Adailtom Alves Teixeira[1]
A
questão central é descobrir se você quer uma cidade para as pessoas ou para o
lucro. Para construir uma cidade diferente, é preciso ser anticapitalista. Não
há outra forma.
David Havey
A Rede Brasileira de Teatro
de Rua (RBTR), formada em 2007, realizará de 21 a 27 de março, na cidade de
Londrina/PR, seu XIV Encontro, que vem se desenhando para ser um dos maiores
até o momento, pois deve reunir mais de duzentos articuladores de todo o Brasil,
que arcarão com os custos das passagens, que, diga-se de passagem, bastante
onerosas em ano de copa. A recepção dos articuladores ficará a cargo do MARL
(Movimento dos Artistas de Rua de Londrina), que realizará também uma Mostra
com apresentações de artistas e grupos locais.
A RBTR é a única rede organizada
nacionalmente em seu segmento e a que mais cresce. Negligenciada pelo poder
público, tem à sua frente muitos desafios. Por outro lado, justamente por não
ter nada a perder pode radicalizar sua luta. Penso que, sem esgotar a discussão
e para além de sua categoria, o primeiro desafio seja assumir uma luta
classista, nesse sentido parte dos articuladores são favoráveis; outro ponto é a
disputa da cidade por meio de sua arte, papel que já realizam, mas que precisa
ser radicalizado na medida em que as cidades, médias e grandes, tornaram-se
produtos, sendo fontes inesgotáveis para o lucro capitalista, logo, são campo
de luta e pelo que se luta – a questão a se colocar é como a arte poderá
intervir nos rumos da cidade?; um terceiro ponto, que já vem sendo pauta de
discussões em alguns encontros da RBTR, é a construção de políticas públicas
para as artes públicas.
Os objetivos estão
interconectados, mas para clarear um pouco mais o meu ponto de vista de que
maneira a luta é única, ainda que se divida em muitas frentes, discorro rapidamente
sobre eles. Em dezembro de 2013, na cidade de São Paulo ocorreu o encontro
estadual do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, a constatação a que se
chegou foi a completa ausência de políticas públicas que contemplem as artes
públicas e quando os artistas populares ocupavam os espaços ditos democráticos para questionarem o poder
público, o que se ouviu em muitos relatos foi a perseguição aos artistas,
inclusive com ameaças de morte. E estamos falando do estado mais rico da
federação e que onde, supostamente, a democracia teria avançado, mas, como ficou
claro, o coronelismo ainda impera. O que dirá nos rincões mais distantes do
Brasil.
Claro que ao longo da
história da humanidade os artistas populares sempre foram perseguidos, mas se
alardeiam um estado de direito, que a livre expressão seja assegurada; mas quem
escolhe a rua como palco, sabe que ao fazê-lo trata-se de uma escolha política.
Trata-se de disputa, não só de realizar uma arte diferente e que chega a todos
sem distinção, mas que também intervém em como se deve pensar a cidade. Logo,
ao se colocar no espaço aberto, todo artista deveria saber que disputa o
imaginário das pessoas e uma concepção de cidade.
Para avançar na luta se faz
necessário políticas públicas, na medida em que seus fazedores não veem sua
arte como mercadoria, mas como possibilidade do desenvolvimento humano; requer,
portanto, investimento material, recursos que só poderão vir do Estado, já que
a iniciativa privada jamais irá investir em algo que não dê lucro. Mas, mesmo
aí há limites, na medida em que o próprio Estado, burguês que é, serve ao
capital e não aos interesses sociais. De qualquer forma, organizado e com
pressão pode-se avançar para exigir melhores condições, sem falsas ilusões. Uma
maneira de fazer isso é criar uma pauta que dê unidade com outros movimentos
culturais, pois, em âmbito federal está difícil a construção de algo mais
palpável, só com muita pressão, já que a lógica continua sendo mercadológica.
Basta dizer que uma instituição como a Funarte (Fundação Nacional de Artes)
está quase falida, com parcos recursos, tendo que recorrer a leis de renúncia
fiscal para manter alguns de seus prêmios. Ou seja, é um órgão do governo federal
que vem recorrendo sistematicamente a Lei Rouanet, por exemplo, para captar
recursos junto a empresas estatais para manter seus prêmios. Algo
incompreensível à primeira vista, mas olhando mais de perto, isso faz sentido
em uma gestão que fez uma opção no campo das artes: a opção do mercado e o
sucateamento de instituições que poderiam realizar interlocuções com artistas
populares.
Por tudo isso, fica claro
que a luta é grande e deve ser anticapitalista. Por isso, faz-se necessário um
projeto classista, construído em aliança com outros seguimentos organizados da
classe trabalhadora, ao mesmo tempo – mas sem ilusões, repito – em que buscam
construir políticas públicas visando uma melhor condição material para seus
fazedores. Exemplos de tomada de posição classista dentro da própria RBTR são muitos,
por isso há muita esperança nos rumos do encontro em Londrina, que promete ser
um marco nessa direção. Afinal, não é possível mudar o mundo se não pensarmos
em mudar os valores culturais que o norteiam. Como o velho está grávido do
novo, há esperança! Claro que não basta esperar, é preciso parir o novo. E se
os artistas populares nunca saíram de perto da população, dos trabalhadores, cabe
apenas um maior e melhor direcionamento político nessa perspectiva.
Publicado originalmente
no Brasil de Fato: http://www.brasildefato.com.br/node/27700
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