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terça-feira, 18 de março de 2014

BOLETIM INFORMATIVO FÓRUM DE ARTE PÚBLICA - 10 de março

Sétimo encontro do fórum dentro do Evento Arte Pública, Uma política em Construção.
Amir abriu o encontro saudando a todos e falando que era o primeiro fórum após a ressaca de Carnaval. Ressaca dos que brincaram e ressaca dos que não fizeram o Carnaval. Agora estamos retomando nossas atividades. Falamos que paramos porque estamos na rua levando este projeto e paramos para dar passagem para a festa do Rei do Momo, que é da rua.  Amir comentou que se estivéssemos fazendo um teatro experimental em salas fechadas, teria outra repercussão. Mas não estamos na rua. Como sempre Amir sempre diz: "Somos o Carnaval antes do Carnaval e o Carnaval depois do Carnaval. Trabalhamos o ano inteiro."
Carnaval é o período do ano em que a autoridade constituída entrega a chave para o Rei Momo e o povo vai para a rua brincar e se manifestar, se sentir livre, pois no resto do ano, a autoridade reprime, quer te controlar.
Amir: O artista de rua é carnavalizado... Estamos livres da autoridade, não somos a cara deles... Não somos instituição. A gente exercita a liberdade o ano inteiro. Nós somos uma carnavalização, somos historicamente submetidos a nada. Quando se fala carnavalização, não é imitar o carnaval, com porta bandeira e mestre sala, é exercer sua liberdade expressiva... Somos carnavalizados pela própria natureza... Somos assim desde a idade média, desde o Império Romano. Lé sobra a Idade Média é falar do rio de Janeiro no carnaval... Sempre estivemos na praça... Vivenciamos a cidade o ano inteiro... O carnaval não começa e nem termina o exercício da liberdade... O Carnaval não nós abduz, somos diferentes, não somos uma data no calendário... Há uma diferença... Isso me faz pensar como foi diferente o nosso carnaval... Aproveito para falar do nosso bloco, o Bloco do O800, a Arte Pública... Diante do nosso bloco, a diferença da Arte Pública e dos outros blocos... havia uma diferença do nosso carnaval, da nossa partitura...  Foi bom ver a nossa cara, diferente... Era um bloco de carnaval teatralizado. Talvez, durante o ano inteiro, fazemos o teatro carnavalizado. Há uma potencialização máxima do carnaval... Joãozinho Trinta foi assassinado pelo pensamento burocrático, pela ignorância do julgamento. Ele chamou o Tá Na Rua para fazer o desfile dos mendigos na Beija Flor, ele chegou e me disse: Você carnavaliza o teatro, eu quero teatralizar o carnaval. Fizemos o desfile dos mendigos. Foi maravilhoso... O desfile que ganhou foi sobre o Duque de Caxias. Perdeu para o Duque de Caxias... Mas uma vez perdemos para o sistema que tira a nossa alma... Para o truque... (Aqui Amir se portar ao resultado do desfile carioca deste ano, em que quem ganhou foi a Unidos da Tijuca, deixando Salgueiro e Portela em segundo e terceiro lugar) Agente vive no mundo que está entre o truque e a alma. A alma fica derrotada... Quando saímos no bloco, tinha uma alma... Este é o Carnaval que nos alimenta... O bufão é o que tem liberdade de falar na cara do rei... Apesar da gente não ter se visto, muita coisa estava acontecendo... Muitos Blocos, muita gente e muito lixo... Saúdo a todos que estiveram no Bloco da Arte Pública, nós fomos ás flores brotando no meio do lixo... Dou as boas vindas fazendo está reflexão sobre o carnaval..."
Leo Carnevale do Boa Praça: "Somos os artistas do mundo ao contrário. No carnaval não me visto de palhaço, tiro o meu nariz... Mas acho que o carnaval é justamente isso... É a junta de todos os excessos, muita comida, bebida, lixo... A população, todo mundo é público... É para exercer publicamente o seu lado artista. O carnaval no Brasil é medieval. Acaba o carnaval, mas a gente se mantém..."
Neste momento, Wagner Seara, o Palhaço Picuinha do Grupo Baita Anões pede licença para ler um poema que foi dado a ele como presente de aniversário:

O Tempo e a Jabuticaba

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela
chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas
não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse
amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'
O essencial faz a vida valer a pena.

Rubem Alves
Após Wagner ler o poema, Amir comenta que foi um jovem lendo e agora veríamos como seria um senhor lendo e pediu o texto para ler. Leu e foi bom ver o mesmo poema declamado por dois ângulos diferentes, um em plena ascendência da sua juventude e o outro pela sabedoria da experiência.
Continuamos com o encontro falando sobre o retorno das atividades do evento arte pública. Warley Bach, o estátua viva Pirata Jack Sparrow pergunta se quem se apresentou dentro da programação das praças seria chamado de novo.
Maria Helena, do Tá Na Rua, respondeu que foi surpreendente o número de cadastros feitos e que as curadorias estavam cuidando disso dentro do planejamento do projeto; "Mas estamos numa fase de chamar de novo. Havendo está possibilidade... Vamos chamar sim."
Herculano do Tá Na Rua: "Independente de chamar, os artistas podem ir nas praças e realizarem o seu trabalho e colocar o seu chapéu, não tem problema. Vão estar juntos e vão ser anunciados também... É bom que apareçam..."
Lígia, da Cia Mystérios: "Isso... É adesão... Independente da programação, é importante que os artistas compareçam. Sempre serão bem recebidos..."
Fernanda Machado: "A gente faz o Carnaval do dia a dia... Somos foliões o ano inteiro..."
Richard, do Off Sina: "Como é importante a participação do folião artista e de como com este projeto estamos encontrando tanta gente interessante. No primeiro dia registrei a Dona Raimunda... Ela me atraiu... Ela tem um 1,45... Uma senhora com o violão foi o motivo da minha atração... e no ultimo dia na praça ela foi a primeira atração... Ela tem um violão Rosa... O violão era desafinado, uma corda não falava com a outra... Quando ela pega o violão ela toca verdadeiramente. Ela segurou a roda até o final... O investimento que a move é o seu violão e suas composições próprias... No centro do instrumento, o orifício é em forma de coração... Como ela estava encantada..."
Também foi lembrado que o dia 27 e março é o dia do Teatro, do Circo e também agora oficialmente é o dia do grafite, sancionada pela prefeitura do Rio de janeiro e se iríamos fazer uma atividade coletiva para comemorar a data. Conversamos e analisamos que o teatro que comemora está data é o da sala fechada, do teatro como instituição. No caso do circo tem mais a ver por ser aniversário do Piolin, um dos mais famosos palhaços do país que foi e é inspiração para muitos até hoje.
Concluímos que como artistas públicos, o melhor dia para comemorarmos é o dia 23 de Abril, dia do Santo São Jorge, padroeiro instituído pelos artistas de rua como "Padroeiro e Protetor das Artes Públicas."
Encaminhando para o encerramento, Luciana Savine que estava vindo pela primeira vez disse que saía dali encantada, que não conhecia o movimento, mas que queria muito participar e cantou para nós Retrato Falado, de Clara Nunes:

Quem me vê lutando
não é sabedor,
do meu jeito brando,
de falar de amor,
eu tenho uma metade de acalmar,
metade lutador,
no fundo eu sou um sonhador
eu tenho uma cidade pra cantar,
um peito cheio de verso
e as mão de trabalhador.
Quem me vê
Quem me vê sentido
é conhecedor
do meu jeito antigo
de guardar a dor
eu tenho uma metade no meu lar,
metade exterior,
porque eu também sou pecador
eu tenho a mocidade pra gastar,
um grande amor pela vida
e a benção do Rendentor.
E quem quiser me acompanhar
eu cantei pra me desabafar,
e agora a dor já passou.

Mas quem me vê lutando,
não é sabedor,
do meu jeito brando,
de falar de amor
eu tenho uma metade de acalmar,
metade lutador,
no fundo eu sou um sonhador,
eu tenho uma cidade pra cantar,
um peito cheio de verso
e as mão de trabalhador.
Quem me vê...
Quem me vê sentido,
é conhecedor
do meu jeito antigo
de guardar a dor,
eu tenho uma metade no meu lar,
metade exterior,
porque eu também sou pecador
eu tenho a mocidade pra gastar
um grande amor pela vida
e a benção do Rendentor.
E quem quiser me acompanhar
eu cantei pra me desabafar,
e agora a dor já passou...
Mas quem me ê lutando...

Edmilson Santini foi no embalo, citou um poema em homenagem a Manoel Bandeira, de sua autoria:
UM POEMA DE BANDEIRA

Um Poema de Bandeira
É feito letra em levante:
Levanta a bola toante
Da poética brasileira:
Irene, uma vida inteira,
Na cozinha madrugando,
Certa noite se vê chegando
Ao céu: - Licença, meu branco...
Pedro, língua solta e franco:
- Que licença! Vá entrando.

Irene, que foi do eito,
Foi escrava, foi sujeita
Até a morrer de maleita,
Ama seca, seco peito...
Chega ao céu, tá no respeito.
Faz São Pedro, o bom cristão,
Santo alegre, canastrão,
Sonhar com a Luz de Terreiro,
Canto afro-brasileiro,
Irene em coroação...

Ao som de banda e chocalho
Chacoalha Irene o quadril,
Cada costela, um Brasil.
Do tronco à ponta do galho
De cada árvore, um atalho:
Cantiga e ginga de mão,
Roda a Rua do Sabão.
Irene, Rainha Ginga,
Reina no céu, onde pinga
Chuva de Aurora, União...

Nessa altura do Poema
De Bandeira, até o céu
Tirou da cúpula o chapéu
Pra Irene, que de pequena,
Fez-se grande no sistema
Celestial: canta loas
De Além-Mar, de Alagoas...
Irene boa, que dança.
Não cansa em Pedro a lembrança
De Marujada e canoas...

De Bandeira, Irene dada
A ser brincante que é;
Metrifica em cada pé,
Cadência dessa pisada,
Irene roda, é rodada...
Pedro, ao redor, diz: - Caramba!
Irene, riso de bamba;
Irene, que foi mucama
Na terra, no céu tem fama:
Porta Bandeira de Samba.

Caminhando para o encerramento do encontro desta segunda feira, Amir falou:
"Na minha bacia de jabuticaba, tem pouca jabuticaba. Por outro lado, quantas jabuticabas eu já comi. Quantas jabuticabas ela vai comer, faltando tanta jabuticaba para ele. Quando estava cheia, eu estava com uma angustia enorme, agora que tem pouca, me sinto tão bem alimentado. Chupar pouca jabuticaba, ter comido uma bacia, é muito legal. Todos nós sabemos quantas jabuticabas nos resta. Meter a mão e comer e engolir o caroço. Viva a Jabuticaba."
"Não sou quem me navega, quem me navega é o mar
Ele que me carrega como se fosse levar"
Assim terminou este encontro do fórum de arte Pública. Com sempre termino, este é um boletim informativo, não é relatório e nem ata. Escrevo a partir das minhas anotações e está aberto para correções, acréscimos e opiniões.
Herculano Dias

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