Certas opiniões devem ser esclarecidas, e depois do encontro que tive com artistas amigos meus, resolvi escrever este texto.
Há pelo menos quatro anos atrás, nós, artistas de rua, tanto grupos como aqueles que trabalham sozinhos estavam sendo impedidos de exercer nosso ofício nos espaços abertos da cidade pela então operação chamada "Choque de Ordem", imposta pela então recém criada Secretária Especial de Ordem Pública. A Guarda Municipal então começou não só proibir as manifestações artísticas, como também confiscar material de trabalho do artista. Diante deste fato, alguns artistas se juntaram e foram protestar diante da Câmara de Vereadores do Rio de janeiro, da melhor forma que conhecemos, com a nossa arte. Diante da força que apresentamos, queriam que aceitássemos um decreto da qual a resposta foi não; queríamos uma lei que nos protegesse e que legitimasse um direito já garantido na Constituição Brasileira, no Artigo 5º, que dá direito ao cidadão de se expressar e se comunicar.
Conquistamos essa lei, publicada no dia 05 de Julho de 2012 no diário oficial, a lei 5429. Mas não foi fácil. Antes da sua aprovação ela foi vetada pelo prefeito. Voltamos paras as ruas, muitos maiores em quantidade. Esse movimento chamou a atenção do Prefeito Eduardo Paes que marcou com os artistas um encontro que aconteceu na Lapa, na Casa do Grupo de Teatro Tá Na Rua. Os dois andares do sobrado do nº 35 ficaram abarrotados com atores, circenses, palhaços, pintores, poetas, todos que fazem da rua seu local escolhido de trabalho. Quando o prefeito chegou ficou espantado com a quantidade de artistas presentes. Na reunião com estes artistas, mais uma vez, desta feita por parte do senhor Paes, quis propor que aceitássemos um decreto. A resposta foi não. Diante disto e da força reinante dos artistas, o Prefeito prometeu que pediria que derrubassem o seu veto para que a lei fosse aprovada, palavra que foi cumprida; o veto caiu e a lei foi aprovada. Neste mesmo encontro, Eduardo Paes disse que iria publicar um edital para contemplar os artistas de rua. Mas um não foi dito. O que foi proposto é que fosse feito um projeto, onde pudéssemos verificar quantos artistas de rua atuam na cidade e que ajudasse na construção de políticas públicas para as Artes Públicas. Edital não. Editais como foi dito ao Prefeito estimula a competição e não era isso que queríamos para as Artes Públicas, queríamos reconhecimento para estes artistas que atuam nas ruas há muito tempo e que são ancestrais, já existiam antes das políticas públicas privadas e dos espaços fechados. Nós não nos enquadramos na política que existe no mercado cultural.
Depois de longa espera, o projeto saiu com o nome de I Festival Carioca De Arte Pública, mas baseado no seu principio e pensamento: Arte Pública, uma Política em Construção. Projeto este que nasceu do nosso movimento, dos artistas de rua, não foi nenhuma criação da Secretária Municipal de Cultura. Foi de baixo para cima, de dentro para fora. Os artistas que há mais de dois anos tem se encontrado no espaço que chamamos de Fórum de Arte Pública é que desenvolveram este projeto. Assim como a lei, criada pelo vereador Reimont, que se reuniu com este mesmo fórum, nos escutou e a partir das nossas ponderações pode encaminhar e construir os artigos escritos na lei. De baixo para cima, sempre.
E sempre a frente, lá estava (como está) o consagrado artista público Amir Haddad. Desde o início do movimento, Amir foi e é a nossa liderança para dialogar com o poder público.
Precisei rever todo um processo para esclarecer aqueles que falam que "Amir Haddad se vendeu para o Eduardo Paes".
Amir Haddad sempre se pautou a favor das suas idéias. Nunca se rendeu a poder nenhum. Basta ver a sua trajetória teatral. Ele era um diretor consagrado e premiado dos palcos brasileiros e abandonou tudo para ir para a rua, a favor dos seus sentimentos, com o peito aberto, a favor das suas idéias. Seus contemporâneos disseram que ele tinha perdido a razão, ficado louco. Depois de 36 anos, Amir é o diretor e pensador mais respeitado de teatro de rua do país, além de ter criado e estar á frente do Tá Na Rua, grupo de teatro de rua com 35 anos de atividade, que é referencia nacional e internacional.
Amir sempre foi arredio em relação ao poder publico, mas foi a favor de suas idéias e desarmado de qualquer pré-conceito, que ele foi dialogar com o poder público, como cidadão que o poder público tem que respeitar e tem que ouvir.
Foi a voz de Amir que bradou que os artistas de rua não tinham que ter um decreto os autorizando trabalhar nas ruas, decretos podem ser derrubados quando governos são trocados, queríamos uma lei.
Foi a voz de Amir Haddad, que no encontro com o Prefeito, na casa do Tá Na Rua, mais uma vez disse não ao decreto, disse não para o edital e que o que os artistas públicos necessitavam era de políticas públicas para as artes públicas. Não á toa o Prefeito ali mesmo declarou seu respeito pelo artista e cidadão Amir Haddad. Nunca foi o Amir que procurou o senhor Eduardo Paes, foi o prefeito que o procurou propondo o encontro.
Por isso que Amir é respeitado, não por ser um mestre, um grande pensador, mas por ser humano, e seu conceito de humanidade durante todo o processo de preparação para que o projeto fosse concluído e posto em prática, mas uma vez nos ensinou que para ser respeitado, tem que mostrar respeito e se respeitar.
Com um currículo invejável, com toda uma história construída e reconhecida, ele nem precisaria ter o trabalho de abraçar nenhuma causa, pois Amir não precisava e não precisa provar nada. Mas ele foi para as ruas em defesa dos seus pares. Sempre de peito aberto.
Todas estas linhas são para esclarecer para estes meus amigos e outros leitores que venham dialogar, conversar, para entender os fatos e o processo da caminhada do movimento de Arte Pública. As portas do Fórum carioca de Arte Pública estão abertas para trocar informações, para crescermos e unirmos nossas forças pela possibilidade de uma nova forma de olhar a cultura, de mudar, pois o futuro se constrói no presente. É um convite que faço para aqueles que queiram conversar sobre esse conceito, esse pensamento, que é tão novo, mas que já se espalhou pelo país como "uma peste" que denominamos Arte Pública.
E até para entender (pois estas linhas são mesmo de esclarecimentos e também de defesa), que nem Amir Haddad e nem os artistas que estiveram e estão ao seu lado neste movimento se venderam em troca de qualquer favorecimento. Foi uma conquista, conquista dos artistas e grupos que atuam nas ruas. De baixo para cima, de dentro para fora.
Herculano Dias
Ator, poeta, dramaturgo e, antes de tudo, Cidadão
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