamente. Encontramos ontem durante o cortejo de anúncio do espetáculo Orfeu apresentado pelos nossos anfitriões, dona Lili, a anciã que além de ser a pessoa mais idosa do lugar garante a existência da folia de boi da região. Foi uma emoção podermos cantar "Cratera Norte" (cantiga de Ray Lima) para ela e sua filha. Ontem, dia 10 chegou a vez do sanfoneiro Claudinho que tomou conta da sanfona do Júnio Santos e fez a festa. Aqui faremos vivências de palhaços com as crianças e espetáculos na rua, na brinquedoteca e na escola. Na sexta-feira, desceremos a serra para Vitória onde faremos espetáculos e intervenções cenopoéticas.

Sentíamos que nos aguardava em Patrimônio da Penha a mesma energia encontrada em Recife com Alexandre Menezes e sua família, em Aracaju com Simone Leite, Karen e Larissa.  No Rio de Janeiro com o Richard e Lílian (Off-cina), Amir Haddad (Ta na Rua), André (Será o Benedito) e o Vitor Por Deus (Universidade Popular de Arte, Ciência e Saúde). Assim como em Belo Horizonte com a Júnia e Cristiano (Terceira Margem e Coletivo de Palhaços). Em Campinas o Circo Além da Lona, do Multiartista Christian Mathias, encarregou-se da recepção calorosa com a ajuda de seus companheiros de ofício e da simpática Natália. Em São Paulo destacamos o carinho e a hospitalidade de Luciano e Léo (Artemanha), Zona Sul, onde brincamos por uma noite e um dia, tendo a rodada de chapéu mais inusitada e singular com o público doando seis relógios por não ter dinheiro.  Com o Núcleo Pavanelli sob a atenção cuidadosa de Simone, Marcos, Flanklin, Dicinho, Mizael e Cris que por mais de uma semana nos abrigaram e acolheram como irmãos em sua sede na Zona Norte. Nesse período pudemos sentir a solidariedade do Mestre Danilo que nos incluiu no Festival de Teatro de Bonecos no Boulevard, Centro de São Paulo, acompanhando outros momentos da nossa travessia na terra da garoa. Fomos também a Guarulhos a convite do Movimento TAZ numa das mais expressivas apresentações do Casaco de Urdemales. Em Santos, o reencontro com a Trupe Olho da Rua sempre contando com o Caio e a Raquel que, cansados após uma semana de ocupação na FUNARTE, nos reservaram muito carinho e conversas sobre nossas práticas, a política, a arte e o mundo. De volta a São Paulo, outro reencontro: agora com a turma do Buraco d'Oráculo que nos receberam após a chegada de Santos, abrindo generoso espaço dentro de sua circulação de espetáculos onde rolou apresentação do Casaco de Urdemales, na Vila Mara. Encerrando a travessia paulista, um encontro emocionante com o Pombas Urbanas pela convicção, determinação, seriedade e brincadeira no trato com as artes públicas de rua, permitindo que durante um dia tão especial como o dia 06 de agosto, data de aniversário da ocupação do espaço em Tiradendentes, realizássemos uma vasta programação incluindo apresentação, pela manhã, do espetáculo Cenopoetico Lâminas" com Ray Lima, Filippo Rodrigo e Júnio Santos, seguido de uma grande roda de conversa e, à tarde, apresentação do Casaco de Urdemales.

Por fim, neste de relato de agradecimentos lembramos o estimado companheiro e dramaturgo CALIXTO DOS INHAMUNS pela acolhida, o jantar, a bebida regada à conversa despretensiosa, alegre e dinâmica como só ele sabe fazer. À Neidinha Ferreira, professora da UECE e companheira que assim como Clementino de Janduís-RN fez sua doação simbólica fortalecendo nossa luta. A Verinha Dantas que sempre envia mensagens de carinho e energia boa que nos fortalece. À Odila Fonseca que ao saber que estávamos em Campinas passou no Circo Sem Lona para nos dá um cheiro. À Rosa de Vitória que articulou nossa ida à Vitória. Às nossas companheiras e filhos que de longe acompanham nossa trajetória e tramam a certeza da nossa volta pela saudade que provocam a cada dia que passa.

Nos sentimos mais escambistas por viver com tanta gente, realidades, contextos desafiantes que nos enriqueceu. Com o Escambo em Travessia pelo Brasil também demonstramos que não bastam as estruturas do Estado, dos espaços físicos, da grana dos editais e políticas de fachada. Nosso fazer artístico e teatral passa pelo rompimento com a dependência dessas estruturas envelhecidas e pela libertação dos grupos dessas amarras escravizantes e opressoras. Está em percebermos que mais do que nunca temos que ser livres, atrevidos, ousados e principalmente felizes com o que fazemos. Quanto menos estrutura, quanto mais leveza mais liberdade para produzir e recriar o mundo e nossa existência.

Estamos de portas abertas no Movimento Escambo Popular Livre de Rua para recebê-los a qualquer momento e aguardamos ansiosos por esse dia.

 ESCAMBOS EM TRAVESSIA - JULHO a AGOSTO DE 2011 – Nordeste e Sudeste do Brasil.
"Viver neste mundo o que é?[1]
Dá uma mesmo de otário?
Fundar banco, vender armas,
Contentar-se de operário?

Viver neste mundo o que é?
Dirigir na contramão?
Inibir o criador, impedir a criação?
Cancelar a criatura por falta de opção?"

Viver neste mundo o que é?
Surfar no trem em vez do mar?
Comprar fiado e não pagar?
Dançar a música que tocar?"

Viver neste mundo o que é?

Patrimônio da Penha-ES, 10 de 2011.




[1] Lima, Ray. Quadra Funda. Tudo é Poesia I. Mossoró, 2005

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