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segunda-feira, 13 de maio de 2013

II Seminário Amazônico de Teatro de Rua

II Seminário Amazônico de Teatro de Rua[1]
Adailtom Alves Teixeira[2]

A história da sociedade capitalista é a história da inclusão de todos os indivíduos e de todas as coisas no mercado ou a redução de todos e de tudo à condição de mercadoria.
Marilena Chauí. Cidadania cultural: o direito à cultura

Todos sabem, ou deveriam saber, que governar não é o mesmo que ter o poder para fazer o que bem entende, mas sim encaminhar os projetos daqueles que realmente detêm o poder. Marilena Chauí – que foi gestora da cultura na cidade de São Paulo de 1989 a 1992, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou a primeira eleição nessa cidade – afirma que para os dirigentes do PT a cultura é vista sob três aspectos: como saber de especialistas, campo das belas-artes e instrumento de agitação política.
Na primeira, a cultura é vista pelo viés da competência, isto é, poucos sabem e muitos recebem passivamente, logo, faz parte da ideologia dominante. No segundo, campo das belas-artes (teatro, dança, música etc.), a cultura é vista como própria dos talentosos, daqueles que receberam formação específica. Assim, é espetáculo, entretenimento, não se valoriza a criação e seu processo, mas os resultados. O terceiro reúne os dois anteriores, com o objetivo de persuadir as massas; coloca-se a serviço da política.
Questiona Chauí, em Cidadania cultural:
Qual o paradoxo? Em lugar de tomar a cultura como uma das chaves da prática social e política da esquerda, os dirigentes petistas deixam de lado a dimensão crítica e reflexiva do pensamento e das artes e simplesmente aderem à concepção instrumental da cultura, própria da sociedade capitalista (2010: 9-10).
No entanto, ainda segundo a pensadora, a cultura e a esquerda tem laços indissolúveis e se faz necessário um trabalho crítico que desvele a realidade e engaje novos sujeitos na transformação social.
Para a esquerda, a cultura é a capacidade de decifrar as formas da produção social da memória e do esquecimento, das experiências, das ideias e dos valores, da produção das obras do pensamento e das obras de arte e, sobretudo, é a esperança racional de que dessas experiências e ideias, desses valores e obras surja um sentido libertário, com força para orientar novas práticas e políticas das quais possa nascer outra sociedade (CAHUÍ, 2010: 8-9).
Por isso mesmo, a cultura permite desvelar a luta de classes, possibilitando a contraposição à oficialidade, criando, a partir da memória, outros símbolos, outros espaços.
Muitos Podem pensar que doze anos de governo do partido supracitado, pareciam caminhar dentro dessa proposta, mas não. Devido à extensão do texto, também não vamos nos debruçar sobre todos os supostos avanços e nem sobre todos os retrocessos. Mas, peguemos um exemplo, sem esmiuçá-lo item por item: as Metas do Plano Nacional de Cultura (PNC). As metas são uma orientação, um norte das ações do governo federal e deveriam estar valendo desde 2011, com validade até 2020. É uma "experimentação" do que deve vir a ser a cultura brasileira. Mas nem mesmo o prazo foi cumprindo, tudo só começará pra valer em 2013.
Mesmo assim, o prazo não é o maior problema, mas o norte apontado pelo próprio PNC. Criado em conjunto com a sociedade civil, por meio de conferências e outros mecanismos participativos, o documento deveria, em tese, expressar a vontade da sociedade civil, ou pelo menos daqueles que se envolveram diretamente na construção do mesmo. Mas não é bem assim. E não sabemos onde nós, sociedade civil, perdemos a mão, onde as coisas se embaralharam e começaram a apontar em outra direção. Muitos trabalharam, pensaram, discutiram, visando criar um documento que norteasse a política cultural brasileira, no sentido do desenvolvimento humano. No entanto, o resultado final parece que já estava pronto a partir de práticas contrárias ao sentimento de sua construção. Se somarmos a organização e o processo de construção, foram décadas de luta. Para quê? Para transformar o PNC e as ações daí decorrentes no que se combatia. Afinal o PNC aponta para a uma prática mundial: a reinvenção do capitalismo por meio da cultura.
Apesar das três dimensões, simbólica, cidadã e econômica, o horizonte maior é o aspecto econômico, isto é, a cultura como mercadoria. Por isso a ênfase na tal da economia criativa, indústrias criativas, entre outras. Portanto, a cultura não é vista como direito e como processo do desenvolvimento humano, mas pela ótica do econômico. O objetivo é atingir 4,5% do PIB (Produto Interno Bruto). A cultura é mercadoria. Em sendo mercadoria, não é para todos, é para quem pode comprar; e também não será qualquer um que poderá criar, apenas "os criativos", "os empreendedores". Portanto, entra na ótica já apontada por Marilena Chauí. É sempre bom se questionar: em quais bolsos irão parar esses 4,5% do PIB? Provavelmente nos bolsos dos mesmos privilegiados, isto é, daqueles que já são os donos das tais indústrias criativas. Claro que um artista ou outro possa furar esse cerco da economia criativa, tornando-se uma exceção (que existe para confirmar a regra), este será destacado, justamente para demonstrar como o projeto é maravilhoso e "democrático". Afinal o capitalismo já faz isso há séculos: só os melhores conseguem; e a ideologia faz muitos crer que basta lutar para se sair vencedor.
Para completar a tragédia ou a farsa (e claro que faz parte do pacote, a ditadura burguesa sempre vem travestida de democracia), existe um falso diálogo entre o governo e a sociedade civil, que mesmo com tanta grita de todos os lados, faz ouvidos mocos. O último exemplo é o processo eleitoral para o CNPC (Conselho Nacional de Política Cultural), eminentemente excludente, apesar de vir sob a aparência de democrático. Afinal a internet não é democrática? Mas quantos brasileiros tem acesso e dominam as ferramentas digitais? Muitas são as perguntas.
Para completar a tragédia farsesca, existe um refluxo dos movimentos culturais, cansados de esmurrar as pontas de facas sempre afiadas. Como diria certo camarada: que fazer?



[1] Texto produzido como início das reflexões na Roda 3 – Políticas Públicas Para as Artes, ocorrida no dia 25/07/12, ao lado do Rio Madeira, no Complexo da Estrada de Ferro Madeira Mamoré – Porto Velho/RO.
[2] Mestre em Artes pela Unesp; membro do Núcleo Brasileiro de Pesquisadores de Teatro de Rua; articulador da RBTR; ator e diretor teatral.

Um comentário:

Unknown disse...

Realmente é isso que percebo. Nossa luta tem referendado o nosso inimigo: o Mercado. Me afastei um pouco, pra enxergar melhor. Iná Camargo tem razão: a luta é dos trabalhadores!